Mundo

Japão monta prédios inspirados em Lego

Construir cidades como quem brinca com jogos de blocos. Eis a proposta do metabolismo, movimento de arquitetura no Japão

Nakagin Capsule Tower Building, ícone do movimento, é o primeiro modelo de quarto em formato cápsula, hoje tão comum entre os hotéis japoneses ( Wikimedia Commons)

Nakagin Capsule Tower Building, ícone do movimento, é o primeiro modelo de quarto em formato cápsula, hoje tão comum entre os hotéis japoneses ( Wikimedia Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 14 de dezembro de 2011 às 19h49.

São Paulo - Imagine um prédio sem uma forma fixa, uma estrutura capaz de se adaptar às necessidades dos moradores. A quantidade de apartamentos, por exemplo, seguiria o número de famílias dispostas a viver no endereço em cada período. A ideia, que bem pode ser comparada a um desses jogos de blocos do tipo Lego, em que partes são tiradas e acrescentadas conforme o desejo do dono, foi colocada em prática em 1972 com o Nakagin Capsule Tower Building.

Construído no bairro de Shimbashi, em Tóquio, o edifício, projetado pelo arquiteto japonês Kisho Kurokawa (1934-2007) para ser um misto de torre residencial e escritório, acabou virando o símbolo do principal movimento arquitetônico do Japão. Formalizado na década de 1960, o metabolismo sintetiza um dos lemas da arquitetura japonesa. Até hoje.

Basta uma volta rápida pela capital do país. Se na Europa impera uma cultura voltada para a preservação dos prédios, em Tóquio raros são os conjuntos ditos históricos. O pensamento dominante entre os especialistas é o de que a cidade deve mudar no mesmo ritmo da vida orgânica (daí o nome do grupo japonês), o que faz todo o sentido para a nação oriental. Vítima de constantes desastres naturais – o último foi o tsunami em Fukushima, em março deste ano – e de guerras – o efeito das bombas nucleares jogadas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, ainda falam alto por lá –, o Japão aprendeu a crescer sob o constante espírito de reconstrução.

Uma mostra, com o título de Metabolism, The City of the Future (Metabolismo, A Cidade do Futuro), fica em cartaz no Mori Art Museum, em Tóquio, até o dia 15 de janeiro de 2012, com mais de 500 peças, entre maquetes, fotos e vídeos de obras metabolistas japonesas desenvolvidas desde os anos 60. Um filme inédito com gráficos em computador revela ainda em 3D como funcionariam projetos que nunca chegaram a sair do papel.

Hotéis-cápsulas

Grosso modo, o metabolismo defendia uma cidade toda estruturada por arranha-céus, conectados entre si por passarelas. Tudo estaria de alguma forma ligado em uma espécie de imensa e única obra. Como todo movimento visionário demais, muitas das ideias de seus fundadores, entre eles os arquitetos Kenzo Tange (1913-2005) e Arata Isozaki, o designer gráfico Kiyoshi Awazu (1929-2009) e o crítico Noboru Kawazoe, não foram para a frente.


Mas a escola metabolista continua a exercer uma influência bastante significativa sobre os nomes mais estrelados da arquitetura japonesa atual, caso de Tadao Ando, Toyo Ito e Kengo Kuma. Muitos especialistas explicam essa popularidade com a forma como os japoneses sempre conseguiram aliar o eterno apreço pela novidade com as regras da tradição.

Muitos projetos metabolistas revelam mesmo traços que remetem aos templos budistas, por exemplo. Outros defendem, no entanto, que o metabolismo continua em alta por ter identificado lá atrás o problema que as metrópoles enfrentariam caso continuassem crescendo de forma desordenada: “Usando a analogia metabolista, a doença das cidades verificada nos anos 60 tomou força e se espalhou como uma metástase”, diz o arquiteto brasileiro Fausto Natsui. “Na minha opinião, o que resta desse pensamento, que na prática não teve muito êxito, é a verificação do crescimento dos mesmos problemas urbanos daquela época.”

Mas muitas referências da arquitetura moderna nasceram com o grupo japonês. O próprio Nakagin Capsule Tower Building, ícone do movimento, é o primeiro modelo de quarto em formato cápsula, hoje tão comum entre os hotéis japoneses para hóspedes que precisam de um lugar para passar somente uma noite. As casas pré-fabricadas também surgiram com eles. Aqui, no Brasil, há pelo menos um exemplo típico de projeto metabolista, como escreveu o arquiteto Carlos Moreira Teixeira, no site Vitruvius: o hotel Ariaú Amazon Towers, em plena selva amazônica, a 60 km de Manaus, desenhado pelo ambientalista francês Jean-Michel Cousteau. No mês passado, no entanto, o hotel foi citado na mídia por outro motivo: o Tribunal Superior do Trabalho condenou-o a pagar uma indenização de 300 mil reais a um grupo de 34 índios que trabalhavam havia cinco anos em condições consideradas próximas à do “trabalho escravo”.

Distribuído em torres, o endereço está em constante desenvolvimento, de acordo com a demanda de clientes. Em 1986, quando foi inaugurado, eram oito o número de quartos, hoje são 164. Os visitantes jamais entram em contato com o chão. Passam de uma torre a outra por meio de passarelas de dois ou três níveis. Claro que a aparência do hotel brasileiro em nada lembra o verniz futurista dos projetos japoneses, mas o que vale é o princípio.

“O metabolismo defende não só a constante mutação da metrópole, mas também uma postura diferente do arquiteto. Em vez de pensar em um só prédio, ele deve criar uma cidade inteira”, diz a curadora-chefe do Mori Art Museum, Mami Kataoka. E, de preferência, uma cidade capaz de ir se moldando a cada dia. Como um Lego.

Acompanhe tudo sobre:ArquiteturaÁsiaJapãoPaíses ricos

Mais de Mundo

O que é o Projeto Manhattan, citado por Trump ao anunciar Musk

Donald Trump anuncia Elon Musk para departamento de eficiência

Trump nomeia apresentador da Fox News como secretário de defesa

Milei conversa com Trump pela 1ª vez após eleição nos EUA