Imigrantes são alojados em uma estação da fronteira em McAllen, no Texas (Rick Loomis/Reuters)
AFP
Publicado em 3 de fevereiro de 2017 às 12h20.
Estados Unidos, nação de imigrantes: o slogan anti-Trump remete a um pilar fundacional do país, mas também esconde muitos episódios nos quais as fronteiras americanas foram fechadas brutalmente para os estrangeiros.
"Os Estados Unidos estiveram constantemente marcados por mensagens contraditórias sobre a imigração", disse à AFP Julie Green, especialista sobre o tema na Universidade de Maryland. "Por um lado, se orgulham de ser um país de imigrantes, mas por outro têm uma longa e complexa história de decidir quem poderia entrar e quem deveria ser excluído", advertiu.
Esta história complexa começou há cerca de 150 anos, muito antes de Donald Trump provocar polêmica ao fechar as fronteiras dos Estados Unidos aos refugiados e aos cidadãos de sete países de maioria muçulmana.
Aprovada em 1882, a Chinese Exclusion Act (lei de exclusão dos chineses) constituiu uma guinada na história de uma jovem nação que até então havia recebido os imigrantes de braços abertos.
"Não havia realmente uma política migratória. Bastava vir", explicou à AFP Mae Ngai, especialista em imigração na Universidade Columbia de Nova York.
Alimentada por episódios de racismo na costa oeste, esta lei mudou a situação, proibiu a entrada de trabalhadores chineses e atribuiu pela primeira vez ao Estado federal o poder de definir a política migratória. A proibição esteve em vigor até 1943.
"Foi produto da filosofia do chamado 'destino manifesto', segundo o qual o continente americano deveria pertencer aos anglo-saxões", afirma Ngai.
Esta ideologia deu forma a outra grande lei do entre-guerras: a lei de Imigração de 1924 estabeleceu pela primeira vez um teto ao número de imigrantes que os Estados Unidos estavam dispostos a acolher e definia quotas por país, que beneficiavam enormemente os países do norte da Europa.
"Não está dito explicitamente, mas a ideia era excluir ao máximo as populações judias e italianas baseando-se em princípios eugênicos", afirma Green.
Ao aplicar o critério de elegibilidade dos imigrantes para ter acesso à cidadania, esta lei representou, de fato, um drástico endurecimento migratório: a partir de então, todas as pessoas procedentes da Ásia estavam proibidas de entrar nos Estados Unidos.
A Segunda Guerra Mundial iniciou um novo e espinhoso capítulo que lembra a atual controvérsia gerada pelo decreto de Trump.
Para justificar suas restrições à imigração, o atual presidente americano advertiu contra o risco de que os refugiados sejam agentes encobertos do grupo Estado Islâmico.
Em 1939, o governo americano usou a mesma justificativa: negou a entrada no território nacional de judeus europeus porque poderiam trabalhar secretamente para o III Reich. "Havia uma espécie de histeria coletiva pelo risco de uma quinta coluna", explica Green.
A administração Roosevelt proibiu em junho de 1939 a entrada do barco "St Louis", que transportava 900 judeus que fugiam das perseguições, e que foi obrigado a retornar à Europa, onde mais de um quarto de seus passageiros foram assassinados pelos nazistas.
A segunda metade do século XX foi marcada por outros episódios de tensão. Em plena Guerra Fria, a Lei de Segurança Interna de 1950 concedeu à administração o poder de negar a entrada de qualquer pessoa que ameaçasse a segurança interior, pensando nos simpatizantes do comunismo.
A lei de direitos civis de 1965 colocou fim às quotas diferenciadas por país, mas seu igualitarismo gerou problemas: ao conceder o mesmo número de vagas a todos os Estados, prejudicava os países mais populosos. "Não faz sentido conceder a mesma quota à China e à Bélgica", afirma Ngai.
Algumas décadas mais tarde, em 1980, o presidente democrata Jimmy Carter fechou as fronteiras a todos os cidadãos iranianos em represália pela tomada de reféns na embaixada dos Estados Unidos em Teerã.
Estas restrições que marcaram a história americana são certamente o resultado de uma época em particular, mas apresentam, no entanto, uma característica comum: todas invocam o imperativo de segurança nacional.
"Todas se alimentam da tentação nacionalista e da questão de segurança nacional, com o objetivo de encontrar um bode expiatório", afirma Ngai.
Segundo Green, o decreto do presidente Trump se inscreve nesta linha: "é um meio de acostumar os Estados Unidos à ideia de que estão em guerra, mesmo quando não é o caso".