Agência de notícias
Publicado em 27 de julho de 2025 às 08h47.
Em meio a crescente pressão internacional diante da crise humanitária na Faixa de Gaza, Israel anunciou neste domingo uma “pausa tática” diária de 10 horas em operações militares em três áreas densamente povoadas do território — Cidade de Gaza, Deir al-Balah e al-Mawasi — para permitir o aumento da entrada e da distribuição de ajuda humanitária. O Exército afirmou ainda que estabeleceu rotas seguras para a entrega de ajuda e realizou lançamentos aéreos com pacotes de farinha, açúcar e alimentos enlatados.
A medida foi anunciada após semanas de denúncias de agravamento da fome em Gaza. Segundo a ONU, pelo menos 128 pessoas, mais da metade delas crianças, já morreram de inanição.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) estima que 90 mil mulheres e crianças necessitam urgentemente de tratamento contra desnutrição, enquanto um em cada três habitantes do enclave passa dias sem se alimentar.
O anúncio também coincide com imagens que circularam nos últimos dias mostrando crianças em estado severo de desnutrição. Os registros provocaram uma onda de críticas, inclusive de aliados de Israel, e levaram a novos apelos para o fim da guerra e da crise humanitária que ela gerou. Ainda assim, o Estado judeu ressaltou que as novas medidas não interrompem a ofensiva militar em outras partes da Faixa de Gaza.
— Essa trégua humanitária não significará nada se não se transformar em uma oportunidade real de salvar vidas — disse o diretor-geral do Ministério da Saúde de Gaza, Muneer al-Boursh, pedindo o envio urgente de suprimentos médicos e alimentos para combater a desnutrição infantil. — Cada atraso é medido por mais um funeral.
A pausa limitada ocorre poucos dias após novas tentativas de cessar-fogo entre Israel e Hamas perderem força. Na sexta-feira, Israel e os Estados Unidos retiraram suas equipes de negociação e responsabilizaram o grupo palestino pelos entraves no diálogo, com Israel afirmando que considera “opções alternativas” às conversas. O governo israelense diz estar disposto a encerrar a guerra se o Hamas se render, depuser as armas e for para o exílio — condições que o grupo rejeita.
Após o fim do último cessar-fogo, em março, Israel bloqueou completamente a entrada de alimentos, medicamentos, combustível e outros suprimentos por dois meses e meio, alegando pressionar o Hamas a libertar reféns. Sob pressão internacional, o governo flexibilizou parcialmente o bloqueio em maio. Desde então, cerca de 4,5 mil caminhões entraram em Gaza para distribuição pela ONU e outras agências humanitárias. A média diária de 69 veículos, porém, está muito abaixo dos 500 a 600 que a ONU estima como necessários.
Em uma tentativa de reduzir o papel das Nações Unidas, Israel passou a apoiar a Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), registrada nos EUA, que abriu quatro centros de distribuição em maio. Nesse período, porém, o escritório de direitos humanos da ONU afirma que mais de mil palestinos foram mortos por forças israelenses enquanto tentavam buscar comida, a maioria perto desses locais. A ONU e diversas ONGs se recusam a cooperar com a GHF, alegando que a fundação serve sobretudo a interesses militares israelenses.
Israel rejeita as alegações de que haja fome em Gaza, contrariando alertas da ONU e de mais de 100 organizações de ajuda humanitária, e com frequência acusa o grupo terrorista Hamas de roubar cargas de alimentos e outros insumos, uma alegação questionada em reportagem do jornal New York Times: segundo a publicação, integrantes do governo afirmam que, até hoje, não foram encontradas evidências de que o grupo armado tenha desviado cargas de ajuda da ONU no enclave.
No sábado, as Forças Armadas de Israel anunciaram a retomada de lançamentos aéreos de ajuda a Gaza — uma medida considerada ineficaz pelas Nações Unidas, que pedem a normalização dos envios por terra de itens extremamente necessários à população local.
A operação, dizem as Forças Armadas, ocorre em coordenação com organizações de ajuda, e a decisão de lançar a ajuda foi tomada “de acordo com as diretrizes do escalão político e após uma avaliação situacional realizada”, para amenizar a situação em Gaza e “refutar a falsa alegação de fome deliberada na Faixa de Gaza”.
O resultado é a instauração de uma das mais graves crises humanitárias dos últimos anos, com a maior parte da população enfrentando falta severa de alimentos, e um crescente número de pessoas, incluindo crianças, morrendo de inanição. Na semana passada, a relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos, Francesca Albanese, afirmou que Israel estava deliberadamente deixando centenas de milhares de pessoas passarem fome.
“Hoje, um Estado (Israel) que deixa milhões de pessoas famintas/atira em crianças por esporte, protegido por democracias e ditaduras, é o novo abismo da crueldade. Como sobreviveremos a isso??”, escreveu Albanese no X.
Além dos envios aéreos, Israel anunciou que “corredores humanitários designados seriam estabelecidos para permitir a movimentação segura de comboios da ONU que entregam alimentos e medicamentos à população”, além de “pausas humanitárias em áreas densamente povoadas”. Em publicação na rede social X, a Chancelaria israelense afirmou que a primeira pausa ocorrerá neste domingo.
O texto ainda destina críticas à ONU, que, segundo o ministério, "falhou até agora em coletar e distribuir a grande quantidade de caminhões de ajuda que estão armazenados em áreas designadas dentro da Faixa de Gaza", e diz rejeitar "falsas acusações de propaganda de 'fome' iniciada pelo Hamas, que manipula imagens de crianças sofrendo de doenças terminais".
O Exército, contudo, diz que suas forças “continuarão a operar para desmantelar a infraestrutura terrorista e eliminar terroristas nas áreas de atividade”. Por fim, os militares anunciaram que uma usina de dessalinização no sul de Gaza receberá energia vinda do território israelense para ampliar sua capacidade de fornecimento de água.
Horas antes, o governo do Reino Unido anunciou que estava planejando lançar cargas de ajuda, por via aérea, a Gaza. Na mesma linha, as autoridades dos Emirados Árabes Unidos confirmaram que os envios aéreos de ajuda seriam retomados imediatamente. Mas o chefe da agência da ONU para os refugiados palestinos sugeriu que as ações seriam ineficazes.
“É uma distração e uma cortina de fumaça. Uma fome provocada pelo homem só pode ser enfrentada com vontade política. Levante o cerco, abra os portões e garanta movimentos seguros e acesso digno às pessoas necessitadas”, escreveu Philippe Lazzarini, chefe da Unrwa, no X. “Na Unrwa, temos o equivalente a 6.000 caminhões na Jordânia e no Egito aguardando sinal verde para entrar em Gaza. Transportar ajuda por terra é muito mais fácil, eficaz, rápido, barato e seguro. É mais digno para o povo de Gaza.”