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Macron errou ao comparar Paris com Brasília

Opinião | No Brasil e EUA, violência e depredações foram movidas pelo desejo de extinção da democracia. Na França, por mais participação

Presidente francês Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu em Paris em 22 de janeiro de 2023

 (AFP/AFP)

Presidente francês Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu em Paris em 22 de janeiro de 2023 (AFP/AFP)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 26 de março de 2023 às 19h34.

Última atualização em 26 de março de 2023 às 19h41.

Após sobreviver à moção de censura da Assembleia Nacional francesa, uma espécie de dispositivo constitucional de retaliação à invocação, por parte de Emmanuel Macron do Artigo 49.3 da Constituição francesa, que permite ao Presidente da República aprovar determinadas leis com urgência sem que passem pelo legislativo, Macron reapareceu após algumas semanas longe dos olhos do público. Em uma entrevista concedida ao canal TV France 2 no dia 22 de março, Macron comparou as manifestações que têm ocorrido na França aos ataques ao Capitólio norte-americano e às sedes dos Três Poderes em Brasília.

O Président acertou ao condenar a violência dos protestos que cortam a França de norte a sul, contudo, errou ao compará-la aos ataques observados nos Estados Unidos e no Brasil.

Antes de mais nada, é necessário ressaltar que tanto a controversa decisão de Macron em apelar ao Artigo 49.3 da Constituição francesa e esquivar-se da necessidade de submeter seu projeto de reforma da previdência para votação na Câmara dos deputados do país, quanto a necessidade da haver uma reforma em si, são válidas. A proposta é amplamente aceita por especialistas, que defendem um aumento na idade mínima de aposentadoria que até então era de 62 anos - o menor número da União Europeia.

Como em qualquer lugar do mundo, uma reforma previdenciária que amplia o tempo de contribuição do trabalhador tende a ser impopular e causar certa movimentação pública. Acontece que na França, o país da Revolução, dos grandes protestos, das greves, e mais recentemente do Movimento dos Gilets Jaunes [coletes amarelos], insatisfações públicas tendem a tomar proporções não surpreendentemente exorbitantes.

Depredações de patrimônio público, que devem sim ser condenadas, têm ocorrido na França, contudo, são completamente distintas do que houve do nosso lado do Atlântico em 8 de janeiro. Tanto no Brasil quanto nos EUA os atos antidemocráticos contaram com a participação de pessoas que foram manipuladas a rejeitar a democracia e os resultados eleitorais - e por isso, de maneira inescrupulosa, decidiram invadir as sedes dos poderes acreditando que iriam conseguir derrubar a República. Na França, a principal motivação por trás das manifestações é o desejo da população de participar mais ativamente das tomadas de decisão, ou seja, de querer ainda mais democracia. Esses franceses não só sentem que as vozes das ruas não foram ouvidas, mas que sequer as vozes dos parlamentares eleitos para representá-las foram levadas em conta pelo Presidente. Antes mesmo dos protestos, pesquisas já mostravam que 70% dos franceses era contra uma reforma na previdência, ou seja, a medida do Executivo foi unilateral e isso enfureceu a população.

Macron errou? Não há uma única resposta, já que a democracia não é apenas a "vontade da maioria", como muitos ingenuamente gostam de defini-la. Ela é um regime que transforma as visões populares em políticas públicas ao mesmo tempo em que protege os direitos individuais. Pode ser que a reforma de Macron não reflita as visões populares da maior parte dos franceses, contudo, ela certamente tem a capacidade de proteger os direitos individuais dos trabalhadores franceses ao possibilitar que no futuro eles possam aposentar-se e usufruir de um sistema previdenciário saudável e não-deficitário.

 A principal diferença entre os protestos na França e o que ocorreu no Brasil e nos EUA está precisamente no fator democracia: enquanto nos dois países americanos a violência e as depredações foram movidas pelo desejo de extinção da democracia, na França ela é impulsionada por um desejo de maior participação popular, ou seja, por mais democracia. Macron pode até não ter errado em sua decisão política, mas na comparação, errou feio.

*Uriã Fancelli é mestre em European Studies and Culture pelas Universidades de Estrasburgo (França) e Groningen (Países Baixos) e autor do livro Populismo e Negacionismo

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