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Hillary vence o primeiro debate

Sérgio Teixeira Jr., de Nova York Diante da maior audiência de sua vida, com dezenas de milhões de americanos acompanhando o primeiro debate da eleição presidencial de 2016, Donald Trump foi apenas Donald Trump. O candidato do Partido Republicano não ofendeu nem fez comentários deselegantes em relação à adversária, é verdade. Mas Trump tampouco apresentou […]

HILLARY E TRUMP: o que falta na campanha deste ano são justamente os valores que fizeram dos EUA o que eles são hoje: individualismo e liberdade / Reuters

HILLARY E TRUMP: o que falta na campanha deste ano são justamente os valores que fizeram dos EUA o que eles são hoje: individualismo e liberdade / Reuters

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Da Redação

Publicado em 27 de setembro de 2016 às 07h16.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.

Sérgio Teixeira Jr., de Nova York

Diante da maior audiência de sua vida, com dezenas de milhões de americanos acompanhando o primeiro debate da eleição presidencial de 2016, Donald Trump foi apenas Donald Trump. O candidato do Partido Republicano não ofendeu nem fez comentários deselegantes em relação à adversária, é verdade. Mas Trump tampouco apresentou algo novo que o ajudasse a credenciá-lo para a Casa Branca ou a conquistar eleitores indecisos. Depois de um começo seguro, falando sobre exportação de empregos e comércio internacional, Trump pareceu pagar o preço da falta de preparo. A opinião dos analistas foi unânime: Hillary Clinton venceu este primeiro confronto, com folga.

A candidata democrata à sucessão de Barack Obama jogou isca atrás de isca, e Trump mordeu quase todas, interrompendo a adversária, elevando o tom de voz, se enrolando nas respostas ou simplesmente fugindo do assunto. A grande questão agora é se o debate da noite desta segunda-feira terá algum impacto nas pesquisas. Trump vem dizendo essencialmente as mesmas coisas – e evitando as mesmas perguntas – há mais de um ano. Apesar disso, as sondagens mais recentes indicam que ele está praticamente empatado com Hillary Clinton, e a disputa em estados críticos no Colégio Eleitoral, que no fim das contas são os votos mais cobiçados pelos dois candidatos, está extremamente acirrada. A eleição presidencial americana acontece em 6 de novembro.

O debate começou com emprego, um dos temas centrais da campanha do republicano. Hillary Clinton tentou explorar as complexidades da globalização e a importância do comércio internacional. Falou sobre o equilíbrio entre trabalho e vida familiar e sobre distribuição de lucros. Trump foi direto ao seus inimigos prediletos, China e México. “Os empregos estão fugindo do nosso país”, disse Trump. Ele repetiu sua crítica ao Nafta, o acordo de livre comércio da América do Norte, ou “o pior acordo comercial da história dos Estados Unidos”. “Se você acha que vai produzir ar-condicionado fora e trazer de volta para os Estados Unidos sem pagar impostos, está errado”, disse Trump, em referência ao fechamento de uma fábrica da Carrier. Segundo

Trump, a companhia estaria levando 1 400 empregos para o México. A base mais sólida de apoio a Trump é composta por eleitores brancos desencantados com a globalização, e o empresário certamente não perdeu nenhum eleitor com mais uma diatribe protecionista.

Mas logo depois vieram as perguntas sobre impostos, e a situação de Trump começou a se complicar. Não por causa de suas propostas de cortes generalizados para todos os americanos, mas sim porque o assunto logo se voltou contra ele. Hillary Clinton aproveitou o momento para introduzir um dos flancos mais vulneráveis de Trump. Até agora ele vem se recusando a divulgar sua declaração de impostos, pois estaria passando por uma auditoria de rotina. Pressionado, Trump disse que publicaria sua declaração de rendimentos se a adversária trouxesse a público os 33 000 emails apagados da conta privada que ela usou quando estava à frente do Departamento de Estado.

Hillary insistiu: “Há 40 anos os candidatos divulgam suas declarações de rendimentos. Por que [Trump] não o faz? Talvez porque ele não quer que a população americana, todos vocês assistindo hoje, saiba que ele não paga nada de impostos federais”. Ao que Trump respondeu: “O que significa que sou inteligente”. Instantes depois, quando Hillary afirmava que Trump não estaria contribuindo com o Orçamento do país, ele fez outra intervenção: “[O dinheiro] provavelmente seria desperdiçado”. O comentário não foi explorado, mas algumas analistas interpretaram a frase como uma admissão de que Trump de fato não pagou nada ao fisco.

