Bandeira dos Estados Unidos, instalada nos jardins da Casa Branca (Brendan Smialowski/AFP)
Repórter
Publicado em 14 de novembro de 2025 às 06h01.
O Congresso dos Estados Unidos resolveu, nessa quinta-feira, 13, o mais longo shutdown da história do país, uma paralisação generalizada dos serviços públicos federais que esteve em vigor por 43 dias e causou caos em diversos setores da economia e da vida do país, em especial em aeroportos e programas de assistência social.
Na segunda-feira, 10, o Senado aprovou um projeto de lei orçamentário após intensas negociações que duraram o final de semana inteiro. O impasse estava na incapacidade de membros dos partidos Democrata e Republicano de chegarem a um consenso mínimo para o assunto. Após a aprovação no Senado, o projeto passou à Câmara dos Representantes e foi ratificado com a assinatura do Presidente Donald Trump nessa quarta-feira, dia 13.
Na prática, milhões de trabalhadores não foram remunerados por mais de um mês, milhares de voos foram cancelados, assim como programas e benefícios federais em um cenário de muitos setores com poucos funcionários e operando de maneira ineficaz.
Ainda é incerto o quão rápido todos esses serviços voltarão a operar normalmente.
Mesmo assim, existe um medo que uma nova paralisação possa estar no horizonte: o consenso cobre os gastos apenas até o dia 30 de janeiro, data a partir da qual o processo de votação deverá recomeçar, gerando o risco de um novo shutdown no começo do ano que vem.
O imbróglio, porém, deixou vencedores e perdedores na política americana — um estado de coisas que pode definir os rumos da disputa por poder na maior economia do mundo, e causar mudanças no cenário político do país já que as profundas diferenças políticas que causaram a paralisação continuam não resolvidas.
Ao fim, democratas e republicanos fizeram concessões, mas alguns atores fortaleceram a sua posição à opinião pública, e outros desapontaram seus eleitores.
"Deveríamos ser legalmente proibidos de paralisar o governo", disse o deputado Brian Fitzpatrick, um republicano moderado, à Reuters. "É uma completa loucura, uma loucura que estejamos usando paralisações do governo como alavancagem política. Isso jamais poderia acontecer, e é obviamente um péssimo precedente."
Acompanhe todos os envolvidos politicamente no shutdown, quem foi beneficiado e quem foi prejudicado, a curto e a longo prazo, e os impactos que a paralisação teve diretamente no povo americano.
Presidente Americano Donald Trump (Jim Watson/AFP)
A maioria no Senado e representado na presidência, o partido republicano aproveita seu tempo no poder, e usa seu ímpeto político para avançar em suas agendas.
Durante o shutdown, foram capazes de trazer para seu lado oito democratas. Sob forte pressão de seu partido e eleitores, esses democratas mais moderados se uniram aos republicanos para passar um projeto em que os interesses democratas eram menos representados, visando o fim da paralisação.
Enquanto isso, Donald Trump conseguiu suportar intensa pressão política mantendo seu partido unificado. Além do mais, um consenso foi finalmente atingido com relativamente poucas concessões republicanas, por exemplo em relação ao programa de saúde Obamacare, que por enquanto não terão obrigação de financiar. Isso ajuda o partido a se apresentar como uma unidade sólida.
Apuração da CNN também sugere que a frustração para os democratas toma outra face: as medidas políticas notoriamente drásticas de Trump parecem ter funcionado novamente, com seus rivais políticos recuando ao invés dele.
“Acho que ele sai ganhando com tudo isso. Ele precisou gastar muito pouco capital político durante a paralisação do governo. O acordo negociado lhe oferece uma solução sem o obrigar a intensificar ainda mais o conflito com os senadores republicanos sobre o projeto”, disse à Reuters John Elizandro, um estrategista político republicano.
Todavia, pesquisas conduzidas pela Ipsos, companhia de pesquisa de mercado, mostram que a maioria dos americanos culpa os republicanos pelo shutdown: 38% julgam que a maior parte da culpa cai com o partido, e 42% culpam Trump especificamente.
Enquanto isso, apenas 31% dos americanos põem a maior parte da culpa nos democratas.
