Redatora
Publicado em 20 de agosto de 2025 às 07h53.
O Japão, único país a sofrer ataques atômicos, vê crescer dentro e fora do governo um movimento até recentemente considerado tabu: rever sua política de não proliferação nuclear.
A mudança de postura é alimentada por dúvidas crescentes sobre a solidez da aliança de segurança com os Estados Unidos e pelo avanço dos arsenais de China, Coreia do Norte e Rússia, segundo reportagem especial da Reuters.
A inquietação ganhou força após a volta de Donald Trump à Casa Branca, em um segundo mandato marcado por tarifas contra aliados e declarações que colocam em xeque o compromisso de Washington com sua rede global de defesa.
O presidente afirmou, por exemplo, que os EUA não defenderiam países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que não elevassem seus gastos militares.
O Japão abriga o maior contingente de tropas americanas no exterior, mas já não pode considerar esse apoio como garantido.
Lideranças do Partido Liberal Democrata (PLD), que governa o país, admitem a necessidade de discutir alternativas caso a proteção americana perca credibilidade. A senadora Rui Matsukawa, ex-vice-ministra da Defesa, afirmou que “o Plano B talvez seja seguir de forma independente, o que pode significar armas nucleares”.
Embora a população japonesa ainda seja majoritariamente contrária à ideia, pesquisas recentes mostram crescimento no apoio a mudanças nos chamados “Três Princípios Não Nucleares”, formulados em 1967: não produzir, não possuir e não hospedar armas nucleares. Uma sondagem realizada em março indicou 41% favoráveis à revisão — contra 20% em pesquisa feita três anos antes.
Oito décadas após as bombas americanas que atingiram Hiroshima e Nagasaki, a memória da tragédia perde força entre os mais jovens, segundo reportagem da Reuters. Em Hiroshima, pesquisa da emissora NHK mostrou que mais de 30% dos moradores entre 18 e 24 anos não querem sequer ouvir relatos de sobreviventes das bombas de 1945.
Na Coreia do Sul, a pressão é ainda maior. Pesquisas indicam que até 75% da população apoia a construção de um arsenal próprio, caso os EUA deixem de garantir proteção nuclear.
Ambos os países, no entanto, são signatários do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), pelo qual se comprometeram a não desenvolver ou adquirir ogivas.
Analistas afirmam que o Japão é um “Estado limiar” nuclear: tem tecnologia avançada, cerca de 45 toneladas de plutônio estocadas e capacidade de enriquecer urânio. Isso permitiria a construção de um artefato nuclear em questão de meses, caso o governo decidisse romper o TNP.
A Coreia do Sul, apesar de operar 26 reatores nucleares, não dispõe da mesma estrutura para reprocessar plutônio ou enriquecer urânio, o que tornaria o processo mais lento.
Pequim já reage ao debate. O governo chinês acusa Tóquio e Seul de “hipocrisia”, ao defenderem um mundo livre de armas nucleares enquanto se apoiam no arsenal dos EUA.
O governo chinês reafirma sua política de “não primeiro uso” de armas nucleares, mas, na prática, acelera a expansão de seu arsenal — hoje estimado em cerca de 600 ogivas, o que faz da China a potência que mais rapidamente amplia sua capacidade atômica.
Especialistas alertam que, apenas ao considerar a nuclearização, Japão e Coreia do Sul já correm o risco de provocar justamente o conflito que pretendem evitar.