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Itamar Franco era polêmico, mas não cedeu à corrupção

O ex-presidente Itamar Franco, que morreu nesta manhã, tornou-se conhecido por atos como o relançamento do Fusca, mas ficou fora dos escândalos do governo Collor

Itamar Franco fez a alegria dos caricaturistas com seu topete (José Cruz / Agência Brasil)

Itamar Franco fez a alegria dos caricaturistas com seu topete (José Cruz / Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 2 de julho de 2011 às 12h56.

São Paulo -- O ex-presidente Itamar Franco, de 81 anos, morreu na manhã deste sábado, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ele foi hospitalizado em 21 de maio, quando os médicos diagnosticaram uma leucemia. A presidente Dilma Rousseff ofereceu o Palácio do Planalto para o velório, como é praxe no falecimento de ex-presidentes.

Devidamente adaptado, o verso de seu conterrâneo, o poeta Carlos Drummond de Andrade, poderia servir de epígrafe à carreira política de Itamar Franco: “Vai, Itamar! ser gauche na vida.” Desprovido de qualquer carisma, dono de um topete aborrascado, que fazia a alegria dos cartunistas, e um tanto ranzinza em sua mineirice simplória, ele parecia ser a pessoa errada no lugar errado quando assumiu a presidência da República, em 29 dezembro de 1992, na esteira de uma crise sem precedentes: o impeachment de Fernando Collor de Melo, de quem era vice.

Em 25 meses no poder, Itamar contribuiu de maneira inesquecível para o anedotário político, ou advogando o relançamento de um carro ultrapassado, o Fusca, ou se transformando no único chefe de estado do mundo fotografado em público ao lado de uma mulher sem calcinha. Mas, para retomar o poema de Drummond, o anjo que o protegia, mesmo que torto, era anjo. E fez com que, por justiça, seja preciso atribuir a esse improvável presidente viúvo e namorador muitos dos méritos da fundação do Brasil atual, de economia estável e democracia consolidada. Da coragem e da necessidade de suas decisões nasceram as bases para o sucesso de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma.

Governo de coalizão

Parte de um governo que desmoronou por causa da corrupção, Itamar Franco pôde cumprir o papel que a constituição lhe atribuía e assumir a presidência porque os escândalos da “república de Alagoas” jamais respingaram sobre ele. Empossado, conseguiu devolver à normalidade um país mergulhado na insegurança e ainda sobressaltado pela memória recente do regime militar, articulando um governo de coalizão com as principais forças partidárias. Itamar não transigiu nas questões éticas. Em 1993, demitiu seu amigo, braço-direito e ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, por causa de uma suspeita de corrupção na confecção do orçamento. Inocentado, Hargreaves foi reconduzido à pasta três meses depois. Essa lição nunca foi repetida.


Em 1995, ao deixar Brasília, dois dias depois da posse de Fernando Henrique, seu ministro da Fazenda, declarou-se satisfeito: “Combati o bom combate e guardei a minha fé. Cumprimos o nosso dever. Saio orgulhoso de ter tido uma transmissão que o país há muitos anos não assistia: fraterna, amiga e, sobretudo, democrática”. Desde a República Velha um presidente não elegia o sucessor.

O plano Real

Outro grande mérito de Itamar foi lançar o plano Real, em 27 de fevereiro de 1994. Não é a paternidade intelectual do plano, obviamente, que pode ser creditada a esse político que pouco entendia de economia. Mas foi ele quem insistiu para que Fernando Henrique Cardoso (que notoriamente preferia continuar no governo como chanceler) assumisse o ministério da Fazenda. Preenchida a pasta, Itamar deu ao seu titular autonomia para montar uma equipe e implementar as mudanças que poriam fim ao flagelo da inflação colossal.

Se "a habilidade executiva número um é escolher as pessoas certas e colocá-las nas posições certas", como diz o guru da liderança Jim Collins, Itamar agiu de forma impecável. E tinha razão em se mostrar magoado por não receber todo o crédito que, corretamente, julgava merecer. “Pensavam que o matuto aqui ia chegar fazendo bobagens. Achavam que a inflação ia disparar. Não é o que está acontecendo. O diabo não é tão feio quanto parece”, lembrou pouco antes de passar o governo a FHC, o ex-ministro que chegava à presidência surfando a onda de bonança do Real.

Mineiro por adoção

Itamar Franco nasceu em 28 de junho de 1930. Até sua mineirice era um pouco gauche: ele veio ao mundo a bordo de um navio de cabotagem que seguia do Rio de Janeiro para a Bahia, e foi registrado em Salvador. Formado em engenharia civil, tentou alçar voo na política aos 29 anos, mas não se elegeu vereador, pelo antigo PTB, em sua cidade, a mineira Juiz de Fora. Em 1962, tentou o cargo de vice-prefeito e perdeu de novo. Com o início da ditadura, a desistência da vida política não seria um demérito. Porém, foi aí que o Itamar mostrou quem poderia vir ser.


Filiado ao MDB, foi eleito prefeito de Juiz de Fora em 1968 e reeleito em 1972. O salto veio dois anos depois, quando renunciou para chegar ao Senado, na histórica vitória da oposição sobre a Arena, partido dos presidentes militares. Renovou o mandato em 1982, desta vez pelo PMDB, e foi um ardoroso defensor do derrotado movimento Diretas Já, que pregava a volta das eleições presidenciais. Nem seu temperamento, mais caprichoso que o recomendado para a política mineira, fez com que perdesse espaço. O falecido presidente Tancredo Neves, de quem foi aliado e adversário, dizia que Itamar conseguia guardar os ódios na geladeira.

Vice de Collor

Na primeira eleição direta para presidente, em 1989, deixou o Senado para compor, como vice, a chapa azarona de Fernando Collor de Mello (PRN). Vitorioso, Collor sequer completou três anos no governo. Em outubro de 1992, o impeachment do titular abriu as portas para que o vice assumisse o comando.

Em 1998, três anos após deixar a presidência, Itamar foi eleito governador de Minas Gerais. Concorreu ainda a uma vaga no Senado em 2006, mas só garantiu uma cadeira em 2010, pelo PPS. Enquanto Sarney, Collor, Lula e FHC se mantêm como figuras de proa no Senado ou em seus partidos, Itamar foi o mais discreto entre todos os ex-presidentes. Manteve esse comportamento até o final.

Ele foi internado em 21 de maio para tratamento quimioterápico da leucemia. O ex-presidente desenvolveu uma pneumonia durante a internação. Segundo boletim divulgado nesta sexta-feira pelo hospital, o senador estava sendo tratado com corticoesteróides em "altas doses". O boletim informava também que o tratamento surtiu efeito e exames apontavam "remissão completa" da leucemia. Ainda assim, ele não resistiu e sua morte foi anunciada na manhã deste sábado.

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