De acordo com apuração da Reuters, que conduziu um levantamento com diversos estrategistas e especialistas políticos, por terem se apresentado como um partido unificado e fiel aos seus princípios, e conquistado uma vitória política na forma da concessão dos democratas, o shutdown foi a curto prazo uma vitória para o partido.
Mas com a memória pública, e a percepção da maioria dos americanos culpando os republicanos e Donald Trump pelo shutdown, a paralisação pode ser causa de vulnerabilidade ao longo prazo, especialmente considerando as eleições de meio de mandato (midterm elections) no ano que vem.
Democrata Chuck Schumer, Líder de Minoria no Senado (AFP/AFP)
Aproveitando um ímpeto de vitórias recentes em Nova Jersey, Virgínia e Nova York, as concessões políticas e “deserções” durante as negociações do shutdown foram um forte golpe ao partido, que foi alvo de críticas interna e externamente.
O resultado das negociações apresentou ao público um partido que não teve força e união suficientes para combater de maneira eficaz os republicanos e o Trumpismo, luta que esteve no centro de suas campanhas vitoriosas recentes.
A repercussão política pode afetar particularmente o Líder de Minoria (atualmente democrata) no Senado Chuck Schumer, que muitos eleitores e demais democratas já não consideram como representante apropriado.
“O senador Schumer não é mais eficaz e deve ser substituído”, disse o representante democrata da Califórnia Ro Khanna em uma publicação no X, ex-Twitter, após a votação. “Se você não consegue liderar a luta para impedir que os planos de saúde disparem para os americanos, pelo que você lutará?”
A situação para Schumer piora: mesmo que tenha votado contra o projeto orçamentário no domingo, e que tenha sido crítico dos democratas que se uniram aos republicanos, o mero fato de ter havido concessões já o coloca novamente na mira dos críticos, que questionam sua capacidade de liderar o partido e de o manter unificado.
“Esta noite é mais um exemplo de por que precisamos de uma nova liderança”, disse Seth Moulton, representante democrata de Massachusetts, em uma publicação também no X. “Se Chuck Schumer fosse um líder eficaz, ele teria unido seu grupo parlamentar para votar ‘Não’ esta noite e manter a posição sobre o sistema de saúde. Talvez agora Ed Markey [senador de Massachusetts] finalmente se junte a mim e prometa não votar em Schumer?”
Todavia, a lei orçamentária pode trazer benefícios aos democratas, já que os republicanos também fizeram certas concessões – principalmente adicionar uma cláusula que impede a demissão de funcionários federais, planejada por Trump, até o dia 30 de janeiro, e prometer uma sessão de votação sobre a extensão de subsídios ao programa de saúde Obamacare, por mais que os subsídios em si não tenham sido garantidos.
Os democratas foram assim capazes de trazer à tona a questão do sistema de saúde, que agora deverá ser honrada pelos seus oponentes:
“Os democratas conseguiram elevar a saúde à categoria de principal questão nacional. Isso é perigoso para os republicanos, já que a saúde impulsionou a onda azul nos subúrbios em 2018", disse à Reuters Carlos Curbelo, ex-congressista republicano da Flórida, em referência a uma onda de sentimento democrata durante o primeiro mandato de Trump em 2018, que viu a obtenção de 41 assentos pelos democratas no Congresso.
Com isso, muitos democratas consideram a resolução da paralisação uma espécie de vitória para o partido, mesmo que não estejam inclusas garantias sobre os subsídios do Obamacare.
Segundo apuração do NBC news, democratas dizem que o shutdown "cristalizou" as linhas de frente no próximos conflitos políticos - principalmente nas midterms - com sua ênfase na saúde. A aprovação de Trump, por sua vez, está nos 40%, a mais baixa desde que assumiu para seu segundo mandato em janeiro desse ano.
Nesse tópico, uma pesquisa recente da Ipsos mostrou que 44% dos eleitores democratas dizem estar "muito entusiasmados" para votar nas eleições de meio de mandato, que normalmente vê consideravelmente menos participação, em comparação a apenas 26% dos republicanos que disseram o mesmo.
Além disso, 79% dos democratas disseram que se arrependeriam de não votar, em comparação a 68% dos republicanos correspondentes na pesquisa.
