Manifestante em frente ao congresso incendiado na Guatemala (Agence France-Presse/AFP)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de novembro de 2020 às 19h14.
O governo da Guatemala classificou neste domingo, 22, os incêndios provocados por manifestantes no Congresso, na noite de sábado, como "atos terroristas", enquanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o que chamou de "uso excessivo da força" pela polícia contra os opositores. Os manifestantes invadiram o prédio do Congresso, incendiaram um escritório no sábado e jogaram pedras na polícia. As chamas saíram da fachada neoclássica do prédio.
Eles exigem a renúncia do presidente conservador Alejandro Giammattei, criticado por não destinar recursos suficientes para combater a pobreza e a desigualdade em seu novo orçamento. Os opositores convocaram novos protestos pelas redes sociais, enquanto a Universidade de San Carlos, a única estatal do país, pediu uma paralisação nacional para a segunda-feira, embora não tenha recebido resposta de outros setores ou do poderoso setor empresarial.
No sábado, a polícia usou gás lacrimogêneo e cassetetes para empurrar os que estavam no local, atacando não apenas os cerca de mil manifestantes em frente ao Congresso, mas também os que estavam em frente ao Palácio Nacional. Alguns pontos de ônibus também foram danificados.
A CIDH escreveu no Twitter que condenava o uso excessivo da força pelas autoridades contra manifestantes, mas também pedia uma investigação sobre "os atos de vandalismo contra o Congresso após os quais agentes do Estado suprimiram indiscriminadamente o protesto".
"Os governos devem respeitar as manifestações pacíficas, mas quando confrontados com a violência, eles devem identificar pessoas - manifestantes ou terceiros - que põem direitos sob risco ou infringem propriedade do Estado."
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, afirmou neste domingo um comunicado que o governo e o Congresso devem "garantir a transparência, a prestação de contas e os mais elevados padrões no combate à corrupção, entendendo como prioritária a luta contra a desnutrição infantil". "Reiteramos que existe o direito ao protesto, que deve ser absolutamente garantido, mas não existe o direito ao vandalismo", ponderou.
Alegando cansaço e abuso, centenas de guatemaltecos queimaram no sábado a sede do Congresso, após a aprovação de um orçamento que não contempla aumentos na esfera social e prevê um forte endividamento público. "A Guatemala chora sangue, o povo já está farto, vivemos pisoteados por mais de 200 anos", disse um manifestante que não se identificou.
Giammattei alegou na sexta-feira, ao defender esse orçamento, que seu governo pensou em "reduzir despesas operacionais e concentrar esses recursos para atender as prioridades do país". "Além disso, reduzir o déficit fiscal e, como resultado, um menor endividamento", alegou.
O vice-presidente do país, Guillermo Castillo, que anteriormente se distanciou de seu presidente e pediu sua renúncia, pediu ontem ao Ministério Público (MP) que investigue os escritórios queimados do Congresso, mas também a repressão policial.
"É urgente que o MP abra uma investigação séria sobre o ocorrido ontem (sábado). O vandalismo é claro e também o uso excessivo da força policial", indicou. Na sexta-feira, Castillo ofereceu a Giammattei uma renúncia conjunta "pelo bem do país". Se os dois governantes renunciarem, o Congresso terá de juramentar o chanceler Pedro Brolo.
O ministro do Interior Gendri Reyes criticou em um discurso na noite de sábado os atos violentos no Congresso e disse que vão capturar os responsáveis pelo fogo no Congresso.
'Chega de corrupção'
Erguendo bandeiras azul e branco do país e cartazes que diziam "Chega de corrupção", "Fora Giammattei" e "Se meteram com a geração errada", os manifestantes encheram a praça central em frente ao antigo palácio do governo.
O país, onde há vários casos e denúncias de corrupção assim como demoras na designação de juízes, já vivenciou em 2015 a renúncia do então presidente Otto Pérez em meio a um caso de fraude alfandegária.
Além da rejeição ao novo orçamento, a indignação também diz respeito à opacidade na gestão dos recursos utilizados para enfrentar a pandemia de coronavírus, assim como a rejeição à criação de um superministério liderado por um jovem próximo ao presidente.
O Congresso aprovou empréstimos de mais de US$ 3,8 bilhões para atender a pandemia de coronavírus, mas apenas 15% desses recursos chegou aos guatemaltecos. A gestão da crise de saúde por parte de Giammattei, um médico de 64 anos, tem sido duramente criticada por seu vice-presidente, pela oposição e setores sociais que denunciam carências nos hospitais e dificuldades para atender os grupos afetados pelo confinamento. Segundo dados oficiais, a covid-19 deixou quase 120 mil casos e mais de 4 mil mortos neste país de 17 milhões de habitantes. (Com agências internacionais).