Mundo

Luta real é contra os 7 exércitos do Irã, entre eles Hezbollah e Hamas, diz cônsul de Israel

Rafael Erdreich, que chefia consulado em São Paulo, diz que Hamas e Hezbollah são exércitos criados por Teerã para destruir estado judeu

Prédio atacado por míssil do Hezbollah em Haifa, Israel, em 22 de setembro
 (Jack Guez/AFP)

Prédio atacado por míssil do Hezbollah em Haifa, Israel, em 22 de setembro (Jack Guez/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 1 de outubro de 2024 às 06h01.

Última atualização em 1 de outubro de 2024 às 09h27.

O verdadeiro inimigo de Israel não é o grupo palestino Hamas ou os terroristas libaneses do Hezbollah, mas sim o governo do Irã, que tenta desde os anos 1980 destruir seu país, diz ​​Rafael Erdreich, cônsul-geral de Israel em São Paulo.

"É um erro comum pensar que a guerra era contra o Hamas. A guerra é contra o Irã, e o Irã e todos os seus proxies. Israel está enfrentando sete exércitos, todos conduzidos pelo Irã", disse Erdreich à EXAME.

Na entrevista, ele disse ainda que as ações contra o Hamas e o Hezbollah fazem parte de um mesmo objetivo, que as mortes de civis estão em nível baixo, na comparação com outras guerras, e criticou a posição do Brasil no conflito.

Erdreich é cônsul-geral em São Paulo desde agosto de 2021. Diplomata há 32 anos, já ocupou postos em Lisboa, Roma e Santo Domingo. A seguir, os principais trechos da conversa, realizada em seu escritório, na zona sul de São Paulo.

Que balanço faz deste quase um ano de guerra entre Israel e Hamas?

Primeiro, precisamos colocar esse conflito na perspectiva certa. Esta guerra foi imposta a Israel após o ataque de 7 de outubro. Eles vieram para nos matar a todos. Milhares de terroristas do Hamas vieram e passaram de casa em casa, incendiando, matando, assassinando, estuprando, sequestrando pessoas nos assentamentos na fronteira e também nas cidades. É um erro comum pensar que a guerra era contra o Hamas. A guerra é contra o Irã, e o Irã e todos os seus proxies. Israel está enfrentando sete exércitos, todos conduzidos pelo Irã.

Que exércitos do Irã são estes?

Em 1979, quando ocorreu a Revolução Islâmica do Irã, eles começaram a impor a ideologia dos aiatolás, que tinha três objetivos. O primeiro era se tornar a hegemonia no Oriente Médio, ter a supremacia do regime xiita sobre a parte sunita do mundo muçulmano. O segundo seria a expansão do islamismo xiita por todo o mundo. E o terceiro, a aniquilação do Estado de Israel.  

Desde então, a coisa foi se construindo para alcançar esses objetivos. Começou-se a construir proxies, uma série de exércitos que cercam o Oriente Médio, do norte ao sul, e foram criando bases perto da fronteira para destruir o Estado de Israel. O primeiro dos exércitos foi o Hezbollah, estabelecido em 1982. O Hezbollah se tornou a maior organização terrorista do mundo, e tinha, ou tem, o poder de um país médio da Otan. Se formos classificar o poder do Hezbollah hoje, estaria em nono lugar, com o poder de mísseis que quase nenhum desses países tem.

O segundo foi o regime xiita no Iraque, que permitiu ao Irã colocar milícias xiitas no Iraque. O terceiro seria, após a Primavera Árabe, as tropas na Síria, quando o Irã deu ordens ao Hezbollah para entrar na Síria para ajudar o presidente Bashar al-Assad. Esta ajuda teve um preço: permitir que o Irã construísse bases militares na Síria com o objetivo de atacar Israel. E um dos últimos são os houthis no Iêmen, uma minoria de 25% da população do Iêmen, uma minoria xiita. 

Todos esses proxies começaram a atacar em todo o Oriente Médio, não apenas Israel. Eles atacaram as instalações de petróleo na Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, sem nenhuma provocação. Não me lembro dos sauditas ameaçando invadir ou atacar o Irã. Israel está sendo atacado por agressores, assim como os sauditas foram atacados. Eles estão ameaçando espalhar o islamismo xiita por todo o mundo. Israel não está ameaçando espalhar algo pelo mundo. Nenhum dos outros países quer a hegemonia sobre o Irã. Eles têm uma ambição ou projeto nuclear. Nenhum dos outros países tem uma ambição nuclear. Esse é o contexto.