Líderes do partido também dizem que a paralisação demonstrou a crueldade de Trump, que lutou para conter pagamentos ao SNAP durante o shutdown - o programa de alimentação foi outra vitória conquistada no novo consenso, já que o projeto prevê financiamento ao SNAP até o fim ano ano fiscal, em setembro de 2026.
Assim, o programa de assistência alimentícia sobre o qual milhões de americanos de baixa renda dependem não poderá ser utilizado como moeda em debates políticos.
"Acho que os democratas fizeram algumas das melhores negociações que já tivemos em termos de acessibilidade e de planos de saúde", disse o senador Ruben Gallego, representante democrata do Arizona, que votou contra a reabertura do governo. "E acho que foi por isso que vimos os resultados em Nova Jersey e Virgínia, e que as pesquisas estavam nos favorecendo."
Ao todo, apuração da Reuters considera o shutdown como uma derrota imediata para os democratas, mas com potencial de alavancagem ao longo prazo.
Todavia, para Chuck Schumer, a situação foi considerada uma grande derrota.
Projeções no Knapp Memorial Arch, monumento em Washington DC, que diz: "Trump festeja em Mar-A-Lago (Flórida) enquanto 42 milhões de americanos passam fome", no dia 5 de novembro, durante a paralisação. (Leigh Vogel/AFP)
A parcela da população mais afetada pelo shutdown foi a dos trabalhadores federais, muitos dos quais foram dispensados em licenças indefinidas e outros continuam operando em setores essenciais, mas todos sem remuneração.
Além disso, apesar de serem protegidos de demissões pelo novo projeto orçamentário até 30 de janeiro, e terem compensações de seus pagamentos perdidos garantidas, após essa data seu futuro continua incerto, e podem se tornar importante moeda política para debates no Senado.
O maior medo, todavia, é que um novo shutdown possa acontecer após a data de expiração do atual projeto – que ainda não foi totalmente aprovado – e renovar seus medos e instabilidade financeira.
O tráfego aéreo também foi fortemente impactado. Durante o quadragésimo dia do shutdown nesse domingo dia 9, cerca de 10.200 voos foram cancelados, o que impactou mais de 5.2 milhões de passageiros, de acordo com a Reuters.
Controladores de voos, que operam em torres nos aeroportos, também estão trabalhando com menor eficiência e sem pagamento, o que causa forte fatiga nesse setor, levando a muitas ausências.
Ao todo, a Reuters estima que 13.000 controladores e 50.000 funcionários da Administração de Segurança do Transporte passaram os 43 dias de paralisação sem ser remunerados.
Um subcomitê do Senado se reunirá na próxima quarta-feira, 19, para uma ouvidoria sobre os impactos da paralisação no tráfego aéreo americano, onde receberão Nick Daniels, presidente da Associação Nacional de Controladores do Tráfego Aéreo, e Chris Sununu, representante da Airlines fo America, grupo que contém as principais linhas aéreas do país, cada um com seus testemunhos.
A duração estendida do shutdown o faz coincidir com a época do Dia de Ação de Graças, feriado importante em novembro nos Estados Unidos, e um dos momentos mais ocupados para voos, o que pinta um cenário de incerteza para muitas famílias.
Por fim, americanos de baixa renda que dependem de programas e benefícios como o Obamacare e o programa de alimentação SNAP, que concede os famosos “food stamps”, selos que podem ser trocados por alimentos, foram particularmente afetados.
Os selos do SNAP se esgotaram, e o programa como um todo virou assunto de processos legais nas cortes. Enquanto isso, se os subsídios ao Obamacare forem cortados, milhões de americanos perderão seu acesso de maneira mais barata ao sistema de saúde, que já opera de maneira reduzida durante o shutdown.
O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) estima que a paralisação tenha reduzido o crescimento econômico no último trimestre desse ano por cerca de 1.5 ponto percentual, o que corta o crescimento pela metade em comparação ao trimestre anterior.
Por mais que o recomeço das atividades possa estimular os mercados, o CBO projeta que cerca de US$ 11 bilhões em atividade econômica foram permanentemente perdidos durante o shutdown.