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Islândia, a desafiadora da Europa

Hannes Halldórsson é o goleiro; Kolbeinn Sigthórsson, o artilheiro — não confunda com Gylfi Sigurdsson, o craque — e Aron Gunnarsson, o barbudo, é o capitão. Isso é o que é necessário saber sobre a seleção de futebol da Islândia, a zebra da Eurocopa, que conseguiu chegar até as quartas de final da competição. Mas […]

ARON GUNNARSSON E A TORCIDA DA ISLÂNDIA: capitão da seleção comemora com a torcida a classificação para as quartas de final da Eurocopa / Darren Staples/ Reuters

ARON GUNNARSSON E A TORCIDA DA ISLÂNDIA: capitão da seleção comemora com a torcida a classificação para as quartas de final da Eurocopa / Darren Staples/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 2 de julho de 2016 às 02h50.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h12.

Hannes Halldórsson é o goleiro; Kolbeinn Sigthórsson, o artilheiro — não confunda com Gylfi Sigurdsson, o craque — e Aron Gunnarsson, o barbudo, é o capitão. Isso é o que é necessário saber sobre a seleção de futebol da Islândia, a zebra da Eurocopa, que conseguiu chegar até as quartas de final da competição. Mas a ilha no Atlântico Norte — famosa por ter dado ao mundo a cantora Börjk e um vulcão com nome mais impronunciável que os dos jogadores do país, o Eyjafjallajökull — tornou-se um laboratório de democracia e de economia e um exemplo, pelo menos para os britânicos, de que é possível ser uma nação insular e interagir com a União Europeia mesmo sem ser um estado-membro do bloco.

As experiências recentes do país começaram após a economia da Islândia ser devastada com a crise financeira de 2008. Os três principais bancos eram grandes demais para serem resgatados pelo governo — os ativos somados das instituições eram 12 vezes o PIB do país — e quebraram. Com a derrocada do sistema bancário, até então o segundo maior empregador depois da pesca, os novos postos de trabalho sumiram. A taxa de desemprego saltou rapidamente de 2,4% para mais de 7%, em 2009. O PIB caiu 5%. A dívida pública explodiu ao sair de 28,5% do PIB, em 2007, para 70,4%, em 2008.

Na mesma época, outros países, como Portugal e Grécia, viram índices negativos semelhantes. A diferença está no que aconteceu depois: os países do continente, por imposição de Bruxelas, atacaram o problema com um plano de austeridade, mas sem o poder de desvalorização da moeda comum, o euro. A Islândia, por outro lado, decidiu estimular a economia do país com gastos em setores mais dinâmicos — pesca, mineração e turismo — ao mesmo tempo em que promoveu a desvalorização da króna, a moeda local.

Os resultados não poderiam ser mais distintos: a Islândia viu o desemprego cair, estando hoje abaixo de 5%, as contas públicas se equilibrarem e o PIB voltar a crescer. A Grécia, por outro lado, ainda é um país com um desemprego acima de 24%, uma dívida pública de 177% e uma variação trimestral do PIB entre números positivos e negativos parecida com um eletrocardiograma de alguém prestes a infartar.

“O excesso de austeridade foi o erro da União Europeia”, afirma Thórólfur Matthíasson, professor e diretor do departamento de economia da Universidade da Islândia, em entrevista a EXAME Hoje. Ele é o responsável por um estudo comparativo entre as medidas adotadas após a crise na Grécia e na Islândia. Segundo ele, a diferença básica é que o seu país apostou em medidas com um “tempero keynesiano” — mais próximas das políticas de bem-estar social dos países escandinavos, como Noruega e Suécia.

A decisão por uma via keynesiana pode ser explicada pelo modo de se fazer política no país. Medidas extremamente impopulares como as tomadas pelos governantes gregos são impossíveis na Islândia. Habitada permanentemente apenas desde o século 9, quando um norueguês construiu uma vila que se tornaria a capital Reykjavík, a Islândia conta hoje com pouco mais de 323.000 habitantes — algo por volta do tamanho da cidade de Blumenau, em Santa Catarina. A pressão popular na ilha acontece no dia a dia, inclusive com a possibilidade de um encontro casual com o primeiro-ministro pela rua ou então ligar para o telefone de sua casa.

