Homem lê jornal La Nación em Buenos Aires (Jean-Pierre Muller/ AFP)
Da Redação
Publicado em 17 de dezembro de 2011 às 11h39.
Buenos Aires - O projeto de lei do governo argentino para regular a empresa de produção de papel para jornais Papel Prensa tem a intenção de "silenciar a imprensa independente", afirmou o diretor do diário La Nación, Julio Seguier, em entrevista à AFP.
A iniciativa da presidente Cristina Kirchner, aprovada nesta semana pela Câmara dos Deputados e levada ao Senado, declara o papel para jornal como um bem de interesse público, com o argumento de que é necessário regular sua atividade comercial para que deixe de ser controlado apenas pelos princípios de mercado.
A empresa Papel Prensa tem como acionistas majoritários os dois maiores jornais do país, Clarín (49%) e La Nación (22,49%), com participação do Estado (28,08%).
Segue a entrevista na qual Seguier respondeu por escrito:
AFP: O governo impulsiona no Congresso uma regulação no mercado de papel para jornais e na empresa Papel Prensa. Você acredita que o setor econômico precisa de reformas para melhorar sua competitividade ou a situação deveria permanecer como está?
Seguier: No tema do fornecimento de papel para jornais, as reformas introduzidas pelo governo a partir de argumentos falaciosos geraram um problema onde não havia. O objetivo é sem dúvida intervir na imprensa escrita com a manipulação de um de seus insumos básicos. A Papel Prensa abastece mais de 170 jornais no país. Para saber como o governo controlará o tema do acesso ao papel, basta observar como controla discretamente a pauta da publicidade oficial favorecendo exclusivamente os veículos amigos e negando recursos aos independentes.
Na Argentina, os jornais têm diversas fontes de abastecimento alternativo para o papel, pois, como não existe tarifas para sua importação, somam-se à Papel Prensa os fabricantes internacionais que de fato vendem o papel a preço inferior. Do ponto de vista empírico, a afirmação do governo em relação ao suposto monopólio da Papel Prensa é insustentável.
Uma das vítimas mais importantes dessas manobras vão ser aqueles que o governo diz proteger com esse avanço: as empresas jornalísticas pequenas e médias. De fato, as organizações que as reúnem, como a Adira (Associação de Jornais do Interior da República Argentina), já se manifestaram contrárias à intervenção do governo neste tema e advertem sobre o perigo de os jornais regionais fecharem por conta dessas medidas.
Não fazemos oposição ao fato de se promover a instalação de outras fábricas de papel nem que os jornais pequenos sejam subsidiados; mas nos opomos ao fato de uma sociedade anônima privada da qual o La Nación faz parte ser transformada em um monopólio estatal. Trata-se de um ataque à propriedade privada, de um confisco sem indenização aos proprietários da Papel Prensa.
AFP: Entidades empresariais de veículos da imprensa nacional e interamericanos denunciam que a iniciativa atenta contra a liberdade de expressão. Pensam em tomar medidas em matéria judicial ou pedir intervenção de órgãos internacionais?
Seguier: Inevitavelmente a questão será judicializada, pois com esta lei se violam os princípios constitucionais e tratados internacionais que fazem referência a como o controle do papel para jornais afeta a liberdade de imprensa. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) defendeu a imprensa escrita e diversas instituições vinculadas ao jornalismo transmitiram sua proecupação ao ver como a liberdade de imprensa está em risco em nosso país.
AFP: Você considera que o projeto oficial é parte de um confronto mantido pelo governo com alguns veículos da imprensa?
Seguier: Não há dúvida disso. Por trás do disfarce de garantir a pluralidade de vozes, busca-se impor um discurso único: o oficial. A urgência hoje é maior porque o governo está diante da necessidade imperiosa de realizar uma ajuste impopular e com esse fim se busca silenciar a imprensa independente.
Possivelmente estamos diante de uma das manipulações autoritárias que exigirão maiores explicações por parte do governo no futuro. E não será exclusivamente pelo avanço grosseiro sobre a imprensa, mas, sobretudo, pelos argumentos utilizados para prepará-lo.