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Governo Lula endossa tese de imunidade que pode permitir vinda de Putin ao Brasil

A convite de Lula, Putin avalia desembarcar no Rio em novembro, para participar da Cúpula do G20

Putin (Mikhail Klimentyev/Getty Images)

Putin (Mikhail Klimentyev/Getty Images)

Estadão Conteúdo
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Agência de notícias

Publicado em 1 de abril de 2024 às 17h19.

Última atualização em 1 de abril de 2024 às 18h32.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva levantou e endossou a tese da imunidade de chefes de Estado, que pode abrir caminho para a presença do presidente russo, Vladimir Putin, no Brasil. A convite de Lula, Putin avalia desembarcar no Rio em novembro, para participar da Cúpula do G20, mesmo sendo alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por causa da guerra na Ucrânia.

Como o Brasil faz parte do tratado do TPI, em tese, deveria cumprir a ordem de prender Putin, mas o governo resiste. Os dois principais auxiliares do presidente na definição dos rumos da política externa, o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o ex-chanceler Celso Amorim (chefe da Assessoria Especial da Presidência da República) já expressaram em entrevistas recentes que Putin é bem-vindo e poderia estar protegido por algum grau de imunidade para chefes de Estado.

O posicionamento do governo Lula está em um documento remetido às Nações Unidas. O assunto da imunidade de chefes de Estado e outras autoridades será mais uma vez alvo de discussão na 75ª sessão da Comissão de Direito Internacional, entre 29 de abril e 31 de maio e de 1º de julho a 2 de agosto. O colegiado debate a elaboração de uma norma sobre o assunto.

O alcance da "Imunidade de Autoridades de Estado à Jurisdição Criminal Estrangeira" vem sendo debatido longamente na comissão. Em 2007, passou a ser um tópico permanente da agenda de debates, por decisão da Assembleia Geral. No entanto, é a primeira vez que o Brasil envia um posicionamento, conforme um sumário das Nações Unidas.

O Estadão teve acesso ao documento de seis páginas, enviado pelo governo brasileiro para discussão mais ampla na comissão. O caso de Putin no G20 se encaixa no debate, embora não seja mencionado no documento, nem alvo direto do debate — o colegiado não aprecia um caso em concreto. A existência do documento, produzido em novembro de 2023, foi revelada pela Folha de S. Paulo.

No texto, o governo expressa que a imunidade é "essencial para promover a solução pacífica de controvérsias internacionais e relações amistosas entre Estados, inclusive ao permitir que autoridades de Estado participem de conferências diplomáticas e missões em países estrangeiros".

A diplomacia brasileira também expressa um argumento que vem sendo usado por Moscou, o da "politização" das cortes e conferências multilaterais internacionais. Segundo o governo Lula, a imunidade impede o exercício "abusivo, arbitrário e politicamente motivado" da jurisdição penal contra representantes de Estados.

O cerne do argumento usado pelo Brasil é que os mandados de prisão do TPI devem alcançar somente os países que façam parte do tratado, bem como representantes desses países.

"É uma norma básica do direito internacional geral, codificada no artigo 34 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que 'um tratado não cria obrigações ou direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento'", argumenta o governo brasileiro.

A Rússia assinou a fundação do TPI, em 2000, mas retirou sua participação em 2016, por causa de manifestações da Corte a respeito da invasão da Crimeia, em 2014.

Politicamente, a possibilidade de prisão do Putin no Brasil é considerada remota, por causa das implicações geopolíticas e diplomáticas da detenção do líder da segunda maior potência militar do planeta, detentora de armas nucleares e envolvida diretamente em uma guerra.

O TPI ordenou a prisão de Putin em 27 de março do ano passado, por crime de guerra cometido, em tese, na deportação ilegal, para a Rússia, de crianças ucranianas desde o território invadido e ocupado pelas tropas de Moscou. Presidente da Corte, o juiz polonês Piotr Hofmanski afirmou na ocasião que a efetiva prisão do líder russo dependia da colaboração dos países.

"O TPI está fazendo a sua parte no trabalho. Como um tribunal de Justiça, os juízes expediram o mandado de prisão. A execução desse mandado depende da colaboração internacional", afirmou Hofmanski.

O mandado de prisão de Putin, expedido pelo TPI, tem afastado o russo de circulação internacional. Desde a guerra na Ucrânia, ele passou a se ausentar de participar de cúpulas de chefes de Estado.

Embora a Índia e a Indonésia não sejam parte do TPI, o russo deixou de ir às cúpulas do G20 em Nova Délhi (2023) e Bali (2022).

No ano passado, desistiu de comparecer à reunião do Brics em Johannesburgo, porque a África do Sul é signatária do TPI. A ida de Putin gerava longa controvérsia entre os sul-africanos. Lula, por sua vez, confirmou que irá à reunião do Brics em Kazã, na Rússia, em outubro deste ano.

Em setembro de 2023, no G20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no País. Depois, em entrevista coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no País e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.

O governo brasileiro tem objetado tentativas de países aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7, de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e, em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões no ano passado.

Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a possibilidade de reavaliar a participação no Estatuto de Roma, que criou o TPI, por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de Celso Amorim.

"Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", argumentou Lula, na quinta-feira, dia 28. "Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda."

Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24 de fevereiro de 2022.

Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito.

Na semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo "nervosismo" dos europeus com Putin e disse que os "bicudos vão ter de se entender". O presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa eleição controlada que foi alvo de contestação internacional.

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