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Indústria de frango dos EUA usa antibióticos rotineiramente

Registros internos revelam que alguns dos maiores produtores de aves norte-americanos dão uma variedade de antibióticos a suas criações

Frangos se alimentam em uma fazenda de Fairmont, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos (Randall Hill/Reuters)

Frangos se alimentam em uma fazenda de Fairmont, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos (Randall Hill/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 15 de setembro de 2014 às 20h02.

Atlanta/Chicago - Grandes indústrias de aves dos Estados Unidos estão administrando antibióticos a suas criações com frequência muito maior do que as agências reguladoras podem perceber, o que representa um risco em potencial à saúde humana.

Registros internos examinados pela Reuters revelam que alguns dos maiores produtores de aves norte-americanos dão uma variedade de antibióticos a suas criações rotineiramente --e não somente quando adoecem, mas como prática comum durante a maior parte da vida das aves.

Em cada caso de uso de antibiótico identificado pela Reuters, as doses foram administradas nos níveis baixos que os cientistas dizem contribuir em especial para o crescimento das chamadas superbactérias, que adquirem resistência a medicamentos convencionais usados para tratar pessoas.

Alguns dos antibióticos pertencem a categorias consideradas relevantes para humanos.

Os documentos internos contêm detalhes de como cinco grandes empresas --Tyson Foods , Pilgrim’s Pride , Perdue Farms, George’s e Koch Foods-- medicam parte de suas criações.

As provas documentais do uso rotineiro de antibióticos durante longos períodos são "assombrosas", disse Donald Kennedy, ex-comissário da Administração de Alimentos e Drogas dos EUA (FDA, na sigla em inglês).

Kennedy, presidente emérito da Universidade Stanford, afirmou que a aplicação tão disseminada das drogas por muito tempo pode criar “uma fonte sistemática de resistência a antibióticos” nas bactérias, cujos riscos não são totalmente conhecidos.

“Isto pode ser uma parcela ainda maior do problema de resistência a antibióticos do que eu tinha pensado”, declarou Kennedy.

“Bilhetes de Refeição"

A Reuters analisou mais de 320 documentos gerados por seis grandes criadores de aves durante os últimos dois anos. 

Chamados de “bilhetes de refeição”, os documentos são emitidos aos criadores pelas empresas que fabricam rações de acordo com as especificações dos criadores.

Eles listam os nomes e gramas por tonelada de cada “ingrediente com droga ativa” nos lotes de ração, revelam o propósito de cada medicamento aprovado pela FDA e especificam para que estágio da vida aproximada de seis semanas de uma galinha a ração é destinada.

Os bilhetes de refeição examinados representam uma fração das dezenas de milhares emitidos anualmente para os criadores de aves administrados por ou para grandes produtores.

A informação confidencial que eles contêm, entretanto, vai muito além do que o governo dos EUA sabe.

O uso veterinário de antibióticos é legal e vem aumentando há décadas, mas as agências reguladoras norte-americanas não monitoram como as drogas são administradas nas fazendas --em que doses, para qual fim ou por quanto tempo.

Tornados públicos aqui pela primeira vez, os documentos sobre os bilhetes de refeição oferecem uma visão única da maneira como algumas das maiores empresas do setor empregam antibióticos.

Os bilhetes indicam que duas delas --George’s e Koch Foods-- administraram drogas pertencentes à mesma classe de antibióticos usados para tratar infecções em humanos.

A prática é legal, mas muitos cientistas médicos a consideram particularmente perigosa, porque implica o risco de desenvolvimento de super-bactérias capazes de derrotar os antibióticos humanos que protegem a vida.

Nas entrevistas, outra grande produtora, a Foster Poultry Farms, admitiu que também utilizou drogas das mesmas categorias que os antibióticos considerados medicamente relevantes para humanos pela FDA.

Cerca de 10 por cento dos bilhetes de refeição analisados pela Reuters listam antibióticos que pertencem a classes de drogas relevantes, mas, em apresentações recentes, cientistas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês) disseram que o uso de qualquer tipo de antibiótico, não só os medicamente relevantes, contribui para sua resistência.

Segundo eles, sempre que um antibiótico é ministrado ele mata bactérias mais fracas e permite que as mais fortes sobrevivam e se multipliquem.

