Estudantes seguram velas e fotografias de desaparecidos, durante protesto no México (Daniel Becerril/Reuters)
Da Redação
Publicado em 21 de novembro de 2014 às 13h18.
Iguala - Apenas três em cada 100 crimes cometidos no México em 2013 foram julgados. No país, a média de crimes que não entraram na estatística oficial chegou a 93,8% - um aumento de 18% em relação ao ano anterior.
Os números fazem parte da Pesquisa Nacional sobre Vitimização e Percepção de Segurança Pública (Envipe – sigla em espanhol), divulgada em outubro pelo governo do país.
No estado de Guerrero, onde a Agência Brasil esteve no início de novembro, a maioria das pessoas entrevistadas se esquiva de falar sobre o que acontece na região.
O estado é o local que mais registra crimes não denunciados, 96,7%.
Foi com relutância que a viúva de um guarda de trânsito assassinado há três anos conversou com a reportagem.
Moradora da cidade de Taxco, a comerciante prefere não falar do passado e pediu para não ter a identidade revelada.
Funcionária de um supermercado, ela diz que teve de se reinventar, após perder o companheiro de 22 anos, com quem teve três filhas.
“Antes eu era dona de casa e só cuidava das minhas filhas. De repente virei a provedora da família”, diz a comerciante, que reconstruiu a vida do ponto de vista financeiro, mas não esconde as marcas que a morte brutal deixou em sua história.
“De como o mataram eu não falo, não consigo. Sempre que alguém me pergunta, eu quero chorar”, desabafa.
Amigo da vítima, um guarda de trânsito da região – que só aceita conceder entrevista sob anonimato – conta que o marido da comerciante foi morto depois de ter apreendido, em 2011, uma moto com drogas.
“Os caras dos cartéis de droga ficaram bravos e o levaram para o morro”, diz, apontando para as montanhas que cercam a cidade.
Ele foi torturado e assassinado. O corpo foi encontrado cerca de uma semana depois, mas o caso nunca foi esclarecido e os envolvidos não foram punidos.
“Se você é honesto aqui, você sofre muita pressão. Meu amigo só fez o trabalho dele e pagou com a própria vida”, comenta o guarda de trânsito que também já sofreu ameaças ao longo de 53 anos de profissão.
Na região, também há denúncias de detenções arbitrárias, para ocultar os verdadeiros responsáveis pelos crimes.
É o caso do episódio envolvendo uma das irmãs do taxista Zenon Contreras, 41 anos. Margarita Contreras, 39 anos, é policial e estava de plantão no Museu Ferrocarril, em Iguala, no dia do desaparecimento dos jovens.
Segundo o taxista, ela permaneceu no local até as 8h do dia 27 de setembro.
Dias depois do desaparecimento dos jovens em Iguala, entretanto, a procuradoria do Estado ordenou a detenção de alguns policiais sob acusação de envolvimento no episódio.
Margarita foi apontada por uma “testemunha anônima” como um dos policiais que estava no local.
A família já apresentou provas de que ela esteve, durante todo o plantão, no museu – local diferente e distante de onde os estudantes foram raptados, no norte de Iguala.
"Ela não estava no lugar e detestava violência. O governo do estado não quis aceitar os testemunhos a favor dela, inclusive o da diretora do museu", diz o taxista.
Ele conta que o caso de Margarita não é único e que há outros policiais detidos que não estão envolvidos no sumiço dos estudantes.
“Nós sofremos muito com isso, minha irmã é honrada, honesta e estava fazendo um curso para ser paramédica, porque queria deixar a polícia. A gente vê que quem deveria estar preso não está", critica.
A Anistia Internacional no México confirma a existência de casos envolvendo erros cometidos pela Justiça e por integrantes da polícia.
“Identificamos detenções arbitrárias em diversos crimes e, muitas vezes, casos de prisão de pessoas que não tinham a ver com os delitos cometidos”, afirma Chasel Colorado, coordenadora de incidência da Anistia Internacional no país.
Ela acrescenta que, em muitos casos, não são resguardados o direito da presunção de inocência dos acusados e o devido processo legal.
Diretor do Comitê de Familiares e Amigos de Sequestrados, Desaparecidos e Assassinados do Estado de Guerrero, Javier Monroy diz que há registros de mais de 600 desaparecidos e 2 mil assassinatos desde 2007, ano em que o comitê iniciou as atividades.
Para ele, o mais grave com relação aos dois crimes é a forma como a sociedade mexicana justifica essas ações transformando vítimas em corresponsáveis.
“Aqui, no México, há uma máxima sobre desaparecimento ou assassinato que fala que, se aconteceu alguma coisa ruim com uma pessoa, é porque ela estava fazendo alguma coisa errada”, comenta. “Isso reproduz impunidade”, lamenta.