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Europa: depois da crise do gás natural, vem aí a crise do diesel? Entenda

Aumento no valor do combustível deve ser de 40% devido à redução das importações da Rússia e imposição de teto de preços, segundo estimativas da consultoria Kpler

Terminal de gás natural na Alemanha: crise de energia (Stefan Sauer/picture alliance via Getty Images/Getty Images)

Terminal de gás natural na Alemanha: crise de energia (Stefan Sauer/picture alliance via Getty Images/Getty Images)

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Carla Aranha

Publicado em 19 de setembro de 2022 às 15h59.

Última atualização em 20 de setembro de 2022 às 10h40.

Em meio a um cenário de escassez de energia na Europa, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, deve embarcar neste final de semana em uma viagem para os Emirados Árabes e o Qatar, no Oriente Médio, em busca de novos fornecedores de gás natural. "A ideia é fechar o buraco causado pela falta de gás russo", disse o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, nesta segunda, dia 19.

Em toda a União Europeia, tem aumentado a preocupação com blackouts e racionamento de energia conforme o inverno se aproxima – ao mesmo tempo, os custos crescentes do setor elétrico pressionam a inflação, que atingiu 9,1% em agosto. Analistas de mercado e economistas se preocupam ainda com outra ameaça, referente ao fornecimento de derivados de petróleo. “Um grande problema para os governantes europeus deverá ser a viabilidade de diesel”, diz Reid L´Anson, economista especializado em commodities da consultoria Kpler, com sede na Bélgica, em entrevista à EXAME. Veja mais a seguir:

A inflação na União Europeia atingiu 9,1% em agosto, com um aumento de 38,3% no custo de energia: como você avalia a tendência de continuidade de pressão inflacionária em função da alta de preço do gás natural?

A inflação na Europa deve acelerar no final do ano. No último trimestre, é possível que chegue a 10%, especialmente em função de preços de energia elevados. No início de 2023, essa dinâmica pode mudar com uma política mais agressiva do Banco Central Europeu em elevar taxas de juros. Mas é cedo para dizer.

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De que forma as sanções à Rússia devem continuar impactando o mercado de energia na Europa e a inflação?

É preciso ter em mente que o aumento no preço do petróleo tem acontecido também em boa parte devido à redução da produção na Rússia. Estimamos que a produção doméstica na Rússia terá uma queda de 900 mil barris por dia até o final do ano em comparação ao mês de agosto. Mas tudo depende de até que ponto a Rússia continuará vendendo petróleo para mercados alternativos, como a Índia e China. Caso o país não consiga continuar vendendo tanto petróleo, os preços do barril podem subir, impactando a inflação – e não apenas na Europa, mas globalmente. Também é preciso lembrar que os lockdowns na China, por causa da covid, continuam impactando o preço do petróleo. Há ainda outros fatores, como a probabilidade de desaceleração econômica nos Estados Unidos e de recessão na Europa até o final do ano, que influenciam a cotação do barril.

Qual a sua visão sobre os pacotes de estímulo que têm sido anunciados por países europeus?

Os pacotes de estímulo do governo ao consumo de energia das famílias tendem a impactar o mecanismo de limitação do consumo. Em outras palavras, as famílias deverão consumir mais energia do que normalmente fariam, em condições de alta de preço, forçando a demanda em um momento de contração da oferta. E iss pode exacerbar a inflação. Claro que nem todos programas de estímulo são iguais e a inflação varia de país para país dentro da Europa. Vamos tomar o Reino Unido como exemplo. A primeira-ministra Liz Truss anunciou um plano em que o governo vai impor um teto para o preço da energia. Isso deverá ter um impacto positivo no índice de preços ao consumidor no que se refere à energia. Mas é provável que o governo tenha que cobrir parte da diferença de preço entre o que o consumidor vai pagar pela energia e o preço real.

E qual seria a consequência disso?

O déficit público pode aumentar, elevando também a pressão inflacionária. Em última análise, em um ambiente onde a oferta é restrita, a demanda é que precisa se ajustar para ter uma baixa nos preços e controlar a inflação. Mas é uma situação complicada. Eu entendo perfeitamente que as pessoas precisam aquecer a casa no inverno. Então, não há soluções simples.

Além do problema com o gás natural, há também uma questão com o diesel, não?

Sim. Um grande problema para os governantes europeus deverá ser a viabilidade de diesel. A União Europeia está importando mais diesel russo por vias marítimas este ano do que em 2021. Isso aconteceu porque as refinarias europeias foram forçadas a comprar mais petróleo dos Estados Unidos, que é mais leve e mais propenso à produção de gasolina do que de derivados. O custo do hidrogênio, um componente essencial para produção de derivados do petróleo, também subiu e está colocando as margens em um patamar negativo. Sem falar que o hidrogênio é produzido a partir do gás natural.

É preciso considerar também que a União Europeia pretende colocar um teto sobre o preço dos derivados de petróleo produzidos pela Rússia a partir de fevereiro do ano que vem. Com isso, a Europa provavelmente vai precisar lidar com custos maiores dos derivados e deverá ser difícil encontrar outros fornecedores mundiais capazes de suprir o total que os países europeus precisam.

Você está dizendo que a Europa pode enfrentar uma outra crise no setor de energia, dessa vez do diesel? E os países do Oriente Médio não teriam condição de suprir a demanda?

A Europa possivelmente precisará lidar com a crise do diesel. Os membros da União Europeia têm a difícil batalha de substituir o diesel que compram da Rússia. As alternativas podem vir dos Estados Unidos e do Oriente Médio, mas substituir o grande volume que a Europa compra da Rússia não será uma tarefa fácil. A inflação anualizada do diesel na Europa deve flutuar em torno de 40% por algum tempo. Então, essa pode ser uma nova crise.

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