Mundo

Na Eurocopa, Inglaterra e Escócia brigam no campo e nas urnas

Desde o Brexit, em que a maioria dos escoceses votou para permanecer na União Europeia, o sentimento nacionalista se intensificou na Escócia. Nesta sexta-feira, estará presente em campo com a Eurocopa

Gary McAllister, jogador da Escócia, após perder um pênalti contra a Inglaterra em 1996, quando o jogo ainda estava 1x0: há duas décadas as seleções não se encontravam em um grande torneio (Shaun Botterill/Allsport/Getty Images)

Gary McAllister, jogador da Escócia, após perder um pênalti contra a Inglaterra em 1996, quando o jogo ainda estava 1x0: há duas décadas as seleções não se encontravam em um grande torneio (Shaun Botterill/Allsport/Getty Images)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 18 de junho de 2021 às 13h11.

Última atualização em 21 de junho de 2021 às 13h52.

Inglaterra e Escócia entram em campo nesta sexta-feira, 19, às 16 horas (horário de Brasília), pela fase de grupos da Eurocopa. O clássico de seleções já chamaria atenção por ser o mais antigo do mundo: ambos os países fazem parte do Reino Unido desde o século 18, embora as seleções de futebol e de outros esportes sigam jogando separadas.

Mas como já se tornou comum nas rivalidades britânicas, a história não fica só no futebol.

Após o Brexit, saída dos britânicos da União Europeia decidida em 2016, cresceu na Escócia o apoio a um novo referendo para questionar a população sobre se os escoceses devem permanecer no Reino Unido -- formado, além de Inglaterra e Escócia, por Irlanda do Norte e País de Gales, tendo Boris Johnson como primeiro-ministro e Londres como capital.

Com a eleição no mês passado do Partido Nacional Escocês com maioria e da primeira-ministra Nicola Sturgeon na Escócia, defensora de um novo referendo, os nervos estão à flor da pele.

Essa é a mais recente polêmica do que já foi uma das maiores rivalidades do mundo. Em 1872, as seleções de Inglaterra e Escócia disputariam o primeiro jogo de seleções da história. Era o começo do futebol como esporte profissional, ainda muito longe dos patamares que viria a ganhar décadas depois.

Por muito tempo, a rivalidade entre ingleses e escoceses no futebol foi intensa, e jogos entre as duas seleções costumavam mobilizar amplo aparato policial.

A disputa no passado era intensificada pela existência do British Home Championship, um campeonato nacional com as quatro seleções que compõem o Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales).

A competição criada durou 100 anos, até 1989, e seu fim foi parcialmente responsável por reduzir a rivalidade entre escoceses e ingleses, ao menos dentro de campo, uma vez que agora os jogos ocorrem com menor frequência. Desde o referendo de 2014, só três jogos entre as duas seleções foram disputados.

Torcida da Escócia no clássico em 1996, na Eurocopa: derrota dolorida para a Inglaterra (Mike Hewitt / Equipe/Getty Images)

A disputa na Eurocopa nesta sexta-feira é também a primeira vez em que as duas seleções se encontram em um torneio de peso desde a edição de 1996, quando a Inglaterra venceu a Escócia por 2x0, novamente na fase de grupos da competição.

O jogo até hoje é um dos mais comentados nos dois países, e já gerou saia justa também na política: o ex-premiê britânico Gordon Brown foi alvo de críticas na Escócia após supostamente ter dito que o gol do inglês Paul Gascoigne (o segundo daquela partida) era um de seus momentos preferidos no futebol. Brown depois negaria ter dito a frase.

Decisões diferentes no Brexit

Futebol à parte, o nacionalismo por parte dos escoceses voltou a se intensificar após o Brexit porque, no referendo responsável pela decisão, em 2016, a maioria dos escoceses votou para permanecer na União Europeia.

