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Human Rights Watch denuncia participação de Guarda Nacional da Venezuela em mortes de manifestantes

Desde que o CNE anunciou a reeleição de Nicolás Maduro, população contrária ao resultado tem protestado

Agência o Globo
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Publicado em 4 de setembro de 2024 às 08h11.

Última atualização em 4 de setembro de 2024 às 08h16.

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A organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) denunciou nesta quarta-feira, 4, o envolvimento das forças de segurança da Venezuela, incluindo a Polícia Nacional Bolivariana (PNB) e a Guarda Nacional, e de milícias chavistas conhecidas como "colectivos" em diversos assassinatos cometidos durante protestos contra a contestada eleição do presidente Nicolás Maduro, em 28 de julho. A ONG documentou ao menos 24 mortes e, a partir de uma perícia independente, pôde analisar as condições de 11 casos.

"Os 'colectivos' há anos intimidam e assediam os críticos e os denunciam ao governo, principalmente em áreas populares, onde o governo tem uma forte política de segurança pública", explica a HRW no documento.

Modus operandi

Após coletar relatos de diferentes ONGs locais, a HRW chegou às descobertas a partir da análise de mais de 40 vídeos e fotos dos protestos, nas quais pesquisadores, especialistas em armas e patologistas forenses observaram sombras, padrões climáticos para determinar os locais e horários exatos das ocorrências, os tipos de ferimentos e as armas utilizadas. Também foram analisadas certidões de óbito e realizadas entrevistas com 20 pessoas, incluindo testemunhas e fontes locais, afirma a organização.

De acordo com a Human Rights Watch, milicianos pró-governo e as forças de segurança adotaram um modus operandi próprio durante as manifestações para amedrontar civis: primeiro a polícia dispersa os manifestantes por meio de barreiras, disparos de gás lacrimogêneo e a detenção de alguns deles. Depois, membros dos colectivos atiram contra a população com armas de fogo por trás da barreira formada pelos agentes.

Uma situação assim foi flagrada durante um protesto em 29 de julho, em um vídeo publicado no TikTok e verificado pela HRW, que identificou sua localização na Avenida Urdaneta, em Caracas. Nas imagens, três milicianos vestidos à paisana surgem por trás da barreira montada pelos agentes de segurança uniformizados com armas de pequeno porte, atirando para o ar.

"Os manifestantes fogem e se dispersam. Os homens disparam suas armas por mais de um minuto. As forças de segurança não tomam nenhuma medida para conter os civis ou prendê-los", relata a HRW.

Dias mais mortais

A maioria das mortes ocorreram entre 29 e 30 de julho, os primeiros dois dias que sucederam o anúncio do resultado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo chavismo. O órgão, responsável por organizar o pleito, consagrou a vitória de Maduro para um terceiro mandato de seis anos por 51% dos votos, mas não apresentou até hoje os boletins das urnas que comprovariam o resultado. A oposição, liderada por María Corina Machado, reivindicou a vitória do seu candidato, Edmundo González, por 67%, publicando em um site supostas atas das seções eleitorais, as quais tiveram acesso, que atestariam a versão.

Entre os 24 mortos, um é membro da Guarda Nacional da Venezuela (GNV). Oito casos ocorreram na capital, a maioria em bairros populares como El Valle e Antímano, que já foram redutos chavistas. Seis foram registrados durante o mesmo protesto em San Jacinto, no estado de Aragua. Os demais aconteceram nos estados de Bolívar, Carabobo, Lara, Miranda, Táchira, Yaracuy e Zulia.

"A repressão que estamos vendo na Venezuela é brutal", destacou Juanita Goebertus, diretora da Divisão das Américas da Human Rights Watch. "A comunidade internacional deve tomar medidas urgentes para garantir que os venezuelanos possam protestar pacificamente e que seu voto seja respeitado".

A presença de milícias chavistas em protestos na Venezuela não é algo novo. Em 2020, a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre a Venezuela, estabelecida pelas Nações Unidas, destacou, a partir de relatos de manifestações, que "os colectivos estavam, em alguns casos, envolvidos no controle de multidões ou em violações em coordenação com as forças armadas do Estado e/ou sob instruções da liderança política do Estado".

Vítimas da violência: dos disparos à desinformação

Uma das vítimas dessa combinação entre o poder estatal e paralelo na Venezuela foi o jovem Isaías Jacob Fuenmayor González, de 15 anos. Ao sair de casa em 29 de julho em San Francisco, no estado de Zulia, para ensaiar a dança de uma festa de 15 anos com amigos, ele encontrou seus colegas se manifestando em frente a uma escola que havia servido como seção eleitoral no dia anterior. Em frente ao colégio, está localizada a sede local do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Maduro, que foi alvo de pedras por parte dos manifestantes, o levou a confrontos com a Guarda Nacional. Após o choque entre os dois grupos, membros de colectivos atacaram os manifestantes com armas de fogo. O adolescente acabou baleado no pescoço e não resistiu, documentou a HRW.

Outro caso verificado pela organização foi de Aníbal José Romero Salazar, de 24 anos, que morreu durante um protesto em Carapita, um bairro pobre de Caracas. Em uma coletiva de imprensa, Maduro alegou que Salazar havia forjado sua morte, exibindo como prova um vídeo de um homem confessando a informação, fingindo ser o jovem.

Em 29 de julho, Salazar aparece em dois vídeos diferentes entre os manifestantes que se reuniam na Avenida Intercomunal, na capital venezuelana, cantando pacificamente por volta das 14h30, segundo análises meteorológicas da HRW. Por volta das 17h30, um terceiro vídeo centenas de manifestantes atirando objetos contra polícia, que dispara em resposta, enquanto parte do grupo tenta fugir da confusão. Às 19h, Zalazar, que estava a cerca de 230 metros do local, é atingido na testa por uma bala de fogo — ferimento registrado em uma fotografia analisada pela ONG.

A HRW relata ter tido acesso a um áudio de uma testemunha afirmando que, no momento em que Salazar foi atingido, policiais da Diretoria de Ações Estratégicas e Táticas (DAET) disparavam contra manifestantes perto de uma igreja, onde ele estava do lado de fora. Um vídeo publicado no TikTok e gravado a 100 metros do local onde o jovem estava mostra um agente armado, vestindo um uniforme da DAET, atirando contra a multidão. Outra gravação, momentos depois, mostra Salazar sendo carregado com ferimentos por manifestantes.

No mesmo áudio analisado pela HRW, a testemunha diz que policiais impediram que Salazar fosse levado a um hospital. Ele aparece ferido em um outro vídeo, já de noite, na traseira de uma caminhonete. Os manifestantes conseguiram levá-lo ao hospital Pérez Carreño, nas proximidades, onde morreu.

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