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Líderes europeus divergem sobre trabalhadores deslocados

A liberdade de trabalho na UE é um de seus pilares, mas líderes como o francês Macron querem proteger seus compatriotas da “competição injusta” do leste

Macron: "o princípio do deslocamento dos trabalhadores, da maneira como está sendo feito, é uma traição do espírito europeu" (Stephane Mahe/Reuters)

Macron: "o princípio do deslocamento dos trabalhadores, da maneira como está sendo feito, é uma traição do espírito europeu" (Stephane Mahe/Reuters)

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EXAME Hoje

Publicado em 1 de setembro de 2017 às 19h32.

Última atualização em 1 de setembro de 2017 às 19h32.

Se você visitar qualquer canteiro de obras na França, vai perceber que vários empregados provavelmente são de países do leste europeu, que pagam salários mais baixos. Na Grã-Bretanha, as fazendas empregam mão-de-obra da Polônia, da Romênia, ou da Bulgária quando chega a época da colheita. Quase metade dos motoristas de caminhão que entram e saem da Espanha é de nações do leste.

O princípio que sustenta isso tudo – a liberdade que os cidadãos da União Europeia têm de trabalhar em qualquer uma das 28 nações do bloco – é o pilar da própria união. Na teoria, permite que os trabalhadores se desloquem por toda a região para encontrar vagas, e beneficia os negócios por formar um grupo mais amplo de talentos.

Mas as empresas também vêm lucrando há tempos com regras que permitem que elas “desloquem” os trabalhadores de um país para outro. Agora, há uma reação crescente no norte do continente, em meio a evidências cada vez mais fortes de que os empregadores estão aproveitando essas regras para contratar estrangeiros em vez de cidadãos locais por salários mais baixos.

O presidente francês, Emmanuel Macron, que prometeu proteger seus compatriotas da “competição injusta” do leste, está focando ostensivamente a atenção nesses trabalhadores deslocados.

A atuação de Macron se deve às pressões políticas que países com salários mais altos como a França, a Áustria e a Holanda enfrentam para evitar o que chamam de “dumping social”, uma prática generalizada em que as companhias buscam trabalhadores de países membros da União Europeia que possuem salários mais baixos e os deslocam para os que pagam mais. A prática aumenta as margens de lucro, mas frequentemente explora os empregados, mantendo seus salários baixos e com poucas proteções sociais.

A ansiedade sobre o número cada vez maior de trabalhadores estrangeiros, especialmente do leste europeu, que são deslocados para vagas na agricultura, na construção e em outros setores que precisam de muita mão-de-obra, foi um dos principais fatores para que a Grã-Bretanha escolhesse deixar a União Europeia no ano passado.

Os políticos conhecem muito bem essa questão, incluindo Macron, cuja taxa de aprovação caiu repentinamente em seus primeiros meses de mandato. Em uma entrevista para vários jornais europeus em junho, o líder francês exortou a Europa Oriental a não tratar o bloco como um “supermercado”, e advertiu que os governos deveriam enfrentar as consequências se causassem prejuízo aos valores regionais.

“Vocês acham que eu consigo explicar aos franceses que os negócios estão fechando na França para se mudar para a Polônia enquanto as empresas de construção francesas recrutam trabalhadores poloneses porque são mais baratos? Esse sistema não funciona direito”, disse ele durante a entrevista.

Mas a acusação enfureceu os líderes da Polônia, da Hungria e da República Checa, aumentando a fenda criada com os países de leste europeu durante a crise dos refugiados no continente, quando os dois lados entraram em confronto sobre os planos de distribuir por toda a região aqueles que estavam buscando asilo.

Eles acusam Macron de protecionismo e questionam por que a França e seus vizinhos não criticam os empregadores que abusam do sistema.

Argumentam que seus países, que entraram no bloco em 2004, durante a maior expansão da União Europeia, deveriam ter permissão para competir com salários mais baixos para aumentar seu crescimento e recuperar o atraso. Quando a Polônia e outros nove países da Europa Central e do Leste se juntaram à UE, vários membros mais antigos inicialmente restringiram o acesso a seus mercados de trabalho.

