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Holanda pede desculpas por mais de 250 anos de escravidão

Rutte destacou que o sistema infringiu "sofrimentos indescritíveis" e, por causa disso, a escravidão deve ser reconhecida e condenada

Mark Rutte: "Pessoas se tornaram mercadorias, exploradas e abusadas", lamentou o premiê (Rijksvoorlichtingsdienst/Wikimedia Commons)

Mark Rutte: "Pessoas se tornaram mercadorias, exploradas e abusadas", lamentou o premiê (Rijksvoorlichtingsdienst/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 20 de dezembro de 2022 às 09h54.

O primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, se desculpou, em nome do governo do país, pelo papel do Estado durante o período da escravidão local, que perdurou de 1621 a 1873. "A escravidão foi um crime de lesa humanidade", afirmou o líder do Executivo, em discurso no Arquivo Nacional, em Haia, nesta segunda-feira, 19.

Rutte destacou que o sistema infringiu "sofrimentos indescritíveis" e, por causa disso, a escravidão deve ser reconhecida e condenada "nos termos mais claros". "Durante séculos, o Estado holandês e seus representantes permitiram, fomentaram, mantiveram e se beneficiaram da escravidão.

"Pessoas se tornaram mercadorias, exploradas e abusadas", lamentou o premiê. "Hoje, em nome do governo holandês, peço desculpas pela ação do Estado holandês no passado", completou.

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O primeiro-ministro holandês também admitiu que, durante muito tempo, ele próprio pensou que "não é possível assumir a responsabilidade de maneira significativa", por algo ocorrido no passado e de que não se foi testemunha em pessoa.

Hoje, ele considera uma ideia equivocada, porque os "séculos de opressão e exploração" ainda afetam a sociedade atual. O discurso na íntegra foi compartilhado em sua página oficial no Twitter.

A escravidão na Holanda

O comércio legal de escravos terminou em 1814, mas seguiu nas colônias holandesas até 1873. "Mais de 600 mil mulheres e crianças africanas escravizadas foram enviadas ao continente americano em condições espantosas, por holandeses traficantes de escravos. Foram separados de suas famílias, desumanizados, transportados e tratados como gado", disse Rutte.

Tudo acontecia sob a autoridade governamental da Companhia das Índias Ocidentais, enquanto que, na Ásia, de 600 mil a 1 milhão de pessoas foram traficadas dentro das áreas controladas pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, entre os séculos XVII e XIX. "Os números são absurdos.

O sofrimento humano por trás disso é ainda mais inimaginável. São incontáveis as histórias e testemunhos de sobreviventes que provam como a crueldade e a arbitrariedade não tinham limites no sistema escravista", disse o premiê.

A Holanda desempenhou um papel fundamental no comércio transatlântico de escravos. Embora a escravidão fosse proibida no país, era legal - e crucial para as plantações lucrativas - em colônias holandesas como Brasil, Indonésia e Suriname. Mesmo depois que a escravidão foi abolida nas colônias, os escravos foram obrigados a continuar trabalhando nas plantações por mais uma década para minimizar as perdas para os proprietários de escravos.

As desculpas do governo pela escravidão são raras. Em 2018, a Dinamarca pediu desculpas a Gana pelo papel dos dinamarqueses no comércio transatlântico de escravos. Durante uma visita ao Congo neste verão, o rei da Bélgica expressou seu "mais profundo pesar por essas feridas do passado", mas não chegou a se desculpar.

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"Acho que todos os países com passado colonial estão passando por esse processo agora, e eu não diria que a Holanda está à frente", disse Pepijn Brandon, professor de história econômica e social global da Universidade Livre de Amsterdã, que estudou a escravidão atlântica do século XVIII para a economia holandesa. "Até alguns anos atrás, havia um silêncio profundo na Holanda sobre seu passado escravocrata", complementou.

Ele acrescentou que também houve uma reação às desculpas, principalmente entre os holandeses brancos. "Uma minoria de holandeses brancos acha que desculpas são necessárias", disse ele.

O governo holandês anunciou a criação de um fundo de 200 milhões de euros para aumentar a "conscientização, envolvimento e acompanhamento" sobre o papel do país na escravidão. Também propôs criar um comitê de memória independente.

Desculpas de Mark Rutte geraram polêmica

A preparação para o pedido de desculpas de Rutte foi polêmica, com vários grupos de descendentes dizendo que o governo não os havia consultado e que a ocasião carecia de qualquer significado. Armand Zunder, presidente da Comissão Nacional de Reparações do Suriname, disse que o discurso não foi longe o suficiente. "O que faltou completamente neste discurso é responsabilidade e prestação de contas", disse ele, enfatizando a necessidade de reparações.

O pedido veio após décadas de apelos de organizações que representam descendentes de escravos, que também lamentaram o fato deste ocorrer em uma data que não tem significado especial no país. Ativistas queriam que o gesto acontecesse em 1º de julho, na comemoração da abolição formal da escravidão no Suriname e nas Antilhas Holandesas, em 1963, embora ainda tenha ocorrido trabalho forçado por mais dez anos em plantações.

O dia 1º de julho marca 150 anos desde o fim da escravidão nas colônias holandesas, e no próximo ano foi declarado um ano nacional de lembrança. Parte do motivo pelo qual o pedido de desculpas aconteceu na segunda-feira, disse Rutte, foi porque ele queria fazê-lo antes do início das comemorações oficiais.

Neste mês, seis organizações surinamesas da Holanda esperavam adiar o pedido de desculpas até aquela data, mas um juiz negou o pedido. "Sabemos que não há um momento certo para todos", disse Rutte. "Não existem as palavras certas para todos ou o lugar certo para todos." Ele também reconheceu que a preparação para o pedido de desculpas "poderia ter sido melhor". Mas, disse ele, "não deixe que isso seja motivo para não fazer nada"

Também houve críticas pela falta de envolvimento das comunidades escravizadas tanto no processo, como no conteúdo do discurso de Rutte. O premiê garantiu que a intenção dele não é "apagar essas páginas com algumas desculpas" e que o gesto é "uma vírgula, não um ponto final" no assunto. (Com agências internacionais).

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