Homens seguem em um triciclo pela estrada Salah al-Din, em Deir el-Balah, no centro da Faixa de Gaza, em 21 de julho de 2025, após ordens de evacuação do Exército de Israel (Eyad Baba / AFP)
Agência de notícias
Publicado em 21 de julho de 2025 às 13h16.
Israel lançou nesta segunda-feira, 21, uma nova ofensiva aérea e terrestre contra Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, atingindo um dos últimos centros de esforços humanitários ainda operacionais no território palestino.
O local é um dos poucos no enclave que ainda não tinha sido alvo de uma grande operação israelense desde o início da guerra, em outubro de 2023, o que fez não só com que a população buscasse abrigo na área, mas com que a ONU e outras agências humanitárias transferissem operações importantes para a região.
Segundo o Estado judeu, a cidade ainda não tinha sido fortemente atacada por suspeita de que reféns estariam sendo mantidos ali pelo Hamas. Após 21 meses de guerra, acredita-se que ao menos 20 dos 50 reféns restantes em Gaza ainda estejam vivos. Por isso mesmo, a ordem de evacuação, emitida por Israel no domingo, causou alarme entre os familiares dos sequestrados — e fez com que entre 50 mil a 80 mil pessoas precisassem abandonar as tendas improvisadas onde viviam.
“Com essa nova ordem, a área de Gaza sob deslocamento forçado ou militarização israelense chegou a 87,8%, comprimindo 2,1 milhões de civis em apenas 12% do território, onde os serviços essenciais já colapsaram”, afirmou o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) em comunicado, acrescentando que a medida limitará a capacidade de suas equipes humanitárias de se deslocarem com segurança e eficácia na região.
Ainda de acordo com o órgão, a cidade é um dos raros locais que mantém depósitos de alimentos, clínicas de saúde e uma planta de dessalinização vital para o abastecimento do sul de Gaza. A ONU alertou que “qualquer dano a essa infraestrutura terá consequências fatais”, enquanto Tom Fletcher, subsecretário das Nações Unidas para Assuntos Humanitários, anunciou que o chefe local do OCHA, Jonathan Whittal, decidiu permanecer em Deir al-Balah mesmo com os ataques.
Milhares de moradores que fugiram, segundo a BBC, partiram rumo à região costeira de al-Mawasi, perto de Khan Younis, uma das poucas zonas que ainda oferecem algum refúgio no sul do enclave. Há um temor crescente entre os residentes de que essa nova ofensiva militar faça parte de uma tentativa de abrir um novo corredor que isolaria Deir al-Balah do restante da região central de Gaza. Se confirmado, esse seria o terceiro eixo militar do tipo, após o estabelecimento das rotas israelenses pelos corredores de Netzarim, ao sul, e Morag, em Rafah.
A ONG britânica Medical Aid for Palestinians (MAP) afirmou que a situação em Gaza é “indescritível”. Mai Elawawda, responsável pela comunicação da entidade, relatou que o cenário em Deir al-Balah é “extremamente crítico”, com bombardeios ocorrendo ao redor do escritório da organização e “veículos militares a apenas 400 metros de nossos colegas e suas famílias, que passaram uma noite aterrorizante após se refugiarem ali”. Entre eles, disse, há o medo “tanto de ficar quanto de tentar sair”, já que muitos não sabem para onde ir.
A MAP acrescentou que escritórios e casas de apoio de várias organizações humanitárias receberam ordens de evacuação imediata. Nove clínicas, cinco abrigos e uma cozinha comunitária foram forçados a encerrar suas atividades, incluindo a importante usina de dessalinização de água e a Policlínica Solidária da própria MAP, que, segundo a organização, oferece cuidados essenciais, como fisioterapia e serviços de saúde mental, para cerca de 320 pacientes por dia.
“Esta mais recente ordem de deslocamento forçado é mais um ataque às operações humanitárias e uma tentativa deliberada de cortar os últimos fios que ainda sustentam o sistema de saúde e assistência em Gaza”, disse Steve Cutts, CEO da organização, em comunicado. “Com a sistemática perseguição de Israel a profissionais de saúde e ajuda humanitária, ninguém está seguro. Somos impedidos de realizar nosso trabalho [e] não conseguimos proteger nossas próprias equipes”.
A nova ofensiva ocorre após pelo menos 93 palestinos terem sido mortos por tropas israelenses ao tentarem se aproximar de um comboio de alimentos das Nações Unidas no domingo. De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), agência da ONU para alimentação, a maior parte dos mortos havia se reunido perto da cerca fronteiriça com Israel na esperança de receber farinha de um comboio humanitário quando foram alvo de disparos de tanques e atiradores israelenses.
"Essas pessoas estavam simplesmente tentando acessar comida para alimentar a si e suas famílias à beira da fome", disse Khalil al-Daqran, porta-voz do hospital al-Aqsa, em Deir al-Balah, à BBC.
No fim de junho, o jornal israelense Haaretz publicou relatos de soldados que disseram ter recebido ordens para atirar contra multidões desarmadas nas imediações de centros de distribuição de alimentos. A Fundação Humanitária para Gaza (GHF, na sigla em inglês), organização apoiada pelos EUA e por Israel que passou a coordenar as operações de distribuição de ajuda humanitária em maio, respondeu afirmando que os casos relatados não ocorreram dentro de seus centros e que a responsabilidade pelas áreas externas cabe ao Exército israelense.
Na época, o diretor interino da fundação, John Acree, afirmou que “as acusações publicadas pelo Haaretz são graves demais para serem ignoradas” e defendeu uma investigação independente. A entidade também afirmou que os dados divulgados pelo Ministério da Saúde de Gaza, ligado ao Hamas, “não são confiáveis”. O órgão, porém, é gerido por profissionais da saúde, e seus números são considerados os mais confiáveis por organizações internacionais, incluindo a ONU.
Especialistas alertam que mais de 1,5 milhão de pessoas na Faixa de Gaza — o equivalente a dois terços da população antes da guerra — correm risco de desnutrição severa ou fome até pelo menos outubro. Em um relatório recente, a IPC (Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar, na sigla em inglês), organismo especializado em segurança alimentar global, afirmou que “bens indispensáveis para a sobrevivência da população já se esgotaram ou devem acabar nas próximas semanas”.
A entrada de ajuda humanitária em Gaza é uma das exigências centrais do Hamas nas negociações indiretas com Israel por uma trégua de 60 dias na guerra. Na sexta-feira, o presidente americano, Donald Trump, disse que mais 10 reféns seriam libertados em breve, sugerindo que um acordo poderia estar próximo. A atual proposta de cessar-fogo inclui termos que exigem, além da devolução de 10 reféns, os restos mortais de outros 18. Em troca, Israel seria obrigado a libertar um número não especificado de palestinos detidos em prisões israelenses.
A guerra começou em 7 de outubro de 2023, após o ataque do Hamas a território israelense matar cerca de 1,2 mil pessoas, a maioria civis, e resultar no sequestro de 251 pessoas — das quais muitas já foram libertadas em acordos de cessar-fogo ou outras negociações. A resposta militar israelense já deixou mais de 58 mil mortos em Gaza, segundo o Ministério da Saúde local, que afirma que mulheres e crianças representam mais da metade das vítimas. (Com AFP)