O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro ( Federico Parra/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 24 de julho de 2024 às 16h59.
As declarações do líder da Venezuela, Nicolás Maduro, contra o sistema eleitoral brasileiro irritaram integrantes do Palácio do Planalto e de assessores diplamáticos do governo Lula, que até agora vem tentando contemporizar a relação a relação com o antigo aliado do petista a dias das eleições no país.
Maduro afirmou que as eleições no Brasil são inauditáveis — o que é largamento rebatido pelas instituições brasileiras —, adotando uma narrativa comum a setores da direita e extrema direita. Sem apresentar nenhum prova, Maduro fez a declaração sobre o tema durante um comício entre a noite de terça-feira e a madrugada de quarta em Maracay, no Estado de Aragua, numa escalada retórica com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Auxiliares de Lula ficaram especialmente irritados porque as declarações de Maduro se aproximam de críticas feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao sistema eletoral do país. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pela realização de uma reunião com embaixadores estrangeiros, no Palácio da Alvorada, na qual difamou sem provas o sistema eleitoral brasileiro.
Apesar disso, o Itamaraty não vai responder às provocações, por considerar que não é o momento de bater boca com Maduro às vésperas das eleições de domingo. Em uma avaliação interna, mais importante é evitar um confronto direto com Maduro que possa, de alguma forma, atrapalhar o que se espera de um processo democrático no país vizinho.
Maduro criticou não apenas o processo eleitoral no Brasil, mas também os dos EUA e da Colômbia, países amplamente considerados democráticos. O presidente também disse aos seus apoiadores que a Venezuela — onde a oposição denuncia uma série de repressões, incluindo prisões e inabilitações de candidaturas — tem "o melhor sistema eleitoral do mundo".
— Em que outra parte do mundo se faz isso? Nos EUA? É inauditável o sistema eleitoral. No Brasil? Não auditam nenhum registro. Na Colômbia, não auditam nenhuma ata. Na Venezuela, auditamos no momento, na mesa — disse Maduro.
A resposta foi dada, nesta quarta-feira, pelo TSE. A Corte afirmou que o boletim emitido pelas urnas eletrônicas brasileiras é um "relatório totalmente auditável". O TSE vai enviar servidores para acompanhar in loco a eleição presidencial na Venezuela.
Para integrantes do governo, a declaração afetou uma das bandeiras mais caras para o Brasil e toda a América Latina: a democracia.
No mesmo discurso, o presidente da Venezuela afirmou que reconhecerá e defenderá o que for decidido na eleição. Maduro concorre com Edmundo González, candidato que representa a oposição.
Há, entre alguns importantes interlocutores ouvidos pelo GLOBO, a impressão de que Maduro não vai querer deixar o poder. Aí, sim, seria o caso de uma condenação, com a participação de países de dentro e fora da região. Mas a postura é de cautela e esperança de que a eleição transcorra democraticamente e sem violência.
A fala de Maduro é o mais novo desdobramento de uma série de declarações, desde que o presidente venezuelano advertiu, também em um comício, que o país estava diante do risco de um "banho de sangue" e uma "guerra civil" caso não fosse reeleito.
Outra provocação de Nicolás Maduro foi em resposta à preocupação expressada por Lula, que disse ter ficado "assustado" com a ameaça feita feita pelo venezuelano de um possível "banho de sangue".
Na primeira menção ao presidente venezuelano após a fala do banho de sangue, Lula foi evasivo e afirmou que os venezuelanos "que elejam os presidentes que quiserem", ressaltando que o país não tem contenciosos pelo mundo e que "o Brasil tem que gostar de todo mundo".
Com a repercussão das falas de Maduro e um movimento regional de pressão, incluindo um pedido conjunto de Argentina, Costa Rica, Guatemala, Paraguai e Uruguai pelo "fim do assédio e da perseguição e repressão" a opositores pelo regime chavista, Lula retomou o tema em uma coletiva de imprensa com agências internacionais. O presidente se disse "assustado" com as falas de Maduro.
Sem citar o nome do presidente brasileiro, Maduro reagiui e sugeriu que quem estiver se sentindo assim, tome um chá de camomila.
Em Brasília, a avaliação é que Maduro "jogou para a plateia" — disse isso no calor da campanha pré-eleitoral.
Na segunda-feira, o presidente Lula anunciou que enviaria o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, para acompanhar as eleições. Lula tem defendido o respeito pelo que foi acordado nos Acordos de Barbados, documento assinado no país que garante a plena participação da oposição e resultados reconhecidos por todos, e evita fazer críticas diretas ao líder do país vizinho.