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Guerras, tarifas, clima: reunião de chanceleres do Brics ocorre no Rio nesta segunda

Brasil aposta na liderança diplomática e no fortalecimento do multilateralismo durante encontro

Reunião do Brics: chanceleres discutem conflitos, tarifaço e mudanças climáticas no Rio de Janeiro (Divulgação/ Presidência da República)

Reunião do Brics: chanceleres discutem conflitos, tarifaço e mudanças climáticas no Rio de Janeiro (Divulgação/ Presidência da República)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 28 de abril de 2025 às 07h10.

Última atualização em 28 de abril de 2025 às 07h11.

O encontro de chanceleres do Brics, nesta segunda e terça-feira no Rio de Janeiro, servirá para que as nações associadas ao grupo se posicionem sobre temas geopolíticos delicados, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e a ocupação de Israel na Faixa de Gaza. Após a ampliação do fórum, agora com 11 países, a expectativa é que o Brasil use a condição de anfitrião do evento preparatório para costurar compromissos em defesa de uma visão de mundo multilateral.

Além disso, a diplomacia do governo Luiz Inácio Lula da Silva trabalha para fortalecer o chamado Sul Global. Durante as discussões, o Itamaraty deve sofrer pressão da China para se contrapor de forma clara ao isolacionismo dos Estados Unidos e à política tarifária de Donald Trump.

Novo formato e temas estratégicos

Será a primeira vez que os chanceleres se reunirão no novo formato do organismo. Juntamente com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, agora fazem parte do grupo Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.

Ao apresentar as prioridades da presidência do Brics, o Brasil aposta também em outros temas estratégicos, como mudanças climáticas, inteligência artificial, cooperação em saúde, reforma do Conselho de Segurança da ONU e fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A discussão ocorrerá no prédio do Palácio do Itamaraty no Rio. Segundo negociadores brasileiros, os chanceleres vão negociar a declaração final a ser assinada no início de julho, quando os chefes de Estado se reunirão também na capital fluminense.

Conflitos internacionais e influência no Oriente Médio

Na visão de diplomatas, a inclusão de países como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito pode fortalecer o grupo para sugerir portas de saída para a ocupação na Faixa de Gaza, já que essas nações possuem influência no Oriente Médio. Mas qualquer solução dependeria de abertura maior do governo de Israel, hoje uma hipótese cada vez mais distante.

O conflito do Leste Europeu também apresenta desafios, principalmente no momento em que os Estados Unidos ameaçam sair das negociações de paz e a União Europeia mantém seus laços com a Ucrânia. No caso do Brics, qualquer sugestão passaria pela avaliação da Rússia, país que invadiu a nação vizinha.

Para o Brasil, a reforma da ONU terá prioridade nas conversas entre chanceleres. O país é candidato a uma vaga permanente no Conselho de Segurança e espera o apoio da China. A Rússia já fez isso.

Clima, inteligência artificial e novas declarações

A revitalização da OMC, proposta pelo Brasil, pode ser uma resposta diplomática à política comercial de Trump, segundo um integrante do governo brasileiro. O órgão está fragilizado e em crise de credibilidade.

Os chineses, porém, devem sugerir uma oposição mais clara à política do presidente americano, inclusive com a intenção de transformar o tarifaço em uma das discussões centrais da cúpula.

De acordo com pessoas envolvidas nas discussões, o governo brasileiro já enviou sinais aos Estados Unidos de que não há possibilidade de o Brics se transformar em uma força contra o Ocidente. Isso teria tranquilizado a Casa Branca.

Documentos adicionais

Se depender do Brasil, junto com a costumeira carta que sairá da cúpula de líderes no Rio, dois outros documentos serão lançados. O Brasil negocia uma declaração específica sobre financiamento do combate à mudança do clima e outra sobre governança da inteligência artificial.

Reafirmar que não se pode debater mudança climática sem enfrentar as desigualdades globais e sem fortalecer o multilateralismo — o que implica pressionar os países desenvolvidos a cumprirem seus compromissos no âmbito do Acordo de Paris e garantirem os recursos necessários ao financiamento climático — será um desafio. Já a inteligência artificial será destacada como uma ferramenta de inclusão social e impulso a avanços em áreas estratégicas.

Saúde, moedas locais e novos membros

Para a diretora do Brics Policy Center e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Marta Fernández, o Brasil deve centrar sua agenda no fortalecimento de órgãos multilaterais.

— O Brasil, na presidência rotativa do Brics, tem buscado consolidar uma agenda propositiva do Sul Global, baseada na defesa do multilateralismo e da cooperação Sul-Sul. Para que essa agenda avance, será essencial preservar e revitalizar instâncias como a ONU, a OMC, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o próprio Acordo de Paris, justamente os pilares ignorados ou atacados pela política externa dos Estados Unidos sob Donald Trump — diz Fernández. — Reforçar o multilateralismo e coordenar posições é, para os países do Brics, a única estratégia viável de sobrevivência e projeção diante de um ambiente hostil e imprevisível, onde soluções bilaterais pontuais não oferecem ganhos sustentáveis nem proteção coletiva.

Professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Ana Garcia lembra que a agenda da presidência brasileira do Brics está muito acelerada, porque foi comprimida em meio ano. Isso porque o governo brasileiro concentrou todas as atividades no primeiro semestre para se dedicar à conferência mundial sobre o clima, a COP30, em Belém (PA), no segundo semestre.

A especialista avalia também que o uso de moedas locais para o comércio será abordado na reunião de chanceleres, mas com menos chance de virar um grande tema.

— A redução da dependência do dólar não é uma agenda que encontra consenso. Quem tem mais interesse são a Rússia e o Irã. Além disso, o Brasil busca a ampliação do comércio, para diminuir um pouco o peso da agenda monetária. No Brics, se você tira a China, o comércio é muito pequeno. E há um potencial grande para o Brasil — observa.

Outro ponto a ser discutido pelos chanceleres são os critérios sobre o ingresso de novos membros. Hoje, para ser admitido como membro, o país interessado deve, entre outras condições, manter boas relações diplomáticas com os demais integrantes do grupo, fazer parte da ONU e não adotar sanções sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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