Voltando ao ataque de 7 de outubro, estamos há quase um ano com a guerra entre Israel e Hamas. É possível ver um fim para essa operação? Quando Israel planeja terminar a ação?

A primeira e mais importante missão foi desmantelar o Hamas como uma organização militar, e garantir que o Hamas não seja mais uma ameaça para o Estado de Israel e não controle mais o que acontece em Gaza. O segundo objetivo, estamos vendo agora na parte norte de Israel. Desde o dia 8 de outubro, sem qualquer provocação, fomos atingidos pelo Hezbollah por mais de 8.000 mísseis. Toda a nossa fronteira norte e parte da região norte de Israel está queimada. Cidades foram evacuadas por um ano. Agora, 63.000 pessoas estão fora de suas casas. Então, nosso objetivo no norte é restaurar a segurança e, como consequência, precisamos enfrentar o Hezbollah e reduzir sua atividade. Há duas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, 1.701 e 1.559, que descrevem exatamente o que deve acontecer com o Hezbollah e no Líbano. Esse é o objetivo no norte: implementar essas decisões da ONU. [As resoluções determinam o desarmamento do Hezbollah e de outras milícias no Líbano e a saída de forças estrangeiras do país, entre outras medidas.]

Como vê a questão das mortes de civis que ocorrem em meio aos ataques de Israel?

De modo geral, em guerras como essa, a taxa de mortes é de 9 civis para cada terrorista morto. Nos ataques em Gaza e no Líbano, esta taxa é de 1 para 1, a menor já registrada em guerras assim. Fazemos ataques com muita precisão, embora estejam usando civis como escudo. Temos de mísseis e bombas com orientação precisa. Temos uma inteligência muito boa para saber onde eles estão escondendo esses mísseis, então somos capazes de realizar esse tipo de ataque sem grandes baixas civis graves. Isso não significa que eles não estejam lá. Estão, mas é uma guerra que não escolhemos. Houve casos em que o Hamas colocou mulheres e crianças à frente e disparava de trás deles. Há casos de mísseis escondidos dentro de casas, nas salas de estar. E as pessoas pagam aluguel ainda para morar ali.

O que o senhor espera para os conflitos entre Hezbollah e Hamas no futuro próximo?

Em relação ao Hamas, vemos que o conflito direto está chegando ao fim, mas ainda haverá mais ataques terroristas vindos do Hamas. Precisamos ver como o Hamas será substituído em Gaza para possibilitar a reabilitação e reconstrução de Gaza novamente, o que só acontecerá quando o Hamas não estiver mais no controle. Em relação ao Líbano, estamos vendo movimentos muito importantes. Nos últimos dias, vimos mudanças. Espero que termine muito em breve. Tenho certeza de que pode acabar instantaneamente se o Hezbollah obedecer às resoluções da ONU, 1701 e 1559, e se isso acontecer, o conflito terminará muito rapidamente. Se isso não acontecer, garantiremos que as fronteiras de Israel estejam seguras no norte. A expectativa é que Israel deva entrar no Líbano em breve, mas deverá ser uma operação pontual. 

Israel planeja criar algumas zonas de amortecimento (buffer zones) perto das fronteiras  com Líbano e Gaza? Essa possiblidade é considerada?

Sim. Primeiro, precisamos entender que zonas de amortecimento significam permanecer no território. Essa não é uma ambição de Israel, mas precisamos encontrar uma maneira de proteger as fronteiras para que não tenhamos outro 7 de outubro. Israel precisa garantir que não haja Hezbollah na fronteira de Israel. É por isso que uma das exigências de Israel, quando queríamos um cessar-fogo com o Líbano, era que o Hezbollah retirasse todo o exército e as tropas e implementasse a decisão 1.701 do Conselho de Segurança da ONU, que diz que eles deveriam se retirar até o rio Litani, no Líbano, que está a aproximadamente 15 quilômetros da fronteira. Isso permitiria a Israel defender suas fronteiras de uma forma que não houvesse uma invasão ao estilo 7 de outubro. Você pode chamar isso de zona de amortecimento, mas não é que as tropas israelenses estarão lá. O ponto é que o Hezbollah não estará lá. O exército libanês, claro, estará, mas não o Hezbollah. Essa era a exigência. Em Gaza, temos que garantir que eles não atravessem a fronteira novamente. E vamos garantir que isso aconteça.

