O aiatolá Ali Khamenei havia divulgado uma mensagem desafiadora em vídeo na semana passada, em sua segunda declaração pública após o bombardeio dos Estados Unidos às instalações nucleares iranianas (AFP)
Agência de notícias
Publicado em 6 de julho de 2025 às 10h52.
O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, apareceu publicamente na noite de sábado pela primeira vez desde o início da guerra de 12 dias com Israel no mês passado, informaram a mídia estatal iraniana e seu site oficial. A aparição aconteceu um dia antes do início da Cúpula do Brics, bloco econômico do qual o Irã, faz parte. Realizado no Rio, o evento foi marcado neste domingo por um protesto da StandWithUs, organização de defesa da causa israelense, contra o governo iraniano.
Ele havia divulgado uma mensagem desafiadora em vídeo na semana passada, em sua segunda declaração pública após o bombardeio dos Estados Unidos às instalações nucleares iranianas. Mas sua longa ausência da vida pública foi sem precedentes durante seus três décadas no poder e alimentou especulações sobre sua saúde e ameaças à sua vida.
Após semanas se refugiando em um bunker, Khamenei participou na noite de sábado de uma cerimônia religiosa xiita anual para Ashura, que marca o aniversário do martírio do imã Hussein, o ritual religioso mais sagrado do islamismo xiita. O ato foi realizado na mesquita do imã Khomeini, no centro de Teerã, segundo a TV estatal.
Os participantes pareciam surpresos. Quando Khamenei, que está no poder desde 1989, entrou, vestindo uma túnica clerical preta e seu keffiyeh xadrez, a multidão de centenas de homens e mulheres se levantou, brandindo os punhos no ar e gritando “Heydar, Heydar”, um grito de guerra xiita.
— O sangue em nossas veias para o nosso líder! — continuaram.
Khamenei acenou e sentou-se ao lado do palco, mostraram vídeos na televisão estatal. Ele não se dirigiu à multidão, que incluía o vice-presidente, o ministro da Justiça e o presidente do Parlamento, sentados no chão. Khamenei era a única pessoa sentada em uma cadeira.
Em suas breves mensagens em vídeo ao público, após os Estados Unidos bombardearem as instalações nucleares do Irã e após a entrada em vigor do cessar-fogo com Israel, Khamenei parecia fraco, lutando para terminar as frases com uma voz rouca.
Em suas declarações, ele proclamou a vitória do Irã, embora o país e seus aliados tenham sido gravemente enfraquecidos por mais de um ano de conflito com Israel. No entanto, sua aparição na véspera do Ashura — quando se comemora a morte do neto do profeta Maomé, Hussein, no ano 680 — sugeriu uma mensagem de desafio e uma volta à normalidade no país. Não ficou claro se Khamenei havia retornado permanentemente à sua residência ou se voltaria ao bunker.
— A aparição de Khamenei na cerimônia religiosa de Ashura esta noite, após semanas de ausência dos olhos do público, sem dúvida energizará sua base — avaliou Omid Memarian, especialista em Irã da Dawn, uma organização com sede em Washington focada na política externa dos EUA. — Isso também permitirá que o regime promova sua narrativa de que nem Washington nem Tel Aviv foram capazes de desmantelar o governo da República Islâmica.
O domingo marca o fim de um período de luto de 10 dias que culmina em Ashura, um período considerado uma grande celebração da identidade xiita no Irã, Líbano, Afeganistão e outros lugares. O líder supremo tem realizado rituais noturnos de luto em sua residência para apoiadores e altos funcionários desde 1979, quando a Revolução Islâmica derrubou a monarquia.
Os apoiadores de Khamenei se alegraram ao saber da notícia de sua aparição na noite de sábado. Mostafa Tirgar, analista político em Teerã, disse em uma entrevista que estava participando de uma cerimônia de Ashura no bairro na noite de sábado quando alguém gritou: “o líder supremo chegou”.
— Todos ligaram seus telefones imediatamente e começaram a cantar [Deus é grande e a agradecer a Deus] — disse ele. — Toda a atmosfera mudou, no meio do luto estávamos sorrindo e rindo. Senti como se alguém tivesse anunciado a vitória na guerra.
Em todo o Irã, este ano, as cerimônias foram dominadas por uma onda de nacionalismo que eclodiu em resposta aos ataques militares de Israel. Canções patrióticas — incluindo “Ey Iran”, um hino da era do xá e recitado por iranianos em todo o mundo — substituíram as baladas religiosas islâmicas e muitos iranianos seculares, mesmo mulheres sem hijab, participaram das cerimônias, como mostraram vídeos nas redes sociais. Em Yazd e Teerã, vídeos mostraram milhares de homens vestindo trajes pretos, batendo ritmicamente no peito e cantando em uníssono: “Irã, Irã”.
Um funcionário iraniano e ex-ministro disse que o comitê que organiza os eventos religiosos de 10 dias em seu bairro decidiu permitir que todas as mulheres e meninas sem hijab participassem e até mesmo se voluntariassem, ao lado dos homens — sem sequer fazer um pedido verbal para cobrir seus cabelos —, com o objetivo de preservar os sentimentos de unidade e nacionalismo após a guerra.
Na noite de sábado, Khamenei acenou para Haj Mahmoud Karimi, um conhecido maddah, ou vocalista religioso, que normalmente canta em eventos religiosos oficiais, para que se aproximasse dele, mostraram vídeos na televisão estatal. Ele sussurrou algo para Karimi, que voltou ao microfone declarando que o líder supremo havia solicitado que ele fizesse sua própria interpretação de “Ey Irã”. Khamenei bateu no peito e a multidão cantou junto.
A StandWithUs Brasil organizou um manifesto neste domingo para "lembrar a sistemática perseguição de minorias perpetrada pelo regime iraniano", afirmou em nota. No dia em que começa a Cúpula do Brics no Rio, a organização instalou mil bandeiras do orgulho LGBTQIAPN+ e dez forcas na praia de Ipanema, na altura da rua Farme de Amoedo, tradicional ponto de encontro dessa comunidade na capital fluminense.
O Irã, recentemente admitido no Brics, "tem por política de Estado o assassinato público de gays — é crime o relacionamento entre dois homens no país", disse a StandWithUs Brasil em nota.
"Essa é uma lembrança de que o Irã é contra a liberdade, não só de gays, mas também de mulheres, cristãos e outras minorias", afirmou. "O Irã não pode ser amigo do Brasil."