O presidente venezuelano, Nicolas Maduro, conversa com o chanceler Elías Jaua durante um encontro do Mercosul (AFP / Juan Barreto)
Da Redação
Publicado em 9 de julho de 2013 às 19h28.
Caracas - A eventual concessão do asilo ao ex-consultor americano Edward Snowden pela Venezuela coloca este país em uma rota de colisão de consequências imprevisíveis com os Estados Unidos, dias antes de o país rico em petróleo assumir a presidência rotativa do Mercosul, cujo principal sócio, Brasil, coloca panos quentes nas denúncias de espionagem por Washington no país, filtradas pelo próprio Snowden.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou na noite de segunda-feira que Snowden, há duas semanas em trânsito em um aeroporto de Moscou, pediu formalmente asilo à Venezuela, e o convidou a viajar para Caracas.
Uma mensagem publicada nesta terça-feira no Twitter pelo influente legislador russo Alexei Pushkov, indicando que Snowden teria aceitado a oferta venezuelana, parecia indicar a iminência da chegada a Caracas do ex-analista de inteligência americano, que revelou um gigantesco programa secreto de espionagem das comunicações mundiais desenvolvido por seu país. Mas pouco depois a mensagem foi apagada e o Wikileaks desmentiu a informação.
"Para Washington, Snowden é um tema muito sensível. Se a Venezuela receber Snowden, haverá um grande mal-estar em diferentes setores de Washington", explicou à AFP Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, um centro de estudos localizado na capital americana.
Washington, que dias atrás havia solicitado preventivamente ao governo de Maduro a extradição de Snowden, advertiu na segunda que seus laços diplomáticos ficarão comprometidos com qualquer país que conceda asilo a Snowden, depois de Venezuela, Nicarágua e Bolívia terem se oferecido como refúgio, entre os mais de 20 países que receberam o pedido do ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança (NSA, siglas em inglês). O Brasil anunciou nesta terça que não o concederá.
Para Shifter, o asilo "prejudica o processo" de normalização das relações que ambos os países, sem embaixadores desde 2010, iniciaram em junho.
O especialista em relações internacionais Julio César Pineda, ex-embaixador da Venezuela em vários países árabes, considera que o asilo "é uma situação incômoda, porque já é uma espécie de confrontação aberta".
"Há uma situação de segurança de Estado. China e Rússia quiseram se manter afastados deste problema, e o próprio Equador, que tem uma situação complicada com (o fundador do Wikileaks Julian) Assange em Londres, também tentou evitar trazer Snowden para não provocar uma confrontação com os Estados Unidos", declarou à AFP.
O analista afirmou que não se pode prever quais consequências econômicas haveria para a Venezuela, que vende diariamente 900.000 barris de petróleo para os Estados Unidos, um de seus poucos clientes que paga imediatamente e em espécie.
Snowden e o Mercosul
A possibilidade de que o ex-analista chegue a Caracas surgiu na véspera da cúpula do Mercosul de sexta-feira em Montevidéu, onde o tema poderá ser colocado sobre a mesa, principalmente depois de o jornal O Globo, baseado em vazamentos de Snowden, ter revelado nesta terça que os Estados Unidos supostamente mantêm operações de espionagem em vários países latino-americanos, além do Brasil, entre eles Colômbia e Venezuela.
A presidente Dilma Rousseff disse na segunda que, se a espionagem externa for confirmada, será uma "violação da soberania" nacional, mas evitou acusar os Estados Unidos, país com o qual pretende estreitar relações.
"O Brasil não quer perturbar sua relação com os Estados Unidos", afirmou à AFP David Fleischer, analista político e professor emérito da Universidade de Brasília.
"O Brasil tolerou durante muitos anos a Venezuela e o tema (do asilo a Snowden) complica um pouco as coisas, mas não acredito que afete o Mercosul. Não faz parte das regras do grupo, não há normas do bloco que regulem o asilo", explicou.
A Bolívia, em processo de adesão ao bloco, também está interessada em abordar o tema Snowden após o incidente vivido pelo mandatário boliviano, Evo Morales, quando ficou bloqueado em Viena em uma viagem em que retornava de Moscou, por ter tido negada a entrada de seu avião nos espaços aéreos de França, Itália, Espanha e Portugal, que suspeitavam que Snowden estivesse a bordo.
O país andino pediu explicações aos quatro governos e nesta terça denunciou o caso à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Escala de Snowden em Havana?
Cuba apoiou no domingo o direito da Venezuela e de qualquer país conceder asilo político, algo importante para Snowden, pois o aeroporto de Havana é o único com uma conexão aérea direta com Moscou.
Os analistas consultados pela AFP se mostraram divididos ante a eventualidade de que Snowden passe por Havana para chegar a Caracas.
"Inclusive permitir que Snowden utilize Havana como ponto de trânsito pode ser arriscado. Não parece que Cuba tenha vontade de arranjar mais uma briga com Washington. Uma nova confrontação não contribuirá em nada. Pelo contrário, eliminará alguns modestos passos que Havana deu recentemente para melhorar as relações bilaterais com Washington", assegurou Shifter.
"Duvido que Snowden possa passar por Havana nos próximos dias. No relatório do Departamento de Estado de 2006, o governo americano explica por que Cuba segue na lista dos países que apoiam o terrorismo e detalha que as autoridades cubanas deram sua palavra de que não aceitarão 'novos' fugitivos americanos (acusados ou não de crimes políticos)", explicou Anya Landau French, editora do 'The Havana Note', um blog sobre temas cubanos.
"Permitir que um fugitivo transite por seu território é tão grave como dar refúgio a ele", acrescentou.
O professor cubano Arturo López-Levy, da Universidade de Denver (EUA), disse, por sua vez, que, "se Snowden tiver uma forma legal de passar por Havana em trânsito, Cuba não se oporá, o que não significa que concederá asilo a ele".
"Cuba prefere ter Snowden o mais distante possível, mas não é realista pensar que Havana abdicará de sua coliderança (com a Venezuela) da Alba", a Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América, concluiu.