Guilherme Leal diz que não há mágica para desvalorizar o câmbio (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
São Paulo - "Do mesmo jeito que a gente fala que a educação é muito importante para ficar somente nas mãos dos educadores, a política é muito importante para ficar apenas nas mãos dos políticos profissionais." A afirmação é do empresário Guilherme Leal, que há 40 dias afastou-se da Natura para estrear na política como candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva (PV).
Leal já fez várias viagens pelo Brasil neste período, acompanhou convenções partidárias e, a partir desta terça-feira (6) - data oficial do início de campanha dos candidatos - terá uma agenda intensa de compromissos. Na tarde da última quinta-feira (1), recebeu a reportagem do site EXAME para uma entrevista de 40 minutos em seu escritório particular na Rua Amauri, conhecida pelos famosos restaurantes, no bairro nobre do Itaim, em São Paulo.
Vestindo um terno preto e com apenas um iPhone sobre a mesa, falou sobre preconceito na política, as comparações com o vice-presidente José Alencar, gestão pública e meritocracia, entre outros temas. Sobre as críticas dos empresários ao câmbio valorizado, foi categórico: "Não existe mágica. Precisamos eliminar as volatilidades cambiais com intervenções parciais e adotar uma política fiscal efetivamente séria."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Site EXAME - O que o sr. já aprendeu nesses 40 dias de política?
Guilherme Leal - Eu aprendi que a gente tem que ser mais flexível, tem que ter resiliência, uma capacidade de lidar com o imponderável, lidar com a arte da negociação e do desconhecido. A gente não consegue planejar e ter as coisas sob controle como a gente gostaria de ter nas nossas empresas. É muito desafiante e entusiasmante. Para um empreendedor - e eu me julgo mais do que um empresário, um empreendedor -, eu acho que a política é muito interessante. É cheia de desafios, ainda mais numa jornada como a nossa que não parte de uma estrutura consolidada, de um projeto que vem de longa data, que, na verdade, traz uma proposta inovadora a partir de uma base relativamente pequena e que propõe um novo jeito de fazer política. Acho que para quem viveu a experiência de, em cima de uma proposta inovadora, construir uma empresa, eu vejo algumas similitudes, pelo menos no grau de entusiasmo e nas dificuldades. Longe de comparar o Brasil com uma empresa - obviamente a complexidade e a dimensão dos problemas são de outra natureza e não me julgo detentor de nenhuma fórmula mágica que possa ser replicada -, mas o tipo de desafio que se coloca tem algumas semelhanças interessantes.
Site EXAME - O sr. sente que há preconceito com quem está na política?
Leal - Sinto, sim. Fui advertido por muitos amigos. Acho que existe no Brasil - não sem algumas razões -, um certo desencanto dos brasileiros com a política tal como ela vem sendo vivida. Recebi muitos conselhos do tipo "cuidado; é perigoso; tem de tudo; pra que você vai fazer isso?; aonde é que você vai se meter; você tem uma história de vida;". Realmente recebi muitos conselhos que não estimulavam muito a minha entrada nesse universo novo, mas eu achei que era uma decisão que eu tinha que tomar exatamente para quebrar isso, experimentar. Eu não tenho nenhum objetivo, senão discutir o país do que jeito que a gente quer. Achei que essa convocação não poderia ser negada e que, de alguma forma muito pouco arrogante, talvez eu pudesse dar uma contribuição para discutir o país.
Site EXAME - A chapa que elegeu o presidente Lula tem José Alencar, um empresário. Isso é um diferencial na campanha?
Leal - José Alencar é uma grande unanimidade nacional. É um exemplo de vida para os brasileiros, como empresário, vice-presidente e figura humana. Agora, as semelhanças entre a escolha do presidente Lula, em 2002, e de Marina, em 2010, não sei se são da mesma natureza. José Alencar já era um político antes de aceitar a convocação de Lula. Eu sou mais estranho à política do que era o José Alencar naquele momento. E, por outro lado, a minha identificação com a plataforma de Marina Silva em termos de olhar para os desafios ambientais como uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade para o Brasil no século XXI, é uma razão adicional que me aproximou dela, algo que talvez não existisse naquele momento, em 2002, quando havia outras diversas razões que funcionaram muito bem para a dupla Lula e José Alencar e que eu espero que funcione muito bem - por diferentes razões - para a dupla Marina Silva e Guilherme Leal. Então, eu acho que tem algumas semelhanças, mas tem circunstâncias que são bastante diversas.
Site EXAME - O sr. acredita que faltam empresários na política? A participação é muito tímida?
Leal - Eu acredito que faltam, sim, empresários. Do mesmo jeito que a gente fala que a educação é muito importante para ficar somente nas mãos dos educadores, a política é muito importante para ficar apenas nas mãos dos políticos profissionais. Com o meu gesto, eu gostaria de contribuir para que outras lideranças empresariais, sociais e intelectuais dessem um passo para se envolver com a política, que precisa de uma renovação, de uma oxigenação. A política é importante para a vida nacional. Precisamos de um Estado mais eficiente, mais transparente, e precisamos de uma vida pública realmente mais direcionada para o sentido republicano de cuidar do público, que tem que ser cuidado por todos e não por ninguém. Nesse sentido, eu acho que, sim, mais empresários poderiam e deveriam se envolver, mas não apenas empresários. Eu não sou daqueles que acham que se o país for cuidado apenas por empresários será muito melhor, mas acho que os empresários têm contribuições relevantes a dar para a vida política brasileira.
Site EXAME - Como o empresário Guilherme Leal avalia a gestão pública no Brasil, incluindo todas as esferas de governo?