Duas histórias recentes ilustram essa dinâmica da vida no país. Em 2011, contrários a uma negociação de pagamento da dívida externa do país, um grupo de cidadãos cercou a casa presidencial com sinalizadores marítimos vermelhos e começou a gritar palavras de ordem. Não restou alternativa ao presidente Ólafur Ragnar Grímsson senão abrir a porta e convidar parte dos manifestantes para uma conversa. Neste ano, o primeiro-ministro Sigmundur Davíð Gunnlaugsson renunciou ao cargo depois de ter seu nome envolvido no escândalo dos Panama Papers e ver a rua em frente de sua residência oficial tomada por manifestantes batendo panelas ou as grades metálicas de proteção ou, como fez outro, tocando com pouca destreza um sousafone.

“Esse comportamento apaixonado é comum por aqui. Após 2008, por exemplo, os banqueiros, considerados os culpados pela crise, tiveram que sair do país. Eles foram banidos da vida pública”, afirma Ásgeir Jónsson, também professor de economia da Universidade da Islândia e que conheceu de perto a pressão popular, uma vez que era o economista-chefe do Kaupthing Bank, um dos bancos do país liquidados no início da crise.

Para Ásgeir, essa forma de vida em sociedade de pressão e proximidade — que pode ter seus excessos e, segundo ele, pode descambar para a falta de profissionalismo — é o que tem mantido o país longe de se tornar um estado-membro da União Europeia. “Há o sentimento de que as pessoas estão no controle e isso as deixa mais felizes. A participação na União Europeia é vista com suspeita. Sem dúvida, não teríamos o mesmo controle que temos hoje”, diz Ásgeir.

Mas o fato de não ser um país-membro não significa que a Islândia não mantenha relações com o bloco. A ilha possui tratados de livre comércio com a UE, além de também integrar o espaço Schengen, de livre circulação de pessoas, e estimular o intercâmbio universitário entre os estudantes do seu país e do resto do continente.

Aprofundar as relações com a Europa, segundo o professor Thórólfur, poderia trazer benefícios ao país, como uma melhor regulação dos setores bancário, financeiro e de serviços, além do fornecimento de mercadorias que ou não estão disponíveis no país ou que possuem, atualmente, preços proibitivos. “Eu acredito que a participação seria benéfica. Mas é crucial um tratado de participação, pois um acordo malfeito seria pior que ficar de fora”.

Entenda-se por malfeito um acordo que venha a prejudicar os setores da pesca — que se mantém de fora dos atuais acordos de livre comércio — e o do turismo, que cresce 30% ao ano com boa parte de turistas vindos da Suécia, Dinamarca e Noruega atraídos pelas paisagens naturais dos fiordes e dos gêiseres e por uma moeda desvalorizada frente ao euro.

Com a dúvida dos resultados econômicos de uma união ao bloco, as negociações com a UE, pelo menos por enquanto, estão congeladas. E nem mesmo um bom desempenho no campeonato de futebol continental parece despertar um maior desejo de integração. É sintoma — tanto das relações com a Europa como da maneira de fazer política na Islândia — o fato que o presidente recém-eleito Gudni Johannesson, um professor universitário de história, prefira estar no meio da torcida no jogo de domingo e não na tribuna de autoridades ao lado do presidente François Hollande. “Por que eu iria para a sala VIP e tomaria champanhe se eu posso fazer essas coisas em qualquer lugar do mundo?”, disse em entrevista ao canal CNN.

O apelo que o time de futebol tem para o presidente e para o resto do país pode ser resumido em uma análise feita pelo economista Ásgeir Jónsson. “O nosso time de futebol é um reflexo da nossa sociedade. Individualmente, não há nenhum jogador de destaque. Há um time que joga em harmonia. Foi assim que nós criamos nossa sociedade numa ilha distante: jogando em harmonia”. De fato, seria demais exigir que Kolbeinn Sigthórsson fosse matador como o português Cristiano Ronaldo e Gylfi Sigurdsson tivesse uma visão de jogo como o alemão Özil.

(Rafael Kato)

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