Incêndio em cidade do Iêmen após bombardeios (AFP)
Agência de notícias
Publicado em 24 de março de 2025 às 18h31.
O jornalista e editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, revelou nesta segunda-feira ter sido incluído, aparentemente por engano, em um grupo formado por integrantes do alto escalão do governo dos EUA, e que discutiu detalhadamente os planos para um ataque contra os houthis no Iêmen. A Casa Branca disse que as mensagens “parecem ser autênticas”, e Trump disse desconhecer a troca de textos.
Em reportagem publicada no site da revista, Goldberg afirma ter recebido, no dia 11 de março, um pedido de conexão de uma pessoa identificada como Michael Waltz no aplicativo de mensagens Signal, considerado mais seguro do que serviços como o WhatsApp ou o Telegram. O jornalista inicialmente pensou se tratar de um assessor do conselheiro de Segurança Nacional de Trump, ou alguém querendo se passar por ele.
Dois dias depois, Goldberg foi incluído em uma conversa de grupo, destinado a coordenar discussões sobre uma potencial ação militar contra a milícia houthi no Iêmen — o grupo, aliado do Irã, foi responsável por ataques a embarcações na entrada do Mar Vermelho e contra o território de Israel, como retaliação pela guerra em Gaza. Como apontou o jornalista, a ordem dada foi para que os envolvidos no diálogo indicassem seus melhores assessores para atuarem na coordenação da ofensiva.
Foi quando a lista dos membros começou a surgir, e quando Goldberg percebeu que teria acesso a uma discussão de segurança nacional que nenhum jornalista deveria acompanhar. O primeiro a digitar e indicar um representante foi um usuário identificado como MAR, iniciais do nome do secretário de Estado Marco Rubio. Em seguida, outro usuário, identificado como JD Vance — vice-presidente dos EUA — fez sua indicação, seguido por chefes de serviços de inteligência, dos Departamento do Tesouro e de Defesa, além do Conselho de Segurança Nacional.
“Após receber o texto de Waltz relacionado ao ‘pequeno grupo Houthi PC’ (nome do grupo), consultei vários colegas. Discutimos a possibilidade de que esses textos fossem parte de uma campanha de desinformação, iniciada por um serviço de inteligência estrangeiro ou, mais provavelmente, uma organização de mídia provocadora”, escreveu Goldberg. “Eu tinha dúvidas muito sérias de que esse grupo fosse real, porque não conseguia acreditar que a liderança da segurança nacional dos Estados Unidos se comunicaria no Signal sobre planos de guerra iminentes.”
No dia seguinte, o grupo foi cenário de uma discussão intensa sobre a justificativa da ação militar. Vance jogou dúvidas sobre a real necessidade de atacar os houthis, sugerindo que a operação fosse adiada em um mês. Pete Hegseth, secretário de Defesa, foi contra, apontando dois riscos com a demora: “isso vazar e parecemos indecisos” e “Israel tomar uma atitude primeiro – ou o cessar-fogo em Gaza desmoronar”. Vance pareceu ceder, e completou: “Eu simplesmente odeio salvar a Europa novamente”, se referindo ao elevado volume de embarcações europeias que passam pela região.
Na manhã do dia 15 de março, horas antes das bombas começarem a cair sobre o Iêmen, Hegseth compartilhou dados sobre o ataque no grupo — na reportagem em que conta o incidente, Goldberg disse que não tornaria essas informações públicas “porque poderia ter sido usado para prejudicar militares e pessoal de inteligência americanos, particularmente no Oriente Médio”.
Goldberg deixou a conversa um dia depois do ataque, e enviou mensagens a alguns dos presentes no grupo questionando sua veracidade. De Brian Hughes, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, ouviu que o diálogo parecia ser autêntico, e que havia iniciado uma investigação sobre “como um número inadvertido foi adicionado”. William Martin, porta-voz de Vance, reiterou que o vice-presidente está completamente alinhado a Trump — durante o diálogo, Vance pareceu insatisfeito com os planos para um ataque imediato.
“O vice-presidente Vance apoia inequivocamente a política externa desta administração. O presidente e o vice-presidente tiveram conversas subsequentes sobre este assunto e estão em total acordo”, escreveu Martin.
Horas depois da publicação, a Casa Branca confirmou que as mensagens parecem ser autênticas, e Trump disse a jornalistas não ter informações sobre o incidente, que envolve uma publicação atacada de forma recorrente por ele.
— Não sei nada sobre isso — afirmou. —Não sou um grande fã da The Atlantic. Para mim, é uma revista que está saindo do mercado. Acho que não é uma revista muito boa. Mas não sei nada sobre isso.
No Congresso, as críticas à forma como integrantes do governo usaram um aplicativo para discutir temas de segurança nacional, dando acesso a um jornalista que não tem as credenciais necessárias para tal, se acumularam.
— Parece uma grande confusão —, disse o senador republicano John Cornyn. — Existe alguma outra maneira de descrever isso? Posso usar uma palavra diferente, mas você entendeu. Espero que a [inteligência] interagências analise isso. Parece que alguém deixou a bola cair.
Pat Ryan, deputado democrata, exigiu a realização de uma audiência na Câmara sobre o incidente, e o senador Chris Coons, do mesmo partido, afirmou no X que “cada um dos funcionários do governo neste grupo cometeu um crime — mesmo que acidentalmente — que normalmente envolveria uma pena de prisão”.
Advogados consultados pela The Atlantic afirmaram que Waltz, ao criar o grupo para discutir temas sigilosos e de defesa nacional, pode ter violado a Lei de Espionagem. Eles apontaram ainda que as normas do governo federal impedem que temas do tipo sejam tratados em aplicativos de mensagens, e que os textos, sejam eles sigilosos ou não, não poderiam ser apagados, como aconteceu no grupo coordenado por Waltz.