De acordo com os bilhetes de refeição analisados, doses baixas de antibióticos foram parte da dieta padrão de alguns criações de cinco empresas: Tyson, Pilgrim’s, Perdue, George’s e Koch.

"Estes não são usos destinados a bactérias específicas durante um determinado período.

São doses cavalares, múltiplas, repetidas, que com certeza irão matar as bactérias mais fracas e incentivar as mais fortes e resistentes”, afirmou Keeve Nachman, diretor do programa de produção alimentar e saúde pública da Escolha de Saúde Pública Bloomberg da Universidade Johns Hopkins.

Drogas "Extremamente Importantes"

Neste mês, a Perdue Farms anunciou ter parado de aplicar o antibiótico gentamicina aos ovos em incubadoras de galinhas. A gentamicina é parte da classe de antibióticos considerada “extremamente importante” na medicina humana pela FDA.

A empresa afirmou querer “se distanciar do uso de antibióticos convencionais” por causa da “preocupação crescente dos consumidores e de nossas próprias dúvidas sobre a prática”.

A mudança, entretanto, não irá alterar a ração das galinhas. Parte desta tem empregado níveis baixos de um antibiótico, como revelam os bilhetes de refeição.

A Perdue informou que só usa antibióticos que não são considerados medicamente relevantes pela FDA, e que em algumas fazendas não os utiliza em absoluto.

"Reconhecemos que o público estava preocupado com o impacto em potencial do uso destas drogas no tocante à sua capacidade de tratar humanos eficazmente”, disse Bruce Stewart-Brown, vice-presidente sênior de segurança e qualidade alimentar da Perdue, quando a nova política para as incubadoras foi anunciada.

O lobby da indústria avícola se opõe aos temores do governo e dos acadêmicos, dizendo haver poucas provas de que aquelas bactérias que se tornam resistentes também infectam pessoas.

"Várias análises de risco de cientistas, estudadas por seus próprios pares, demonstram que a resistência emergente em animais que se transfere a humanos não ocorre em quantidades mensuráveis, quando ocorre”, afirmou Tom Super, porta-voz do conselho nacional do setor.

Os criadores de aves começaram a utilizar antibióticos nos anos 1940, pouco depois da descoberta da penicilina, da estreptomicina e da clorotetraciclina, que ajudaram a controlar surtos de doenças nas galinhas.

As drogas ofereciam ainda o benefício adicional de manter o trato digestivo das aves saudável, e as galinhas conseguiam ganhar mais peso sem comer mais.

Hoje, 80 por cento de todos os antibióticos usados nos EUA não são dados a pessoas, mas a animais de criações.

Pouco Estudo

Cerca de 390 medicamentos que contêm antibióticos foram aprovados para tratar e prevenir doenças e promover o crescimento de animais de criação. Mas a FDA só analisou sete por cento destas drogas no que diz respeito à probabilidade de criarem super-bactérias resistentes a antibióticos, revelou uma análise de dados da Reuters.

O emprego disseminado de antibióticos preocupa as autoridades de saúde pública. Em um relatório deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a resistência a antibióticos como “um problema tão sério que ameaça as conquistas da medicina moderna”.

O custo anual para combater infecções resistentes a antibióticos está estimado entre 21 e 34 bilhões de dólares só nos Estados Unidos, informou a OMS.

A cada ano, cerca de 430 mil norte-americanos adoecem por bactérias presentes em alimentos que resistem a antibióticos convencionais, segundo um relatório de julho do CDC.

No geral, a entidade calcula que dois milhões de pessoas adoecem anualmente nos EUA com infecções resistentes a antibióticos, pelo menos 23 mil morrem.

“Esta é a cifra da qual temos certeza. O número real é maior”, declarou Steve Solomon, diretor do Escritório de Resistência Antimicrobial do CDC.

Em 2014, investigadores federais em busca da origem de um surto de salmonella encontraram cepas virulentas do patógeno nas galinhas criadas pela Foster Farms, maior criador de aves da costa oeste norte-americana.

Os investigadores identificaram sete cepas de Salmonella Heidelberg que deixaram pelo menos 634 pessoas doentes em todo o país e em Porto Rico este ano e em 2013. Mais de 200 destas pessoas foram hospitalizas, de acordo com o CDC.

