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Lula defende regulação global da IA e mudanças na ONU em discurso em Nova York

Presidente fez discurso de abertura de encontro de líderes mundiais em Nova York

 (Michael M. Santiago/AFP)

(Michael M. Santiago/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 24 de setembro de 2024 às 11h18.

Última atualização em 24 de setembro de 2024 às 12h11.

O presidente Lula pediu que haja uma regulação global da inteligência artificial, para que ela tenha "a cara do Sul global", e mudanças profundas no funcionamento da ONU, em discurso na abertura da Assembleia-Geral da entidade, em Nova York.

Lula defendeu que a inteligência artificial não seja controlada por poucas empresas, e que os países precisam ter formas de definir os rumos da tecnologia, com a criação de um fórum internacional.

"Na área de Inteligência Artificial, vivenciamos a consolidação de assimetrias que levam a um verdadeiro oligopólio do saber. Avança a concentração sem precedentes nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países", disse Lula.

"Interessa-nos uma Inteligência Artificial emancipadora, que também tenha a cara do Sul Global e que fortaleça a diversidade cultural. Que respeite os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação. E, sobretudo, que seja ferramenta para a paz, não para a guerra. Necessitamos de uma governança intergovernamental da inteligência artificial, em que todos os Estados tenham assento", afirmou.

Lula foi o primeiro líder de um país a discursar na abertura da 79ª Assembleia-Geral da ONU, em Nova York. O encontro anual reúne presidentes, primeiros-ministros e outros chefes de estado e governo de boa parte dos países do mundo. Por tradição, o presidente brasileiro sempre é o primeiro líder estrangeiro a falar no encontro.

O presidente defendeu ainda mudanças no funcionamento da ONU. "A exclusao da América Latina e da África do Conselho de Segurança é um eco inaceitável do passado de dominação colonial. Vamos promover essa discussão de forma transparente, em fóruns como o G77 e o G20. Não tenho ilusões sobre a complexidade de uma reforma como esta. Mas esta é nossa responsabilidade. Não podemos esperar uma tragédia como a Segunda Guerra Mundial para reconstruir as instituições", disse.

Ainda nesta terça, 24, Lula deve se encontrar com Pedro Sánchez, premiê da Espanha, e Emmanuel Macron, presidente da França.

Década perdida

Lula disse ainda que a América Latina vive um momento difícil na política e na economia, e que as duas crises se retroalimentam.

"Na América Latina vive-se desde 2014 uma segunda década perdida. O crescimento médio da região nesse período foi de apenas 0,9%, metade do verificado na década perdida de 1980. Essa combinação de baixo crescimento e altos níveis de desigualdade resulta em efeitos nefastos sobre a paisagem política", disse, nesta terça, 24, no plenário da ONU, em Nova York.

"É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis. No Haiti, é inadiável conjugar ações para restaurar a ordem pública e promover o desenvolvimento", afirmou.

Lula, no entanto, não citou a Venezuela, país que vive uma das piores crises políticas do continente, onde o presidente Nicolás Maduro é acusado pela oposição de fraudar a eleição presidencial para se manter no poder.

"No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento. Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas", disse.

Ataque a 'ultraliberais'

O presidente também fez críticas ao que chamou de 'experiências ultraliberais' e disse que elas apenas pioram as dificuldades.

"O Estado que estamos construindo é sensível às necessidades dos mais vulneráveis sem abdicar de fundamentos macroeconômicos sadios. A falsa oposição entre Estado e mercado foi abandonada pelas nações desenvolvidas, que voltaram a praticar políticas industriais ativas e forte regulação da economia doméstica",

"O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei", disse.

"A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital.

Pedidos de paz

O presidente brasileiro também comentou as guerras em Gaza e na Ucrânia e fez um apelo por uma mudança de foco.

"2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram 2,4 trilhões de dólares.
Mais de 90 bilhões de dólares foram mobilizados com arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima", disse.

"O que se vê é o aumento das capacidades bélicas. O uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra. Presenciamos dois conflitos simultâneos com potencial de se tornarem confrontos generalizados", disse, sobre Gaza e Ucrânia.

Para a Ucrânia, ele defendeu o avanço de um plano de negociações baseado em seis pontos e defendido por Brasil e China. Sobre Gaza, Lula criticou a reação de Israel.

O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino.

"São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo", afirmou.

Mundo sem lei

Antes de Lula, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um discurso no qual fez um chamado para o combate ao aquecimento global e ao fim das guerras e pediu respeito às leis internacionais.

"Hoje, um número crescente de governos se sentem com o direito de sair da lei internacional. Eles podem violar a Carta da ONU, fechar os olhos para convenções internacionais e decisões de tribunais internacionais. Eles podem invadir outro país, espalhar poluição para todas as sociedades, ou mesmo comprometer o bem-estar de seu próprio povo, e nada vai acontecer", disse Guterres.

O secretário-geral defendeu uma solução de dois estados para Israel e Palestina. Sobre clima, ele exaltou o avanço da energia renovável, para que o mundo cumpra as metas do Acordo de Paris, de redução do aquecimento global.

"Estou honrado de trabalhar ao lado do presidente Lula, do Brasil, e com o G20, para garantir a máxima ambição, aceleração e cooperação. Para este propósito, financiamento é essencial", prosseguiu.

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