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Frankopan, de Oxford: o recuo da democracia liberal

Luciano Pádua Quem será Donald Trump quando chegar à presidência dos Estados Unidos, em janeiro de 2017? Ao redor do mundo inteiro, especialistas e eleitores se perguntam se o candidato eleito será capaz de colocar em prática as promessas de campanha, seja ela a de erguer um muro na fronteira com o México ou a […]

PETER FRANKOPAN: “Houve lógica e razão entre os eleitores de Donald Trump” / Divulgação

PETER FRANKOPAN: “Houve lógica e razão entre os eleitores de Donald Trump” / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 21 de novembro de 2016 às 17h36.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h23.

Luciano Pádua

Quem será Donald Trump quando chegar à presidência dos Estados Unidos, em janeiro de 2017? Ao redor do mundo inteiro, especialistas e eleitores se perguntam se o candidato eleito será capaz de colocar em prática as promessas de campanha, seja ela a de erguer um muro na fronteira com o México ou a de dificultar as relações comerciais com a China. Para o historiador Peter Frankopan, da Universidade Oxford, no Reino Unido, é possível que a realidade e o cenário global imponham certos limites aos ideais apresentados por Trump. Autor do best-seller “The Silk Roads: A New History of the World“, ele falou sobre a ascensão do medo, o perigo de falar sobre o avanço da demagogia, o perigo que enfrentam os valores ocidentais e o recuo da democracia liberal. Uma versão desta entrevista foi publicada originalmente na versão impressa de EXAME, na edição “Saudade de velha direita”, nas bancas.

O que se pode esperar de um mandato de Donald Trump? A eleição dele é um flashback demagógico?

É tentador esperar que sua presidência seja tão divisionista, envenenada e assustadora quanto sua campanha, mas não é impossível que, agora que a eleição acabou, a realidade comece a prevalecer e os comentários absurdos sejam substituídos por algo bem diferente. Os Estados Unidos – e o resto do mundo – estão esperando para ver qual Trump estará na Casa Branca. É perigoso tratar a eleição de Trump como a ascensão do populismo e da demagogia. Apesar do que se pode pensar da personalidade de Trump, o fato é que ele foi extremamente bem sucedido em convencer dezenas de milhões de pessoas a votarem nele. A questão é por que. Sua campanha explicou bem os problemas dos EUA: aumento da desigualdade; empregos perdidos, especialmente no Cinturão da Ferrugem; políticas externas que não produziram bons resultados, como no Oriente Médio; a paralisia da elite política que fala, mas não faz; migração do México e de outros países; além das tendências globais em mudança, como o crescimento da China. Ele foi implacável ao focar no que estava indo mal para os EUA. Esse foi o segredo de seu sucesso. Diagnosticar os problemas e prometer resolvê-los é o que faz pessoas votarem em tempos de grandes mudanças. Tenho sérias dúvidas sobre Trump ser capaz de entregar o que prometeu. Mas temos que reconhecer que houve lógica e razão dos eleitores ao elegê-lo.

Após a queda da União Soviética, a esperança movia o mundo. O que está no ar agora? Medo? Como o senhor analisa o contexto que permitiu a eleição de Trump?

Vivemos em um mundo em transição. Ideologias em ascensão, mudanças climáticas, incerteza econômica e a mudança do eixo de poder global são fatores que afetam todos, desde o Brasil aos EUA. Esses medos estão ancorados na realidade que nos permeia. E a mudança deixa as pessoas assustadas – a menos que sejam beneficiários dela. Algo mais profundo está acontecendo agora: a reação à globalização, a raiva, a divisão que deixou os EUA partido em dois – assim como o Reino Unido, onde os que votaram a favor e contra o Brexit não se falam mais. O mundo ocidental tem problemas reais. O medo levou a decisões perigosas de isolamento. A natureza nos diz que é mais seguro, em tempos de problemas, ficar juntos. Pense em um grupo de animais sendo caçado: eu preferiria ficar com o grupo do que tentar fugir sozinho. Com a ascensão do Oriente e países como Rússia, Irã, Índia, China e o Sudeste da Ásia se tornando mais influentes, mais ambiciosos e mais importantes, o Ocidente terá de aprender que não pode fugir do assunto e esperar que o crescimento oriental pare ou desapareça.

A China foi um dos principais “inimigos” de Trump durante a campanha. As relações entre EUA e China estão em risco? Como isso pode influenciar o mundo?

A China é o “elefante na sala” neste momento. Se Trump levar adiante a ideia de aumentar barreiras tarifárias a produtos chineses, haverá consequências econômicas a ambos os países, mas isso também alterará profundamente a forma do mundo. Quando parceiros viram as costas uns aos outros, mesmo aqueles com relações turbulentas, geralmente surge a rivalidade – e usualmente um dos lados ganha. Não acredito que o vencedor será os EUA, ao menos não nas atuais circunstâncias.

Os valores ocidentais estão enfraquecidos?

O Ocidente está em sérios apuros. Como historiador, minha visão é que colapso e declínio duram muitas décadas, às vezes séculos. Não acho que nada que aconteça em 2016 e 2017 levará a uma catástrofe imediata. Há 100 anos, quase todo país na Europa tinha um império. Nenhum tem mais. Há 100 anos, os Estados Unidos eram um país emergente com uma economia emergente. Após algumas décadas, se tornou uma superpotência, e sua ascensão foi acelerada pela guerra na Europa. Mudanças levam tempo. Sem dúvida, é importante que estejamos discutindo sobre quem somos: qual o significado de ser britânico ou europeu? Como deveríamos tratar refugiados? É possível ser americano e muçulmano? Essas questões me parecem o ponto do desafio existencial. A história ensina que essas perguntas são feitas no momento em que é preciso lutar para manter-se firme. O mundo de amanhã no Ocidente parece mais difícil e problemático do que o atual.

O senhor falou que talvez a mais impressionante característica dos últimos 25 anos seja o recuo da democracia liberal. Trump é um resultado disso? Como aconteceu e quais as consequências?

Escrevi sobre como é impressionante que países ao leste de Veneza, como Rússia, Turquia, Irã, China e outros, não tenham os modelos de “democracia liberal” que existem na Europa, nos EUA e em muitas partes da América do Sul. Ao invés disso, têm líderes que governam como reis medievais. As ideias que valorizamos no Ocidente, como direitos humanos, liberdade de imprensa, liberdade civil, tolerância religiosa, são tratadas de forma muito diferente nos países da “Rota da Seda” – que concentram 60% da população mundial. Ao invés de revelar o final da história, como o filósofo Francis Fukuyama previu, a democracia liberal está em recuo. A cooperação e o respeito com o mundo parecem mais frágeis do que nunca. Estamos finalmente entendendo que democracia significa viver com a divisão e o desacordo. Muitos acham isso inquietante.

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