São Paulo – Shin Dong-hyuk, o desertor que ficou famoso após contar ao mundo os horrores que viveu naquela que é considerada a pior prisão de toda a Coreia do Norte, voltou atrás em detalhes significativos de sua história.
A revelação veio à tona neste final de semana, depois de um comunicado divulgado pelo próprio autor de sua biografia (“Fuga do Campo 14”), o jornalista americano Blaine Harden.
“Na sexta-feira, dia 16 de janeiro, soube que Dong-hyuk havia contado para amigos uma história de vida que era substancialmente diferente daquela que consta no livro”, explicou Harden em nota. “Entrei em contato com ele no mesmo dia. Conversamos por horas e o pressionei para me contar os detalhes das mudanças”, disse o autor.
Segundo Harden, as principais alterações na história são as seguintes:
- Dong-hyuk contou de fato ter nascido no Campo 14, prisão que dá nome ao livro, mas foi transferido para outra prisão próxima, Campo 18, quando tinha apenas seis anos de idade e na companhia de sua mãe e seu irmão;
- Foi no Campo 18 que ele contou ter traído a mãe e o irmão ao contar aos guardas o plano de fuga da dupla. Foi lá que eles foram então executados. Anteriormente, este evento teria acontecido ainda no Campo 14;
- Ele diz ter escapado duas vezes do Campo 18, em 1999 e 2001. Na primeira vez ele foi recapturado dois dias depois. Já na segunda conseguiu chegar até a China, onde foi preso e enviado de volta ao país.
- Anteriormente, Dong-hyuk contou ter sido torturado aos 13 anos quando os guardas suspeitaram que ele poderia estar planejando uma fuga. Agora, ele diz ter sido torturado aos 20, no Campo 14 e logo que trazido da China. Foi mantido por seis meses em uma cela no subsolo;
- No livro, Dong-hyuk conta que parte do seu dedo havia sido amputada por um guarda depois de ele ter deixado cair uma máquina de costura no chão. Na realidade, contou ele a Harden, ele perdeu seu dedo durante uma sessão de tortura na qual retiraram as suas unhas.
Perguntado a razão pela qual decidiu por alterar estes detalhes de sua vida durante as entrevistas que deram origem ao livro, o ativista disse não ter imaginado a importância das informações. “Ele sabe que estas mudanças agora colocam em dúvida a sua credibilidade”, escreveu Harden que trabalhou por anos no jornal The Washington Post.
No Facebook, Dong-huyk se manifestou sem dar muitos detalhes sobre as mudanças que comentou com o jornalista. “Todos nós temos histórias ou coisas que gostaríamos de esconder”, disse ele em post publicado no sábado. “Eu também tentei ocultar partes do meu passado.”
“Para todas as pessoas que me apoiaram, confiaram em mim e acreditaram na minha história, sou muito grato e, ao mesmo tempo, peço desculpas para cada um de vocês”, escreveu ele sinalizando que esta seria a sua última manifestação pública sobre o tema.
Apesar das mudanças que agora devem ser feitas ao livro e em seu testemunho oficial, especialistas em direitos humanos ouvidos pelo jornal The Washington Post consideraram que as alterações não afetam a verdade fundamental dos horrores que vivem as pessoas presas em campos norte-coreanos.
O ativista é uma testemunha chave da Organização das Nações Unidas (ONU) nas investigações da entidade sobre violações de direitos humanos na Coreia do Norte. Seu relato se tornou ainda um dos fundamentos do processo movido pela entidade no Tribunal Penal Internacional.
Veja abaixo o comunicado de Dong-hyuk na íntegra e em inglês.
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1. Excêntrica
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1/14 (Reuters)
São Paulo –Conhecida por manter a sua população isolada do contato com o mundo exterior e pela forma exagerada com a qual cultua os seus líderes, a Coreia do Norte sempre surpreende o mundo com a excentricidade de seus decretos e atitudes. Por exemplo, antes da morte do “querido líder” Kim Jong-il em 2011, o governo proibiu que pessoas fossem registradas com o nome do atual chefe do país, Kim Jong-un, o “líder supremo”. O decreto deixou ainda uma observação: quem já se chamasse assim deveria realizar a troca voluntariamente. Em 2014 não foi diferente. Veja nesta galeria de imagens algumas das coisas inusitadas que a Coreia do Norte fez ao longo do ano.
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2. A vida do “líder supremo” é disciplina obrigatória nas escolas
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2/14 (Reuters)
O currículo escolar ganhou uma nova disciplina obrigatória: a
vida de Kim Jong-un. Segundo informações da imprensa da Coreia do Sul, a matéria será lecionada nos três anos do ensino médio no país. É um mistério a forma como tantas aulas serão preenchidas. Com idade estimada de 31 anos, Jong-un nunca teve os detalhes sobre a sua vida divulgados e não há notícias sobre fatos extraordinários realizados por ele.
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3. Foi lançado um manual de etiqueta para celulares
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3/14 (REUTERS/Jacky Chen)
Uma revista estatal publicou um
manual de etiqueta para que os norte-coreanos usem os celulares de forma adequada. As dicas do manual consideram, por exemplo, que as pessoas não devem falar alto ou discutir assuntos íntimos ao telefone e em público. Para as autoridades do país, este comportamento é “impensado e rude”.