  • A Escócia teve 38% dos votos a favor de sair da UE e 62% favoráveis a ficar;
  • A Inglaterra teve 53% dos votos a favor de sair e 47% favoráveis a ficar;
  • A Irlanda do Norte teve 44% dos votos a favor de sair e 56% favoráveis a ficar;
  • O País de Gales teve 53% dos votos a favor de sair e 47% favoráveis a ficar.

Como o que valeu foram os votos do Reino Unido como um todo, sobrou entre os escoceses — o país que mais votou para permanecer dentre os quatro britânicos — a sensação de estarem sendo arrastados a uma decisão que não tomaram.

Sturgeon, que é premiê da Escócia desde 2014, se mostra desde então favorável a um referendo somente entre os escoceses para decidir se devem continuar no Reino Unido.

Em 2014, a Escócia já havia realizado um referendo de independência, que terminou com a decisão de ficar, escolhida por 55,3% da população, enquanto 45,7% optou por sair do Reino Unido.

No entanto, Sturgeon argumenta que o referendo de 2014 foi feito antes do Brexit, quando ainda poucos acreditavam que os britânicos de fato levariam a cabo uma saída da UE.

A decisão, no entanto, também não é fácil para os escoceses: 60% das exportações do país tem o Reino Unido como destino, enquanto pouco menos de 20% vai para a União Europeia. Ainda que as cifras mudem parcialmente após a concretização do Brexit, que passou a valer de fato em 2021, os escoceses ainda dependem amplamente das relações e fronteiras abertas com os vizinhos ingleses, galeses e irlandeses.

Como o Reino Unido surgiu

Os fatos de os territórios terem seleções separadas mostra parte do caráter peculiar do Reino Unido.

Muito antes daquele jogo histórico em 1872, Inglaterra e Escócia haviam se tornado em 1707 parte de um reino unificado, após uma série de tentativas dos inglesas em anexar a Escócia nos séculos anteriores.

A Inglaterra, naquele momento, já era o chamado Reino da Inglaterra, composto também pelo País de Gales. Com o ingresso da Escócia, se tornaria o Reino da Grã-Bretanha.

Mais tarde, em 1801, o nome Reino Unido passaria a ser oficialmente usado e a Irlanda se juntaria à União (mais tarde, somente a Irlanda do Norte permaneceria no Reino Unido, com a independência da Irlanda, ao sul, em 1937). Assim, o nome completo atualmente é Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.

Não só a Escócia teve problemas com o Brexit. A Irlanda do Norte, que faz fronteira com a Irlanda independente ao Sul, se vê em um problema tarifário e de escoamento de mercadorias.

Como a Irlanda ainda faz parte da União Europeia, mas seu caminho para o continente europeu passa pelo Reino Unido, o comércio foi dificultado. Os países também evitam a consolidação de fronteiras tarifárias claras dentro da Irlanda, temendo o retorno de movimentos nacionalistas e atos terroristas como os que foram comuns no século passado.

A questão da Irlanda foi, aliás, um dos principais temas que travou a concretização do Brexit: desde o referendo em 2016, a separação levou quatro anos e dois primeiros-ministros britânicos até finalmente acontecer, na virada deste ano.

  • Fique por dentro das principais notícias do Brasil e do mundo. Assine a EXAME.
De 1 a 5, qual sua experiência de leitura na exame?
Sendo 1 a nota mais baixa e 5 a nota mais alta.

 

Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.


Ouça o último episódio do podcast EXAME Política, no ar todas as terças-feiras

Acompanhe tudo sobre:BrexitEscóciaFutebolInglaterraReino Unido

Mais de Mundo

Brasil está confiante de que Trump respeitará acordos firmados na cúpula do G20

Controle do Congresso dos EUA continua no ar três dias depois das eleições

China reforça internacionalização de eletrodomésticos para crescimento global do setor

Xiaomi SU7 atinge recorde de vendas em outubro e lidera mercado de carros elétricos