Daniel Rezende, médico em Israel: os médicos estão servindo como soldados. Receberam mensagem no WhatsApp e via SMS sendo convidados para atuar na região de conflito (Mahmud HAMS/AFP)
Repórter
Publicado em 10 de outubro de 2023 às 10h49.
Última atualização em 21 de fevereiro de 2024 às 21h46.
"Tenho 1 minuto para chegar no bunker público quando estou fora do hospital”, afirma Daniel Juliano Rezende, médico cirurgião geral nascido no Brasil e que vive há três anos em Tel-Aviv, uma das maiores cidades de Israel.
A população dessa região central não foi bombardeada como a que vive na região sul, próximo à Faixa de Gaza, mas já sente alguns impactos da guerra entre Israel e Hamas.
“Como muitos médicos foram convocados para serem reservistas, ou seja, atuarem nas áreas de conflito, as equipes médicas da cidade diminuíram. Médicos que não são israelenses estão sendo chamados, até os que estão viajando”, diz Rezende à EXAME, que também tem nacionalidade israelense.
Apesar de não ser a área foco do conflito, alguns pacientes chegam feridos, com estilhaços dos mísseis, afirma o médico. “Aqui temos um sistema antimíssil que impede com que ele caia em nosso território. Mas, ao explodir, os estilhaços atingem algumas pessoas, provocando cortes”, afirma.
O engajamento da população israelense foi nítido logo após o primeiro dia de conflito. Segundo Rezende, no dia seguinte aos ataques, várias campanhas de doação de sangue foram iniciadas e todos os postos estavam completamente lotados de doadores. “De jovem a idoso, diferentes cidadãos estavam em fila esperando a sua vez para doar", diz o médico brasileiro. "Ainda existem requisitos para ser um doador, mas o filtro agora é diferente, afinal, estamos em guerra.”
Boa parte da família de Rezende vive em Israel e a convocação de 300 mil soldados para o Exército chegou a esses parentes. “Estamos todos assustados, a maioria dos homens da minha família e amigos até 65 anos foram convocados, desde primos muitos jovens a tios com mais idade. Já me candidatei para ser voluntário na região do conflito. Aguardo a minha vez", diz.
O brasileiro já atua como médico em Israel e precisa validar algumas práticas como cirurgião, mas, durante o estado de guerra, Rezende comenta que o governo israelense está chamando por médicos, inclusive os recém-formados:
“Os médicos estão servindo como soldados. Receberam mensagem no WhatsApp e via SMS sendo convidados para atuar na região. Como estamos em guerra, o governo está abrindo licenças permanentes para jovens médicos e médicos estrangeiros”, afirma.
Para atuar como médico em conflitos como a guerra em Israel, é preciso uma ação organizada, diz Rezende: “Esses profissionais precisam ser preparados para a guerra, fisicamente e psicologicamente. É preciso saber trabalhar sob pressão, é um ambiente que envolve muito estresse. É muito mais sério do que se pensa”, diz.
Como já realizou um curso de medicina em área remota, sempre em locais com crises humanitárias, Rezende conhece o trabalho e a entrega nestas áreas de conflito e já se disponibilizou para atuar em Gaza: “Já trabalhei em outras áreas de conflito, e agora não será diferente, estou disposto a defender o meu próprio povo”, afirma.
Enquanto isso, Rezende segue trabalhando em Tel Aviv, de onde escuta sirenes de manhã e de noite e vê diversos aviões sobrevoando em direção ao Sul: “Escuto bomba de casa e do hospital, no noticiário vemos a sirene tocando a cada 10 minutos em Gaza. Na última hora passaram mais de 15 aviões no sentido Sul. E temos alarmes para ir ao bunker”, diz.
Esse alarme, explica o médico, faz parte do sistema de segurança que lança foguetes contra os mísseis. “Temos um minuto e pouco para entrar dentro do bunker e nos esconder, seja durante o dia ou de madrugada. Às vezes estou na rua ou atendendo no hospital”, afirma.
A estrutura da cidade está preparada para a guerra. Algumas áreas do hospital são protegidas, como bunkers. Os prédios mais novos têm um quarto com uma estrutura tão forte como a de um bunker, com janelas e portas mais resistentes. Para os que não tem essa estrutura em casa ou no trabalho, há os bunkers públicos.
“Somos um país que sempre viveu em guerra por isso com o tempo criamos uma estrutura diferenciada. Temos que parar a nossa rotina para nos esconder, mas tem trabalhos que não dá para parar. Tenho colegas fazendo partos em meio a guerra, a vida não para.”
O grupo terrorista Hamas lançou a "Operação Al-Aqsa Flood" para defender a mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, palco de tensões entre palestinos e israelenses.
Países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e nações da União Europeia, apontam que o Hamas é uma organização terrorista.
Ismail Haniyeh lidera o Hamas desde 2017 e reside em Doha, Catar, desde 2020 devido às restrições de saída e entrada em Gaza, que enfrenta bloqueios em suas fronteiras tanto com Israel quanto com o Egito.
Na sua Carta de Princípios de 1988, o Hamas declarou que a Palestina é uma terra islâmica e não reconhece a existência do Estado de Israel.
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