Mulher: idade legal para o casamento é de apenas 10 anos no país e não há lei criminalizando o estupro marital (Beest/Thinkstock)
Gabriela Ruic
Publicado em 11 de maio de 2018 às 09h53.
Última atualização em 11 de maio de 2018 às 10h09.
São Paulo – Uma jovem chamada Noura Hussein, 19 anos, foi condenada à morte por enforcamento na cidade de Omdumran, uma das maiores do Sudão e vizinha da capital Cartum, após esfaquear fatalmente seu marido ao ser estuprada.
O episódio aconteceu em maio do ano passado, mas o julgamento foi finalizado nesta semana e ganhou notoriedade mundo afora pelas redes sociais (hashtag #JusticeforNoura).
It has been reported that Noura has been sentenced to death.
Her legal team now has 15 days to file an appeal to that sentencing.
The work is not over. #JusticeForNoura
— Munchkin (@BSonblast) May 10, 2018
No Sudão, a idade legal para o casamento é de 10 anos e não há leis que criminalizem a violência sexual entre pessoas casadas.
Segundo advogado de Noura, que foi entrevistado pela rede de notícias CNN, a jovem está em choque com a decisão, que veio após a família de seu marido se recusar a perdoá-la e rejeitar uma compensação financeira. Pediram, especificamente, que ela fosse executada.
https://twitter.com/sodfadaaji/status/994530925139591169
Agora, organizações de direitos humanos e seus advogados iniciam uma batalha contra o tempo, já que tem um prazo de 15 dias para entrar com um recurso contra a decisão do tribunal. Em sua defesa, reforçaram o fato de que ela foi forçada a se casar aos 15 anos por seu pai, que assinou um contrato com o noivo, e alegam que sua ação foi legítima defesa.
Além do recurso, outra estratégia adotada pelas entidades é a de chamar a atenção do presidente sudanês, Omar al-Bashir, e pedir clemência. Além disso, campanhas online foram lançadas por sua absolvição na plataforma Change.org. “Noura é uma vítima e precisa ser tratada como tal”, notou Yasmeen Hassan, diretora global da Equality Now.
Yasmeen lembra que a decisão da Corte viola a constituição sudanesa. “Ela foi submetida a abusos psicológicos e físicos por sua família e marido, violações dos Artigos 14 e 15 da constituição do país”, afirma a ativista. Estes dispositivos tratam do abuso moral e físico e proíbem o casamento “sem o consentimento total das partes”, respectivamente.
“A pena de morte é a crueldade máxima, uma punição degradante. E aplicá-la em uma vítima de estupro apenas evidencia as falhas das autoridades do Sudão em reconhecer a violência a qual ela foi submetida”, disse Seif Magango, diretora da Anistia Internacional para a região africana. “Ela é uma vítima e essa sentença é um ato intolerável”, continuou.
Noura sonhava em ser professora e era adolescente quando foi forçada a se casar pela sua família. A jovem então fugiu de casa e passou a viver com parentes em outra cidade. Alegando que o casamento havia sido cancelado, seu pai a atraiu de volta em abril do ano passado. Os preparativos para a cerimônia já estavam em andamento.
Ela se recusou a consumar o casamento, mas sua vontade foi em vão: com a ajuda de seus irmãos e primos, que a paralisaram, Abdulrahman, o marido, a estuprou. No dia seguinte, tentou violentá-la novamente e, enquanto Noura lutava para se libertar, o esfaqueou. Ele morreu em decorrência dos ferimentos e ela foi presa logo em seguida, entregue às autoridades pela sua própria família.
O país africano, cujo IDH é baixíssimo e o coloca entre os piores lugares do mundo para se viver (171º lugar em um ranking de 183 países), também registra índices dramáticos de igualdade de gênero, ocupando a 129º posição no ranking que mede esses avanços da Organização das Nações Unidas e que avalia 148 países.
O país não é signatário da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, tratado internacional firmado entre 189 países em 1979, e a entidade classifica a violência contra a mulher como “prevalente” em todo o território sudanês.
Ainda de acordo com ativistas, casos extremos de agressões de todas as sortes contra mulheres são comuns no Sudão, mas esperam que os holofotes trazidos pelo caso de Noura iluminem ainda mais o diálogo na sociedade. “O sofrimento das mulheres sudanesas está acontecendo a todo o momento”, lembra Nahid Gabralla, ativista ouvida pela CNN que trabalha em uma organização do Sudão de proteção às vítimas deste tipo de violência.