Manifestantes seguram uma faixa onde se lê "Boicotem Israel", durante um protesto a favor da Palestina (Dominique Faget/AFP)
Da Redação
Publicado em 19 de agosto de 2014 às 17h05.
Ramallah - Israelenses e palestinos se enfrentam com mísseis e foguetes na Faixa de Gaza; mas na Cisjordânia os dois lados combatem com uma outra arma: o boicote.
As vendas de produtos locais nunca foram tão altas na Cisjordânia ocupada, onde as mercadorias israelenses se acumulam nas prateleiras das lojas.
Em Israel, as lojas árabes estão desertas inclusive no sabbat, dia festivo para os judeus e quando os comerciantes árabes-israelenses prosperam.
A campanha BDS, em referência a "boicote, desinvestimento, sanções", foi lançada no exterior há vários anos, mas até pouco tempo ainda não havia chegado aos Territórios Palestinos.
"Com a guerra em Gaza, que deixou quase 2.000 mortos palestinos, a situação mudou", conta um dos membros fundadores do movimento nos Territórios, Omar Barghuti. "O boicote popular é quase inédito", diz.
Para mobilizar os palestinos foram feitos anúncios na televisão e convocações nas redes sociais e nas lojas da Cisjordânia. Vários ativistas colaram adesivos nos produtos israelenses com mensagens de "Boicote a Israel" ou "Para sua informação: ao comprar este produto, você entrega 16% do preço ao Exército israelense".
Leite palestino recupera cota de mercado
Boicotar os produtos israelenses também é uma forma de apoiar a economia palestina, prejudicada pelas restrições impostas pelo Estado hebreu, avalia Riad Hamed. "Devemos sensibilizar as pessoas sobre os danos que provocam à economia palestina quando compram produtos israelenses: desemprego elevado e economia devastada", explica.
O boicote a Israel já é sentido nas empresas palestinas, como a Pinar, uma fábrica de leite de Ramallah que teve que que reforçar sua equipe de funcionários e aumentar a jornada de trabalho para conseguir dar conta da maior demanda.
O diretor, Muntaser Bedarna, afirma que a produção cresceu entre 30 e 40%. Segundo ele, os produtores de leite palestinos atendem hoje entre 60 e 65% do mercado na Cisjordânia e em Gaza. "Antes do boicote, era Israel que controlava esses 60%", lembra o empresário.
Avi Nudelman, ex-chefe da Câmara de Comércio Israel-Palestina, considera que o boicote não terá efeito significativo na economia israelense. "Isto me lembra as convocações a boicotes durante a primeira Intifada. A ideia é muito romântica, mas levará muito tempo", considera. "O mercado palestino é uma parte muito pequena do mercado para Israel".
De acordo com o Instituto Israelense de Estatísticas, as exportações para a Autoridade Palestina representaram pouco mais de 6% do volume total de 12,9 bilhões de dólares no primeiro trimestre.
Bandeiras israelenses nos táxis
O outro lado da disputa não está inerte. O ministro israelense das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, multiplicou as declarações beligerantes e convocou seus compatriotas a boicotar as lojas árabes.
No mercado árabe de Haifa, na costa mediterrânea, o apelo de Lieberman parece ter sido ouvido. William Rahil, proprietário do restaurante Mama Pita, disse ter perdido "100%" de sua clientela judia.
Um pouco mais distante dali, Fawzi Hanadi conta em uma das muitas mesas vazias de seu café que perdeu aproximadamente "50% dos clientes" desde o início da guerra.
O boicote israelense também mobiliza os taxistas, que exibem bandeiras israelenses para indicar aos clientes que, se preferirem esses veículos, não estão dando seu dinheiro para um motorista árabe.
Para Basel Ghatas, deputado árabe no Parlamento israelense, este boicote é uma oportunidade para refletir sobre o peso econômico de 1,4 milhão de árabes-israelenses entre as 8 milhões de pessoas que vivem em Israel.
Os descendentes de palestinos que permaneceram em suas terras após a criação de Israel, em 1948, representam cerca de 20% da população e gastam "por ano 14 milhões de dólares", disse Ghatas.
"Precisamos pensar em formas de transformar a crise gerada pelo boicote em uma oportunidade para reativar a economia árabe", aponta.