Em julho, a Foster Farms emitiu um recall de alguns derivados de galinha.

Em um esforço para deter a disseminação de bactérias resistentes, a FDA publicou diretrizes voluntárias para regular o uso de antibióticos feito pelos criadores de aves e outros animais de criação.

A entidade disse também estar inspecionando empresas onde a ração animal é feita.

A FDA considera estas inspeções “um emprego mais eficaz” de seus recursos do que examinar como os criadores administram a ração, mas só planeja coletar dados sobre o uso de antibióticos nas granjas a partir de 2016, afirmou Craig Lewis, veterinário que trabalha para a agência.

Atualmente, “nenhum de nós tem uma ideia em primeira mão do que está acontecendo” nas granjas, disse Lewis recentemente em um evento público sobre resistência de antibióticos.

Super, o porta-voz do conselho nacional de derivados de galinha, disse que a informação sobre os bilhetes de refeição “está á disposição da FDA, das agências reguladores, assim que quiserem consultá-la”.

O Que As Empresas Falam

Ainda assim, as empresas relutam em discutir como medicam suas aves.

Uma delas, a Pilgrim’s Pride, afirmou que entrará na Justiça contra a Reuters a menos que a agência lhe dê acesso aos bilhetes de refeição que os repórteres analisaram. A Reuters se recusou a fazê-lo.

Os bilhetes mostram que a Pilgrim's, unidade de frango da brasileira JBS , adicionou doses baixas dos antibióticos bacitracina e monensina, individualmente ou combinados, a cada ração fornecida às criações no início deste ano.

Nenhuma das drogas é classificada com medicamente relevante pela FDA, embora a bacitracina normalmente seja utilizada para evitar infecções de pele em humanos.

A companhia, com sede no Estado do Colorado, não quis responder a perguntas sobre como usa antibióticos. Seu conselheiro-geral, Nicholas White, chamou o conteúdo dos bilhetes de refeição de “informação confidencial”.

Todas as gigantes do setor aviário afirmam publicamente que usam antibióticos com o objetivo estrito de manter as galinhas saudáveis.

Mas os bilhetes de refeição, que listam os medicamentos incluídos na ração das galinhas, sublinham um efeito colateral de muitas das drogas: tornar as aves mais robustas.

Alguns dos bilhetes analisados para esta matéria afirmam que os antibióticos incentivam a eficácia dos alimentos ou o ganho de peso nas galinhas.

A FDA exige que as empresas listem o incentivo do crescimento nos bilhetes de refeição sempre que a ração inclui antibióticos aprovados para este fim.

A Reuters encontrou oito antibióticos diferentes listados nos bilhetes a que teve acesso.

A George’s Inc, produtora de aves de Springdale, no Arkansas, emitiu bilhetes de refeição para um criador de galinhas da Virginia no ano passado.

Os bilhetes mostram que os antibióticos tilosina e virginiamicina foram administrados somente para “uma taxa incrementada de ganho de peso”.

A George’s declarou em um comunicado: “Ocasionalmente (quando necessário para controlar certos patógenos), medicamentos adequados e aprovados pela FDA são utilizados para evitar, controla ou tratar doenças específicas”, e se recusou a responder perguntas detalhadas.

Na Tyson Foods, dois bilhetes de refeição emitidos por duas unidades do Mississippi revelam que a bacitracina e a nicarbazina, que não é um antibiótico, estavam entre as drogas misturadas à ração.

Os bilhetes afirmam que a combinação de drogas é “para uso na prevenção de coccidiose em bandos de galetos, na promoção do crescimento e na eficácia alimentar”. A occidiose é uma moléstia intestinal comum.

A Tyson, também sediada em Springdale, declarou que não usa bacitracina para incentivar o crescimento, só para evitar doenças. A FDA exige que as empresas listem a promoção do crescimento nos bilhetes se os medicamentos tiverem esse efeito, disse Tyson.

A empresa afirmou que sua mistura de ração muda todos os anos, e em algumas estações não inclui bacitracina e nicarbazina.

A Koch disse que a FDA exige a lista de certas drogas de promoção do crescimento se tiverem este efeito, mas que não as utiliza com este propósito.

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