Bolívia: caso não haja consenso para o avanço do projeto, o governo cogita convocar novo pleito por decreto (Marco Bello/Reuters)
Agência Brasil
Publicado em 20 de novembro de 2019 às 14h01.
Última atualização em 20 de novembro de 2019 às 14h33.
A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, anunciou que convocará, nas próximas horas nesta quarta-feira (20), eleições gerais, uma demanda de vários setores da sociedade após as anuladas eleições de 20 de outubro.
"Se Deus permitir, hoje pela manhã, vamos lançar a convocação para as eleições, como todo país está pedindo", disse Áñez à imprensa, acrescentando que ainda não se definiu qual será o mecanismo legal - se por uma lei aprovada no Congresso, ou se por decreto supremo presidencial, em caso de ausência de consenso político.
Áñez afirmou que a convocação será observada por organismos internacionais e por outras instituições, como a Igreja católica, as quais vêm tentado mediar um diálogo interpartidário para agilizar uma nova disputa eleitoral e definir o cronograma do processo.
Um projeto de lei excepcional e transitória para a realização de novas eleições foi enviado ao Senado pelo governo interino do país. Caso não haja consenso para o avanço do projeto, o governo cogita convocar novo pleito por decreto.
As eleições do último dia 20 de outubro foram marcadas por fraudes e manipulações, verificadas por uma auditoria realizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Após a divulgação da auditoria, no dia 10 deste mês , e pressionado pelas Forças Armadas, o então presidente do país, Evo Morales, renunciou ao cargo e asilou-se no México.
A autoproclamada presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, assumiu o posto após a renúncia de Morales. Jeanine informou hoje que pretende convocar as eleições o quanto antes, respeitando a Constituição. "Faremos isso [convocar novas eleições] em conjunto com organizações internacionais e com todos aqueles que desejam enriquecer o projeto-base, que será útil para todos os bolivianos ", afirmou a presidente.
O projeto de lei, que já foi encaminhado para a Comissão de Constituição, será debatido a fim de viabilizar as novas eleições. O Congresso tem a missão de modificar o sistema eleitoral para permitir nova convocatória no prazo de 90 dias, contados a partir da renúncia de Morales, ocorrida no último dia 10.
"Primeiro, estaremos mais apegados à Constituição. Redigimos um projeto de lei básico, que provavelmente será corrigido, acordado e enriquecido por todos os setores envolvidos na lógica de pacificar o país e eleger nossos governantes", afirmou Jeanine Áñez.
Caso não haja consenso no Congresso, uma vez que a bancada do partido de Evo Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS), tem maioria nas duas Casas, o governo cogita convocar eleições por meio de decreto. "Obviamente, esgotando todas as instâncias, se o Congresso não nos permitir fazê-lo de maneira legal, bem, já procuraremos outros mecanismos, mas que o país terá eleições, isso sim, nós garantimos", afirmou a presidente interina.
O oficialismo não quer que os parlamentares tratem da renúncia de Morales, alegando que é um aspecto superado. Já os congressistas leais ao líder indígena pretendem rejeitar sua saída, com o argumento de que foi pressionado pelos militares.
A convocação para eleições é um mandato assumido por Áñez, ao ocupar a presidência do país há uma semana, assim como a formação de um novo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), depois que todas as autoridades deste órgão foram detidas.
A prisão e a investigação das autoridades do TSE se deram após uma auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) apontar irregularidades na eleição que teve o agora ex-presidente Evo Morales como vencedor, frente ao candidato Carlos Mesa.
Nesta quarta-feira, a maioria dos 35 países que compõem a OEA aprovou uma resolução para pedir que a Bolívia convoque novas eleições "urgentemente". O texto foi aprovado com 26 votos a favor; México, Nicarágua e São Vicente e Granadinas, contra; quatro abstenções; e uma ausência.
Eleições por decreto já foram convocadas antes na Bolívia, no mandato do presidente provisório Eduardo Rodríguez Veltzé (2005-2006), e servem como jurisprudência para o atual governo. No entanto, a presidente do Senado, Eva Copa, afirmou que tal ação seria inconstitucional. "Não podemos permitir que uma eleição seja feita por decreto, quando a Assembleia Legislativa estiver funcionando com legalidade e legitimidade", disse a senadora.
O ex-presidente Evo Morales insistiu, nesta quarta-feira (20), em que a repressão dos protestos é um "genocídio" na Bolívia, onde 27 pessoas morreram desde que explodiu a crise após as eleições e que levou à renúncia do líder indígena.
"Na Bolívia, depois do golpe de Estado, temos cerca de 30 mortos. Este massacre é parte de um genocídio que ocorre em nossa querida Bolívia", disse Morales, em entrevista coletiva na Cidade do México, para onde embarcou após renunciar e se encontra na condição de asilado político.
"Estão matando meus irmãos e irmãs", completou. "Faço um apelo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à ONU para que denunciem e freiem este massacre de irmãos indígenas que pedem paz, democracia e respeito à vida nas ruas", escreveu Morales, em sua conta no Twitter.
Do exílio, Morales lembrou que, após a interrupção da ordem constitucional, o Congresso boliviano não cumpriu o requisito de avaliar se aceitava, ou não, sua renúncia.
"Não permitem que volte para a Bolívia. Se a Assembleia (Congresso) não avaliou minha renúncia, eu sou presidente, e ainda, presidente eleito no primeiro turno", reivindicou Morales na mesma coletiva de imprensa.
O ministro interino de Governo da Bolívia, Arturo Murillo, apresentou nesta quarta uma gravação de áudio, a qual ele atribui ao ex-presidente Evo Morales. Nela, um homem instrui um líder "cocalero" a sitiar as cidades e cortar o abastecimento de alimentos.
"Que não entre comida nas cidades. Vamos bloquear, cerco de verdade", afirma a voz, em uma comunicação com o dirigente "cocalero" Faustino Yucra Yarmi, que "tem sentença executada por tráfico de drogas", relatou o ministro.
Ainda de acordo com Murillo, em uma entrevista coletiva, Morales "ordena que não entre comida nas cidades. Isso é um crime de lesa-humanidade. Nas próximas horas, apresentaremos a demanda internacional sobre isso".
Na mesma entrevista, ele também divulgou um texto que seria a transcrição deste suposto telefonema.
Segundo Murillo, o ex-presidente "está fazendo terrorismo".
"Não é possível que Evo continue colocando bolivianos em confronto com bolivianos, que ordene que não entre comida. É um crime de lesa-humanidade", insistiu.
No áudio, a mesma voz afirma: "Quando me expulsaram do Congresso em 2002, bloquearam e, agora, me expulsam da Bolívia, e há bloqueio. Vamos ganhar".
Na gravação, o homem suspeito de ser Evo Morales diz a Yucra que, se o Congresso rejeitar sua renúncia, vai "tentar entrar" no país, mesmo correndo o risco de ser preso.
(Com Agência Brasil e AFP)