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Japão, o país sem greves nem manifestações

Já se passou muito tempo desde que, em 1946, um milhão de pessoas saíram às ruas de um devastado Japão, convocadas pelo Partido Comunista japonês


	Pedestres em Tóquio: "Atualmente, para os jovens de entre 20 e 30 anos, as greves e as manifestações fazem parte da história", disse especialista em direito do trabalho
 (Toru Hanai/Reuters)

Pedestres em Tóquio: "Atualmente, para os jovens de entre 20 e 30 anos, as greves e as manifestações fazem parte da história", disse especialista em direito do trabalho (Toru Hanai/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de fevereiro de 2014 às 17h21.

Há anos, o Japão é o país com "zero greve", "zero manifestação", mas nem por isso é o paraíso de empresários e empregados.

Hajime, um diretor de 58 anos, busca em sua memória. "Alguma vez fiz greve? Ah sim, há cerca de 30 anos, foi a primeira e a última vez", disse rindo.

Já se passou muito tempo desde que, em 1946, um milhão de pessoas saíram às ruas de um devastado Japão, 250 mil delas em Tóquio, convocadas pelo Partido Comunista japonês. Nessa ocasião, a metade dos trabalhadores estava afiliada a algum sindicato. Agora não chega a 17,7%.

Segundo Minagawa Hiroyuki, especialista em direito do trabalho, em 1974 foram registradas 5.200 greves de mais de metade do dia, com adesão de 3,6 milhões de pessoas, mas em 2010 só houve 38 com 2.480 grevistas.

"Atualmente, para os jovens de entre 20 e 30 anos, as greves e as manifestações fazem parte da história", disse Hajime.

Anan, uma estudante de economia de 21 anos, não se imagina nem sequer se manifestando nas ruas. "Todo mundo aqui pertence à classe média e todo mundo pode encontrar trabalho nas empresas médias. Não há motivos para protestar", explica à AFP.

A taxa de desemprego é de 4%, embora não inclua as pessoas que só trabalham em tempo parcial.

"O fato de que praticamente não haja greves tem a ver com a herança da economia planificada da época da guerra. O importante então não era a classe [social], mas sim a sobrevivência da nação: os funcionários tinham que sacrificar seus interesses de classe e atuar como trabalhadores patriotas pelo bem da empresa e do país. É uma ideia muito poderosa", explica à AFP, Koichi Nakano, professor de ciências políticas da Universidade de Sofia de Tóquio.


Uma forma de resignação

Hideshi Nitta, responsável pelas relações sindicais no patronato japonês, o Keidanren, não o desmente. "Depois de 1960", explica à AFP, "a empresa se transformou em um barco com passageiros". Ou seja, se a empresa afundar, todo mundo afunda.

Era a época dos anos de "alto crescimento" que transformaram o Japão na segunda potência econômica mundial.

A geração de Anan só conheceu um Japão envelhecido, esgotado economicamente e mergulhado na deflação durante vinte anos, com um aumento da precariedade e da pobreza.

O Japão das "décadas perdidas" descobriu uma nova categoria de trabalhadores, os "freeters", um acrônimo de "free arbeiter", uma mistura de inglês e alemão para indicar os trabalhadores com pequenos empregos mal pagos.

Está claro que o clima é menos propício para as forças sociais.

"De fato", prossegue Koichi Nakano "a greve nunca foi muito popular. Estamos na cooptação mais que na confrontação. Assim, cada grande empresa tem seu próprio sindicato e esses trabalham estritamente com os empresários, uma autêntica colaboração de classe".

Surpreende o contraste com a vizinha Coreia do Sul, onde, em dezembro, os trabalhadores da empresa nacional de ferrovias ficaram três semanas em greve e 20.000 pessoas se manifestaram no centro de Seul vigiados por 13.000 policiais.

Em Tóquio, quando muito, podem ser vistas algumas dezenas de pessoas.

Kochi Nakano fala em resignação. "Em vez de reivindicar, de tentar mudar a sociedade, as pessoas são autocríticas: não frequentei uma boa escola, não sou suficientemente inteligente, etc. Não leva a nenhum lugar", afirma.


"Talvez o momento de mudar"

Pelos olhos de um estrangeiro, há muitas coisas a reivindicar. Segundo os últimos dados oficiais, 36% dos trabalhadores japoneses têm empregos irregulares, 20% dos homens empregados têm contratos temporários.

Em 2009, a taxa de pobreza já se elevava a 16%, com pessoas com receitas que não superavam 100.000 ienes mensais para uma pessoa sozinha (715 euros).

O principal sindicato do país (Rengo) acaba de reivindicar aumentos salariais. Pela primeira vez em seis anos, a patronal o aceitou timidamente. Mas segundo uma pesquisa, só 16% das empresas pensam em aplicá-lo em 2014.

Em abril, haverá uma alta de 3% do imposto sobre o consumo, o equivalente ao IVA e o governo espera uma inflação de 2%.

"Durante muito tempo, o Rengo aplicou uma estratégia interna (cooperação) e não externa como na Coreia (manifestações, greves). Talvez seja o momento de mudar já que a situação é cada vez mais precária", disse à AFP, Yoji Tatsui, responsável por pesquisas no Rengo.

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