Explosão deixou Beirute, capital do Líbano, com cenas de guerra: 158 pessoas morreram (Mohamed Azakir/Reuters)
AFP
Publicado em 9 de agosto de 2020 às 10h22.
Última atualização em 9 de agosto de 2020 às 11h00.
Novas manifestações são esperadas neste domingo (9) no Líbano, um dia após uma enorme mobilização marcada por ataques a ministérios lançados por manifestantes irritados contra uma classe dominante acusada de negligência após as explosões devastadoras em Beirute.
Diante da magnitude da tragédia e da indignação da população que exige a saída de todo o governo, a ministra da Informação, Manal Abdel Samad, anunciou sua renúncia, a primeira de uma autoridade governante.
Para ajudar o país, a França organizou uma conferência internacional por videoconferência neste domingo à tarde, três dias após a visita do presidente Emmanuel Macron a Beirute.
A tragédia foi causada na terça-feira por 2.750 toneladas de nitrato de amônio armazenadas por seis anos no porto de Beirute "sem medidas de precaução", segundo admitiu o próprio primeiro-ministro Hassan Diab.
A deflagração provocou uma cratera de 43 metros de profundidade, de acordo com uma fonte de segurança.
Enquanto cerca de 20 pessoas ainda estão desaparecidas, as buscas continuam nas ruínas do porto devastado, mesmo que as chances de encontrá-las estejam diminuindo. De acordo com o último balanço oficial, 158 pessoas morreram e 6.000 ficaram feridas na tragédia.
Em um Líbano já atingido por uma crise econômica sem precedentes agravada pela pandemia de COVID-19, a raiva aumenta entre a população.
Bairros inteiros da capital foram devastados pelas explosões e centenas de milhares de libaneses ficaram desabrigados.
Esta tragédia, que ilustra a incapacidade do poder, deu fôlego novo à contestação sem precedentes lançada no final de 2019.
Neste domingo, nas redes sociais, novos protestos eram convocados à tarde na Praça dos Mártires, no coração de Beirute.
"Preparem as forcas, porque nossa raiva não será extinta da noite para o dia", diziam postagens online.
Desemprego, serviços públicos decadentes, condições de vida difíceis: uma revolta estourou em 17 de outubro de 2019 para exigir a saída de toda a classe política, quase inalterada por décadas. Mas a crise econômica se agravou e um novo governo instituído foi contestado. E o movimento perdeu força, especialmente com o novo coronavírus.
No sábado, os manifestantes invadiram brevemente os ministérios das Relações Exteriores, da Economia e da Energia, bem como a Associação de Bancos, sinalizando um endurecimento da contestação.
Milhares de libaneses se reuniram na Praça dos Mártires, brandindo vassouras e pás, em um momento em que a própria população realiza as operações de limpeza, sem que o governo tenha tomado medidas.
Os manifestantes também montaram forcas improvisadas, exigindo que os líderes fossem enforcados.
Grupos de manifestantes tentaram furar as barreiras de segurança protegendo o Parlamento. As forças de segurança dispararam gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes, que atiraram pedras de volta.
Em um hotel da praça, um membro das forças de segurança morreu em uma queda fatal no sábado após ser atacado por "desordeiros", segundo a polícia.
Cerca de 65 feridos nos confrontos foram hospitalizados e 185 tratados no local, de acordo com a Cruz Vermelha Libanesa.
"Depois do enorme desastre em Beirute, eu apresento minha renúncia", disse Abdel Samad. "Peço desculpas aos libaneses, não conseguimos atender às suas expectativas".
"Não basta a demissão de um deputado aqui, de um ministro acolá", lançou, durante seu sermão, o patriarca maronita Béchara Raï, que goza de importante influência.
É necessário, "pela sua gravíssima responsabilidade, a renúncia de todo o governo (...)" e eleições antecipadas, declarou, evocando um "crime contra a Humanidade".
No sábado, Diab anunciou que proporá eleições legislativas antecipadas e disse que permaneceria no poder "por dois meses", enquanto as forças políticas se entendem em um país onde o poderoso movimento armado pró-iraniano Hezbollah domina a vida política.
A ajuda internacional continua chegando ao Líbano. A França montou uma "ponte aérea e marítima" para entregar mais de 18 toneladas de ajuda médica e quase 700 toneladas de ajuda alimentar.
Uma videoconferência de doadores está programada para 12h00 GMT (9h00 de Brasília), co-organizada pela França e pela ONU.
A opinião pública libanesa não confia no governo, e Macron enfatizou que a ajuda internacional iria diretamente para as populações e ONGs.
Apelando aos líderes libaneses por uma "mudança profunda", ele advertiu que não poderia "dar cheques em branco para sistemas que não têm mais a confiança de seu povo."