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4. O acesso gratuito de estrangeiros à rede Wi-Fi foi cortado
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4/14 (Reprodução/ Vimeo)
Desde agosto, os estrangeiros na Coreia do Norte perderam o benefício de usar
a rede Wi-Fi gratuita oferecida pelo governo. E a justificativa para tal foi a de que o uso deste tipo de conexão “produz alguns efeitos”. Contudo, de acordo com a revista The Diplomat, a verdadeira razão parece ser o encarecimento dos imóveis localizados próximos aos órgãos que contavam com esta vantagem.
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5. Mr. Bean foi destaque em Festival de Cinema
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5/14 (Kyodo / Reuters)
A 7ª edição do maior
festival de cinema do país aconteceu em setembro e teve como lema “independência, paz e amizade”. Para marcar as festividades, a organização destacou duas importantes produções britânicas: "Mister Bean: O Filme", de 1997, e "Driblando o Destino", comédia de 2002 estrelada por David Beckham.
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6. O regime baniu as vendas do delicioso Choco Pie
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6/14 (Wikimedia Commons)
Como tantas outras populações do planeta, os norte-coreanos também são loucos por doces. Gostam tanto que um suculento bolinho de chocolate recheado com marshmallow chamado “Choco Pie” se tornou uma valiosa moeda no país. Fábricas até pagaram seus funcionários com a guloseima, pois era possível conseguir um bom dinheiro com a venda dela no mercado paralelo. A alegria durou pouco: o regime não gostou da valorização exacerbada de um produto capitalista e
baniu o bolinho do país.
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7. Oficiais ganharam carne e drogas de presente
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7/14 (Divulgação/KCNA)
Em setembro, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul comemoram um feriado similar ao de Ação de Graças nos EUA. No sul, as famílias celebram a colheita e fazem homenagens aos seus ancestrais. Já no norte, informou o jornal britânico
The Guardian, além destas celebrações, os oficiais do alto escalão aproveitam para trocar presentes luxuosos e receber propina. Dentre os itens mais populares em 2014, relatou a publicação, estão carne bovina e metanfetamina, uma poderosa e viciante droga.
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8. Corte ousado no cabelo? Só se for igual ao do líder supremo
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8/14 (AFP)
Até o início do ano, os norte-coreanos contavam com um “amplo” catálogo de cortes de cabelo permitidos pelo governo do país. Em março, contudo, uma portaria passou a exigir que os homens
adotassem o mesmo visual de Kim Jong-un e que mulheres usassem o cabelo tal qual o da primeira-dama Ri Sol-ju. Segundo o site
NK News, muitas pessoas que visitaram o país depois que esta notícia veio à tona relataram não ter notado mudanças nos cortes de cabelo dos locais. Uma fonte ouvida pela publicação informou, contudo, que as regras existem, porém a fiscalização não é rígida.
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9. Por medo do ebola, as fronteiras foram fechadas
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9/14 (Roman Harak/Flickr/Creative Commons)
Apavorada com a epidemia de ebola, a Coreia do Norte fechou as fronteiras do país para a entrada de turistas. Além disso, informou o jornal britânico
The Guardian, foi alertado que os estrangeiros vivendo no país seriam colocados em quarentena, independente de seu país de origem. O ebola aterrorizou a África. Fora do continente, contudo, foram registrados poucos casos nos EUA e na Europa. O exagero da medida foi visto por analistas como mais uma tentativa do regime de tentar amedrontar a população sobre os perigos que existem fora da Coreia do Norte.
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10. Não enviou líderes de torcida aos Jogos Asiáticos por birra
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10/14 (Stephan/Flickr/Creative Commons)
A edição 2014 dos Jogos Asiáticos, que foi realizada na cidade de Incheon (Coreia do Sul) causou um incidente diplomático entre as Coreias. Segundo o jornal
The Wall Street Journal, depois que o governo sul-coreano se negou a bancar a ida dos atletas do norte e seu “staff” para o evento, os norte-coreanos retaliaram e cancelaram a participação de suas líderes de torcida.
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11. Desenvolveu uma bebida energética à base de cogumelos
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11/14 (Reuters)
Um problema de atletas é se recuperar adequadamente depois da prática esportiva. Por isto, cientistas norte-coreanos aproveitaram a abundância de cogumelos no país para desenvolver uma bebida energética. Segundo o jornal britânico
The Guardian, há anos o governo incentiva a inovação com espécies de fungos e até criou um centro de pesquisa. A ideia é a de tornar a Coreia do Norte uma potência mundial produtora de cogumelos.
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12. O país ficou profundamente chateado com o filme “A Entrevista”
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12/14 (Divulgação/A Entrevista/Facebook)
A comédia americana “A Entrevista” conta a história de dois homens que são recrutados pelo governo dos EUA para matar Kim Jong-un. Bem, naturalmente, o enredo causou a
revolta de autoridades do país. Para o governo norte-coreano, o longa é o “terrorismo mais indisfarçável" e, por isto, resolveu registrar uma queixa contra os EUA perante a ONU, classificando o episódio como um “ato de guerra” por parte dos americanos.
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13. Se ofendeu com piada sobre o cabelo de Kim Jong-un
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13/14 (AFP)
Um salão de beleza em Londres teve a ideia de brincar em uma série de anúncios com o visual de autoridades políticas para promover descontos. E em uma das peças zombou o corte do “líder supremo”. A embaixada da Coreia do Norte pediu que o anúncio fosse retirado de circulação, mas não foi atendida. Apelou então para o governo britânico, que confirmou ao site
The Huffington Post ter recebido uma notificação dos norte-coreanos e declarou que avaliaria uma resposta.
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14. Agora veja quais são os países mais corruptos do mundo
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14/14 (Kcna/AFP)