Em 23 de agosto, Macron começou uma visita de três dias a países do centro e do leste da Europa para tentar suavizar as tensões, dizendo que queria pressionar por novas regras para combate à fraude e limitar a um ano o tempo de trabalho que um empregado poderia ser deslocado para outro país do bloco. Seu itinerário nesses três dias incluiu paradas na Áustria, onde também iria se encontrar com os primeiros-ministros da Eslováquia e da República Checa, na Romênia e na Bulgária.

“Acredito profundamenteque chegou a hora da reconstrução europeia”, disse Macron.

“O princípio do deslocamento dos trabalhadores, da maneira como está sendo feito, é uma traição do espírito europeu”, afirmou, durante a coletiva de imprensa que deu com o chanceler Christian Kern, em Salzburgo, na Áustria.

Apesar de os trabalhadores deslocados serem menos de um por cento da força de trabalho da Europa, os líderes do bloco do leste prometeram lutar contra qualquer esforço de restringir os direitos de seus cidadãos de trabalhar em toda a região.

O Parlamento Europeu descobriu várias práticas questionáveis usadas pelas empresas para recrutar mão-de-obra mais barata, entre elas a criação de endereços falsos em Estados-membros de custo mais baixo, e o deslocamento dos trabalhadores por vários países para evitar os custos cada vez mais altos que o trabalho permanente acarreta. Outras empresas forçam os funcionários a declarar que trabalham por conta própria para que elas possam evitar o pagamento de contribuições do seguro social.

A prática pode facilmente chegar à exploração quando os trabalhadores deslocados não têm as proteções sociais que são dadas aos locais. O país anfitrião também perde receitas fiscais e depósitos de seguro social para as nações da Europa do Leste, onde estão as bases das folhas de pagamento desses trabalhadores.

A questão tem implicações políticas na Europa há muito tempo, mas provocou novas reações durante a campanha presidencial francesa, quando Macron e sua oponente da ultradireita, Marine Le Pen, citaram a movimentação livre de mão-de-obra barata como uma fonte de desemprego e de concorrência desleal.

Um famoso caso de abuso de trabalhadores em março também aumentou o escrutínio sobre o assunto.

A Bouygues Travaux Publics, uma das maiores construtoras da França, foi multada em cerca de 30.000 euros, ou 35.000 dólares, depois que investigações demoradas do governo descobriram que ela usava agências de emprego exploradoras e que pagavam salários baixos para contratar centenas de trabalhadores polacos e romenos.

Os trabalhadores, que foram recrutados para ajudar a construir uma usina nuclear da Électricité de France (EDF) em Flamanville, na costa noroeste do país, receberam pouca ou nenhuma cobertura de saúde de 2009 a 2011, quando a instalação estava sendo construída. As agências de emprego também foram acusadas de fraudar o Estado francês em contribuições do seguro social que somam quase 12 milhões de euros.

No ano passado, a Comissão Europeia propôs reformar o sistema para exigir que os trabalhadores deslocados fossem pagos da mesma maneira que os locais e que todos as transferência ocorressem “dentro do clima de competição justa e respeito pelo direito dos trabalhadores”, mas os países da Europa central e do leste não aceitaram as propostas e pediram a Bruxelas uma nova revisão.

Alguns estão resolvendo a questão sozinhos.

Recentemente, a Áustria reforçou as medidas para impedir as empresas domésticas de empregar funcionários europeus baratos. Em agosto, o governo multou o grupo de engenharia austríaco Andritz em 22 milhões de euros por usar um empreiteiro da Croácia para contratar cerca de 200 trabalhadores do país para um projeto de sete milhões de euros, citando uma violação das leis nacionais de trabalho justo.

Um grupo industrial austríaco apelou, dizendo que a repressão do governo violava as regras da União Europeia, dificultando o empreendedorismo e prejudicando empregos na Áustria.

Na Espanha, a União Nacional de Associações de Transporte avisou que o dumping social é o problema mais sério que o setor enfrenta. O grupo calcula que metade de todos os motoristas de caminhão que entram e saem do país são do leste europeu, onde os salários, em comparação, são até oito vezes menores.

Muitos dos caminhoneiros são contratados por empresas espanholas que montam uma sede na Polônia ou em outro país do leste. As companhias pagam os impostos e as taxas de seguro social do país mais barato, evitando os valores mais altos da Espanha.

É esse tipo de prática que Macron quer limitar.

“Uma Europa que protege é uma Europa capaz de resolver a questão dos trabalhadores deslocados”, disse o presidente francês.

Liz Alderman | © 2017 New York Times News Service

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