Manifestante toca instrumento musical na praça Tahri, no Cairo (Peter Macdiarmid/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2011 às 05h27.
Cairo - Se existe alguma marca na revolta popular no Egito essa pode ser atribuída ao humor que, como símbolo da identidade nacional, está presente em brincadeiras, palavras de ordem e cartazes como o que diz: "Leite Mubarak, data de validade 25/01/2011".
O cartaz, que tem afixada uma caixinha de leite com a face do presidente no rótulo azul, está nas mãos do filho do engenheiro agrônomo Mohammed Sherid, que aderiu aos protestos iniciados no último dia 25 de janeiro na praça Tahrir, no centro do Cairo.
"É da natureza do povo egípcio: apesar da desgraça, brincamos sempre. É importante porque tudo na vida passa, quanto mais somos pressionados, mais brincamos", explicou à Agência Efe Sherid, quem não tem medo de ir com os filhos à praça, centro dos protestos, mas também de choques entre partidários e contrários de Mubarak.
Apesar dos distúrbios recentes, ocorridos principalmente ao entardecer, chama a atenção durante o dia a presença de famílias com crianças na praça, em um ambiente quase festivo e, às vezes, carnavalesco vivido nas ruas.
Um pouco além de onde Sherid e seus filhos estão sentados, outro grupo de homens dança em círculo ao ritmo de uma canção inventada por um poeta sobre a manifestação e que a multidão ao redor repete entusiasmada.
"Trinta anos e você (Mubarak) continua no poder, nós cansamos de você. Se você for embora, todos nós também vamos", improvisa o poeta, que pronuncia versos em árabe.
Outros cartazes dizem "Mubarak, game over (o jogo acabou)", "Vai embora que quero ir para casa tomar banho, estou há dias sem banho", e outro carregado por um jovem traz uma caricatura do rei saudita, Abdullah bin Abdul Aziz, olhando para o relógio.
"Mubarak está demorando a chegar", detalha outro cartaz, em alusão à recente fuga ao reino saudita do destituído presidente de Tunísia, Zine el Abidine ben Ali, quem convida o chefe de Estado egípcio a fazer o mesmo.
Junto ao poster está Imame Abdalah que contou à Agência Efe que o humor egípcio, famoso no mundo árabe, "é um dom" de seus habitantes.
"Rimos por natureza e estamos utilizando isso agora, mais uma vez", apontou Abdalah.
O humor chegou até as barracas montadas na praça onde estão alojados alguns manifestantes em Tahrir, batizadas com nomes como "Pensão hurriya (liberdade, em árabe)".
Não muito longe das barracas passeia Basam al Khadari com um cartaz preso a sua blusa: "Vamos explicar bem para que o burro entenda".
Khadari, na praça desde o primeiro dia, mostra à Efe orgulhoso uma caderneta onde anota as poesias e rimas engraçadinhas que escuta nas manifestações.
"É para contar aos meus filhos" - indicou Khadari. "Escrevo para mudar o mundo".
Em seu caderno estão anotadas frases como "Mubarak, delete", em alusão a tecla do computador, e "Fora presidente louco".
Para o escritor e autor teatral Mohammed Sanati, "o humor egípcio desempenha um papel importante porque está muito enraizado na história do povo".
"É algo que está na identidade nacional e vem de longe. Nos tempos da ocupação britânica, as crianças faziam brincadeiras sobre o assunto", lembrou.
Sanati ressaltou que o que diferença o humor egípcio de outros "é que aqui o povo diz as coisas, ri, mas logo em seguida pode chorar".
E isso se reflete na praça Tahrir, onde ocorre uma festa em um momento e no seguinte o clima já está tenso e se dá um confronto com os partidários do presidente.
A poesia, muito arraigada na cultura árabe, também tem um papel essencial nas brincadeiras, "que servem para criar consciência e fazer o povo pensar", opinou o escritor.