Trump também tropeçou quando o assunto foram as relações raciais nos Estados Unidos, um tópico em destaque este ano com as mortes de negros desarmados pelas mãos da polícia. Em vez de falar sobre o assunto, o republicano falou em “lei e ordem” e defendeu uma política conhecida como “stop and frisk” (parar e revistar), adotada pelo ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani nos anos 1990. Quando o moderador do debate, o jornalista Lester Holt, interrompeu Trump afirmando que essa prática foi considerada inconstitucional pela Justiça, Trump se irritou e repetiu variadas vezes que aquilo não era verdade (de fato, esse tipo de prática foi declarado ilegal por visar negros e hispânicos em sua maioria). Depois, questionado sobre a alegação feita em 2011 de que Barack Obama não teria nascido nos Estados Unidos – uma afirmação falsa –, Trump mais uma vez se enrolou e tentou jogar a culpa do escândalo em Clinton, quando ela disputou as primárias contra Obama. Questionado sobre o processo que a empresa de seu pai (na qual ele trabalhava) sofreu por discriminação racial no aluguel de apartamentos, Trump não negou a acusação essencial e respondeu apenas que o processo foi objeto de acordo sem admissão de culpa.

Mas o momento mais embaraçoso para Trump aconteceria nos momentos finais do debate, na discussão sobre segurança nacional. O republicano afirmou mais uma vez que o ISIS só emergiu graças ao vácuo de poder deixado por Obama e Hillary no Iraque. Mas a frase abriu o caminho para outra vulnerabilidade de Trump. O moderador Holt mencionou que ele inicialmente não se manifestou contra a Guerra do Iraque, mas Trump passou alguns minutos tentando provar que sim, fora contra o conflito desde a primeira hora. Trump mencionou conversas com um âncora da rede de TV Fox News e uma entrevista dada a um famoso apresentador de rádio, mas simplesmente não conseguiu convencer – e não há registros de declarações do empresário contra a invasão antes de 2002.

Trump também voltou a reclamar que os Estados Unidos pagam a maior parte das contas da aliança militar ocidental, mas política internacional não é seu ponto forte.

Hillary Clinton, ex-secretária de Estado e ex-senadora com vasta experiência em diplomacia global, defendeu a permanência dos Estados Unidos na Otan e procurou assegurar aliados tradicionais do país, como Coreia do Sul e Japão, de que o país vai manter sua palavra e continuará lhes oferecendo sua proteção. “Palavras são importantes quando você se candidata e são realmente importantes quando você é presidente”, disse a democrata. “Deixe-me dizer, nossos amigos Japão e Coréia do Sul: ‘nós mantemos nossas promessas’.”

Na última interação do debate, Hillary Clinton aproveitou para lembrar as declarações misóginas feitas por Trump ao longo do último ano. “Este é um homem que chamou mulheres de porcas, desleixadas e cachorras, uma pessoa que disse que a gravidez é uma inconveniência para os empregadores, que disse que as mulheres não merecem salários iguais se não trabalharem tão bem quanto os homens”, disse a candidata. Trump afirmou apenas que os comentários tinham sido dirigidos a Rosie O’Donnell, uma comediante com quem ele travou discussões públicas. Mas Trump também afirmou que tinha algo “extremamente duro” para dizer sobre Hillary, mas na sequência disse: “Não posso, não posso”. Falando a jornalistas na saída do debate, ele disse estar orgulhoso de ter-se contido porque Bill Clinton e Chelsea, a filha do casal, estavam na plateia.

Há quase quatro meses, quando ficou claro que Trump levaria a indicação para disputar a Presidência pelo Partido Republicano, espera-se o momento em que o empresário vá mudar o tom e passar a falar com um candidato tradicional – ou pelo menos um pouco. Não foi o que aconteceu na convenção do partido, e também não foi o que se viu no primeiro debate. Trump pode não ter perdido eleitores, mas é duvidoso que ele tenha conquistado os votos de mulheres, negros e latinos – todos segmentos essenciais para chegar à Casa Branca. Restam seis semanas de campanha e outros dois debates.

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