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Ideologia política impede negociação com Trump e tarifaço é certo, diz ex-embaixador nos EUA

Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004), governo precisa enviar aos Estados Unidos "autoridade de alto nível" para conduzir negociações

Rubens Barbosa: ex-embaixador em Washington afirmou que o aumento de popularidade de Lula enquanto o tarifaço de Trump não é formalizado pode ser uma armadilha. (Julio Bittencourt/Revista da Indústria/Divulgação)

Rubens Barbosa: ex-embaixador em Washington afirmou que o aumento de popularidade de Lula enquanto o tarifaço de Trump não é formalizado pode ser uma armadilha. (Julio Bittencourt/Revista da Indústria/Divulgação)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 24 de julho de 2025 às 14h18.

Última atualização em 24 de julho de 2025 às 14h22.

O tarifaço de 50% aos produtos brasileiros anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a partir de 1º de agosto é dado como certo pelo diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004). Em entrevista à EXAME, ele afirma que a postura ideológica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação a Trump tem atrapalhado qualquer tentativa de negociação entre os dois países.

Barbosa, que preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), diz que o governo brasileiro precisa enviar uma “autoridade de alto nível” aos Estados Unidos para negociar, assim como outros países fizeram quando foram alvo de Trump.

“Na minha visão, isso passa pela nota da U.S. Chamber of Commerce, maior associação empresarial americana. Eu cansei de ir lá e sei o poder que eles têm. Eles pediram para que o Basil mande uma autoridade de alto nível para essa negociação. Até 1º de agosto não dá mais tempo de negociar, já está contratado esse tarifaço”, afirma.

Popularidade de Lula ameaçada

O aumento de popularidade de Lula enquanto o tarifaço de Trump não é formalizado pode ser uma armadilha, afirma Barbosa. Segundo ele, o efeito negativo para as empresas e para os trabalhadores pode se voltar contra o presidente.

Essa prioridade para a política interna é boa porque o Lula cresce nas pesquisas, se enrola na bandeira, fala de nacionalismo, mas é uma coisa volátil. Com o tarifaço e o prejuízo que isso vai trazer, o setor industrial e o setor agrícola, todos vão se voltar contra ele. E a popularidade dele vai cair. Vai ficar todo mudo contra porque não conseguiram negociar. Eu acho que essa politização interna é contrária aos interesses brasileiros”, diz.

Leia abaixo a entrevista completa

Como o senhor avalia a “não negociação” em curso entre Brasil e Estados Unidos?

O governo não está falando com a Casa Branca, quando quem decide é a Casa Branca. Os acordos aos quais os Estados Unidos chegaram, quem anuncia é o Trump. E o governo brasileiro, desde antes da eleição de 2022 e depois da eleição, não estabeleceu nenhum canal de comunicação com a Casa Branca. O problema todo é esse. É uma questão ideológica, na minha visão, que esta por trás. Lula falou tudo o que falou nas eleições [americanas, quando o presidente brasileiro anunciou apoio à democrata Kamala Harris].

É como [a relação com] o [Javier] Milei [presidente da Argentina]. Não há diálogo com algumas pessoas, por questão ideológica. Isso acaba prejudicando os interesses brasileiros. A coisa mais flagrante foi apresentada a nota da U.S. Chamber of Commerce. A nota deles critica a imposição dos 50% de tarifas porque prejudica empresas brasileira e americanas. E pede que o Brasil envie uma autoridade de alto nível para conversar com os Estados Unidos.

Hoje é dia 24 de julho e não fizeram nada. [O ministro Fernando] Haddad fala no Ministério da fazenda, o Alckmin fala em negociação, mas eles não têm poder de decisão. O poder de decisão está na Casa Branca.

Então a ideologia política impede uma negociação?

Eu, pessoalmente, não acho que essa questão política seja condição para resolver a questão tarifária. Está faltando diálogo. A parte política já foi respondida. O Lula já falou em ingerência externa e falou da soberania do Brasil. A gente já resolveu esse ponto. Não tem que discutir isso. Se levantarem assunto em uma mesa de negociação tem que dizer que esse assunto já foi superado. Isso não está em negociação. O problema é que gente não consegue falar com o Trump e fica nesse impasse.

Como o senhor avalia o fato de o presidente Lula estar colhendo dividendos eleitorais em meio ao conflito político e econômico com o Trump?

Essa prioridade para a política interna é boa porque o Lula cresce nas pesquisas, se enrola na bandeira, fala de nacionalismo, mas é uma coisa volátil. Com o tarifaço e o prejuízo que isso vai trazer, o setor industrial e o setor agrícola, todos vão se voltar contra ele. E a popularidade dele vai cair. Vai ficar todo mudo contra porque não conseguiram negociar.

Eu acho que essa politização interna é contrária aos interesses brasileiros. Todos os países estão negociando. O único país que não está negociando é o Brasil. O Japão negociou, o Vietnã, país comunista, fechou acordo com os Estados Unidos. Há alguma coisa errada. Até países comunistas estão negociando, por que o Brasil não pode negociar?

É possível buscar alguma racionalidade na negociação com o presidente dos Estados Unidos?

Com o Trump, é difícil falar em racionalidade. Ele é imprevisível e egocêntrico. Mas eu vejo o que aconteceu com outros países. Primeiro, as medidas tarifárias não foram todas contra o Brasil. Foram tomadas contra todo mundo. Segundo ponto, o Brasil tem que considerar nessa negociação a imprevisibilidade. Esse tarifaço é contra o mundo inteiro. Terceiro, o mundo inteiro está negociando. Canadá, México, União Europeia. Todo mundo evitou atacar os Estados Unidos publicamente.

Não vi declaração contra os Estados Unidos do primeiro-ministro da Índia, ou por parte dos líderes da União Europeia. Nossa posição é única. Ao negociar com um cara imprevisível — e, ao invés de fazer como os outros, — avisa que analisa políticas retaliação, mas diz que quer negociação. O presidente Lula disse que a guerra comercial vai começar quando ele responder ao Trump, que vai taxar Big Techs.

Não vi declaração no mundo inteiro nessa linha. Eu vejo que os outros estão fazendo e o que a gente está fazendo. Todo mundo está negociando direto com o Trump. Negociam em nível técnico, mas a decisão é uma conversa direta com o Trump. Esse é o modelo a ser seguido. Se o pessoal não entendeu aqui, o setor privado brasileiro vai arcar com as consequências.

É possível um acordo entre Lula e Trump?

É possível. Todo mundo está negociando. A gente tem que negociar. O setor privado tem que ter estratégia para apoiar a negociação. Na minha visão, isso passa pela nota da U.S. Chamber of Commerce, maior associação empresarial americana. Eu cansei de ir lá e sei o poder que eles têm. Eles pediram para que o Brasil mande uma autoridade de alto nível para essa negociação. Até 1º de agosto não dá mais tempo de negociar, já está contratado esse tarifaço.

Mas o secretário de Comercial dos Estados Unidos disse que o Trump vai instituir as tarifas em 1º de agosto e está disposto a negociar. Não é que o governo americano não quer negociar. Agora a negociação precisa ter duas pessoas à mesa. É importante enviar contra posposta, mas está faltando isso que o U.S. Chamber está solicitando. Após 1º de agosto, quando for colocada a tarifa, o governo tem que agir rapidamente, enviando alguém para conversar com o Trump.

O Alckmin seria essa autoridade?

Ele é o vice-presidente. Se o presidente não quer falar com o Trump, a autoridade seria o Alckmin. Mas ele mandou o Alckmin para o México.

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