Existe o risco de uma guerra maior e direta entre Israel e o Irã?

O Irã está conduzindo um conflito indireto com Israel há mais de quatro décadas e eles estão usando o que podem para ferir Israel. Uma guerra regional no Oriente Médio não é o desejo do Estado de Israel. Pelo contrário: procuramos várias soluções para não chegar a esse ponto. Em abril, o Irã atacou diretamente Israel com 350 mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro e drones muito sofisticados. Drones mais sofisticados do que os que a Rússia está usando contra a Ucrânia. Mesmo depois disso, Israel apenas deu um sinal ao Irã: "faremos algo, mas leve em consideração que você ainda tem uma chance de repensar tudo." Israel não respondeu a esse ataque de mísseis da maneira que qualquer país teria o direito de se defender faria. A possibilidade de evitar uma guerra regional está nas mãos dos iranianos e da comunidade internacional, que pode impor sanções ao Irã para parar suas ambições nucleares e o projeto louco de mísseis que eles têm. Eles estão construindo mísseis que podem alcançar todo o mundo, querem construir ogivas nucleares. Não é um bom futuro para o mundo

Nos últimos anos, Israel estava fazendo acordos com outros países árabes, como Arábia Saudita, Marrocos e Emirados Árabes Unidos, para estreitar relações. Como o atual conflito afeta a normalização das relações com outros países árabes?

A vontade de fazer acordos de normalização entre Israel e o resto dos estados árabes está sempre na mesa, e isso vai acontecer. O fato de termos esse tipo de guerra com o Hamas, com o Hezbollah, com outras organizações, está apenas adiando isso, mas o interesse está lá, e acredito que quanto mais cedo, melhor. Israel terá um escopo maior de países árabes se juntando aos Acordos de Abraão.

Como você vê o futuro das relações entre Israel e a Palestina? É possível pensar em um Estado palestino no futuro?

Não há nenhum conflito entre Israel e as pessoas que se descrevem como palestinas. Israel ofereceu o Estado palestino no passado, por quatro vezes, mas não houve disposição de chegar a esse compromisso com Israel. Eles colocam o futuro do povo palestino em risco, ao não permitir que eles tenham um lugar independente para si. A situação agora é que o povo palestino está dividido, entre os que apoiam o Hamas e a Autoridade Palestina. A Autoridade Palestina tem acordos provisórios com Israel. Desde os Acordos de Oslo, havia um roteiro para chegar a um acordo completo, mas enquanto a Autoridade Palestina não estiver disposta a aceitar o compromisso, e o Hamas não estiver disposto a aceitar a existência do Estado de Israel, isso não deve acontecer. O Hamas coloca em seu estatuto a aniquilação do Estado de Israel, então não vejo isso acontecendo no futuro próximo. No futuro, se as condições forem diferentes, Israel se sentará à mesa e tentará comprometer-se e chegar a um acordo de paz, como fez com o Egito, devolvendo toda a Península do Sinai, como fez com a Jordânia, como fizemos nos Acordos de Abraão, com os Emirados, com o Marrocos, com o Bahrein, com todos esses lugares, e como faremos com o resto dos países árabes, e isso fará do Oriente Médio uma das regiões mais prósperas do mundo.

Como o senhor vê a posição do Brasil neste conflito?

A posição do governo federal do Brasil foi um tanto decepcionante. Israel é um amigo de longa data do Brasil, desde a sua fundação, e até antes disso, existe uma comunidade judaica significativa e importante no Brasil. As relações entre Israel e o Brasil sempre foram boas. Fiquei um pouco triste ao ver as declarações do governo brasileiro em relação a Israel e à situação no Oriente Médio. Espero que tenha sido algo relacionado a um mal-entendido sobre a situação, mas acredito que Israel e Brasil sempre continuarão sendo aliados e amigos próximos. Temos aqui no Brasil, em praticamente todos os estados, relações muito boas com os governos, os diferentes governos dos estados, e vemos grande apoio a Israel entre o público brasileiro.

Acompanhe tudo sobre:IsraelConflito árabe-israelenseLíbanoIrã - País

Mais de Mundo

Rússia aumenta orçamento de defesa em 25% e atingindo nível recorde

Portugal lança plataforma para agilizar pedidos de cidadania

Trabalhadores dos portos dos EUA entram em greve a partir desta terça

Suíça e Itália redesenham fronteira devido ao derretimento de geleiras