Leal - Eu acho que a gestão pública no Brasil tem muito a avançar. Quando eu tinha 25 anos, eu trabalhei durante quatro anos na Fepasa, uma empresa pública. Trabalhei muito seriamente e entusiasmadamente e fui demitido - sou muito grato àqueles que me demitiram (neste momento, Guilherme Leal bate três vezes na mesa de madeira) - e tinha tomado uma decisão de não trabalhar mais em empresa pública porque eu não queria ter um selo de um gestor de empresa pública e ficar dependendo de favores políticos para conseguir minhas colocações. Então, eu resolvi que eu seguiria meu caminho natural que acabou sendo minha experiência de Natura. Acho que fiz uma boa escolha. Eu tinha um sonho de contribuir com o país e achei que o caminho da iniciativa privada seria o melhor. Fazendo um olhar retrospectivo, acho que, de alguma forma, eu contribuí mais criando uma empresa que ajudou a mostrar que, fazendo as coisas sérias - com responsabilidade social e responsabilidade ambiental -, a gente pode conquistar êxito econômico, que uma coisa não se contradita à outra. Acho que há um espaço enorme para o aperfeiçoamento da gestão pública e creio que isso é indispensável para que o Brasil possa de fato entrar para o rol das nações desenvolvidas e propiciar qualidade de vida para os seus cidadãos. Com a carga tributária que se tem, o que o Estado devolve em serviço para a população brasileira está muito aquém do desejado. Há problemas nos três âmbitos (união, estados e municípios). É óbvio que há ilhas de excelência dentro do Estado brasileiro, como o Banco Central, o BNDES e o Itamaraty, mas, na média, os municípios brasileiros são absolutamente despreparados para fazer uma gestão minimamente competente. Peter Drucker (morto em 2005, era considerado um guru dos negócios) dizia, pouco antes de morrer, que o grande desafio do século XXI chamava-se gestão, não das empresas, mas das organizações privadas, governamentais e não-governamentais. Sustentabilidade é eliminar desperdícios e uma boa gestão é aquela que aloca de forma eficiente os seus recursos. Isso em qualquer organização e o Estado é uma mega organização, portanto, a gestão é um fator crítico para que uma sociedade possa atingir seus objetivos comuns. Existe um desafio gigantesco para que a gente possa evoluir. Isso demanda transparência e exige investimentos na formação do capital humano. Enquanto a gente não tiver educação de qualidade da base à universidade, nós não teremos um serviço público de qualidade. Isso obviamente com foco, medição, monitoramento e resultados claramente definidos.
Site EXAME - Nesse contexto, a meritocracia seria positiva no setor público?
Leal - Meritocracia precisa ser aplicada com muito cuidado. Eu acho que a diferenciação entre aqueles que fase um bom trabalho e um mau trabalho sempre deve existir, mas nós sabemos que sistema ruins - e a crise financeira de 2008 mostrou claramente que um sistema agressivo pode causar sérios problemas - podem ter consequências danosas. Sou, sim, favorável aos sistemas que estimulam os bons desempenhos e eliminam aqueles que não se comprometem com os resultados que devem ser alcançados, mas isso deve ser feito com muita consciência e muita clareza.
Site EXAME - Como um empresário abre mão de um salário de presidente de uma empresa privada para ganhar pouco mais de 10 mil reais num cargo de vice-presidente?
Leal - Eu tenho o privilégio de ter a condição de abrir mão dessa situação, mas eu acho que as carreiras de Estado devem oferecer condições honradas de vida e que sejam correspondentes à importância do cargo que as pessoas desempenham. Não podemos confundir carreiras de Estado com funcionalismo público, inchaço de máquina e cargos de confiança. Temos que separar o joio do trigo. Uma boa burocracia de Estado é importante para qualquer país. Um corpo de funcionários capaz de regular de maneira competente os serviços básicos é importantíssimo para qualquer nação civilizada. Nós não podemos ter uma educação de qualidade se não tivermos um novo pacto para formar novos professores para a economia do século XXI. Tá tudo errado. Nós temos uma educação que expulsa os alunos da nossa escola. Nós temos uma crise no Ensino Médio, onde 40% dos nossos jovens não terminam o curso. A escola de hoje não atrai mais o aluno. Não basta pagar mais para os professores, é preciso repensar qual é a formação que temos que dar aos professores para que eles tornem o ensino mais atraente.
Site EXAME - As entidades empresariais reclamam do câmbio valorizado. Por outro lado, há quem diga que o real forte é o preço do sucesso do Brasil. Como o sr. avalia essa questão?
Leal - O câmbio excessivamente valorizado obviamente pode representar um risco para os setores mais sofisticados, mas não existe mágica. O tripé - câmbio flutuante, superávit fiscal e metas inflacionárias - tem funcionado de maneira adequada. Precisamos administrar isso com competência, eliminar as volatilidades com intervenções parciais e ter uma política fiscal efetivamente séria para que não tenhamos que utilizar a política monetária de maneira excessiva. Não podemos pisar no acelerador da política fiscal e pisar no breque de uma maneira excessiva da política monetária porque isso faz o juro subir, encarece o investimento e atrai capitais, pressionando o câmbio, o que tira a nossa competitividade. Isso associado ao famoso Custo Brasil, como as questões do nosso complexo, ineficiente e regressivo sistema tributário, da nossa infraestrutura, da nossa legislação trabalhista muito complexa e da insegurança institucional. Tudo isso são custos que reduzem a competitividade do Brasil em paralelo ao câmbio. Não tem mágica para desvalorizar o câmbio. Vamos ter que conviver com essas condições e atuar sobre os demais fatores para que possamos continuar competitivos.
Site EXAME - José Alencar tem a bandeira dos juros. Qual será a sua num eventual mandato?
Leal - A bandeira é educação, meio-ambiente e olhar para futuro com responsabilidade. Agir no presente para construir um futuro muito próspero para essa nação.