O primeiro-ministro deu instruções às forças armadas para começar um novo modelo de negócio que ajudaria a refundar a Marinha (John Lavall/Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)
EFE
Publicado em 19 de junho de 2018 às 13h55.
Adis Abeba - Quase três décadas depois de perder o acesso ao mar Vermelho, a Etiópia procura com afinco saídas marítimas em portos de países vizinhos, enquanto tenta ressuscitar a Marinha que foi desmantelada após a perda do litoral com a independência da Eritréia.
O novo primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, anunciou seu desejo de conseguir saídas portuárias e deu instruções às forças armadas para começar um novo modelo de negócio que ajudaria a refundar a Marinha.
Após perder a Guerra de Independência da Eritreia em 1991 e, por conseguinte, sua linha litorânea, a Etiópia manteve a Marinha em operação (tinha 3,5 mil soldados e 26 embarcações) com bases no Iêmen e Djibuti, até seu desaparecimento em 1996.
"Tivemos sucesso na construção da defesa nacional com uma das forças aéreas e terrestres mais fortes da África", disse há duas semanas Abiy em discurso perante militares, no qual defendeu o "desenvolvimento da capacidade da força marítima no futuro".
"O primeiro-ministro realiza uma estratégia lógica para proteger os interesses da Etiópia em assuntos regionais e internacionais", explicou à Agência Efe uma fonte do Ministério de Relações Exteriores etíope.
Abiy reforçou essa ideia alegando que "as reformas que serão realizadas na extinta Marinha serão alinhadas com as mudanças socioeconômicas e políticas vividas na Etiópia".
Apesar do desarmamento, a Marinha tem se mantido como um instituto de formação marítimo-militar no lago Tana, o maior do país e que contém 50% das reservas de água doce, além de ser considerado fonte do Nilo Azul.
Por outro lado, o país criou uma companhia estatal de comércio marítimo, que opera com navios atracados em portos do Djibuti, por onde saem e entram 95% das exportações e importações etíopes.
Este bem-sucedido negócio não sai nada barato para a Etiópia, já que paga ao Djibuti quase US$ 2 bilhões por ano, o que representa mais da metade do lucro por exportações etíopes.
Por isso, apenas um mês depois de assumir o cargo em 2 de abril, Abiy realizou três visitas fundamentais nessa estratégia de chegar ao mar: Djibuti, Sudão e Quênia.
No Djibuti, no final de abril, Abiy ofereceu ao presidente desse pequeno país, Ismaïl Omar Guelleh, ações em duas empresas estatais (a companhia aérea Ethiopian Airlines, uma das maiores da África; e a empresa de telecomunicações Ethio-Telecom) em troca de adquirir participações em seus portos.
Dois dias depois dessa visita, Abiy se dirigiu a Cartum, onde alcançou um acordo para que a Etiópia possa usar a maior saída do Sudão ao mar Vermelho, Porto Sudão, para diversificar suas opções e economizar custos.
O premiê etíope obteve um acordo similar menos de uma semana depois no Quênia, onde foi facilitada a aquisição de terrenos na ilha de Lamu (norte).
Abiy obteve essa conquista como parte de um milionário projeto tripartite (Quênia, Etiópia e Sudão do Sul) de transporte e infraestruturas que foi criado em 2012 e que sofreu atrasos por falta de fundos e pela insegurança na região.
No entanto, a busca por um parceiro marítimo pode render frutos: no último sábado, em uma visita oficial à Somália, Abiy e o presidente somali, Mohammed Abdullahi Mohammed, decidiram investir juntos em quatro portos marítimos e melhorar as comunicações por terra entre ambos países.
No mesmo comunicado, ambos líderes se comprometem a impulsionar as relações diplomáticas e comerciais, assim como a acabar com as barreiras econômicas entre a Etiópia e a Somália.
Se os pactos obtidos neste carrossel diplomático chegarem a um bom porto, a Etiópia deixaria de depender tanto do Djibuti, onde cada vez há mais controle e presença de forças navais de países como Estados Unidos, França, China e Japão.
Um fato que, para o analista político Yohannes Anberbir, preocupa a Etiópia, que vê como o litoral mais próximo de seu território ficam cheios de navios militares estrangeiros.
"Os últimos movimentos unilaterais do Djibuti com relação aos portos alarmaram as autoridades etíopes", afirmou Anberbir à Agência Efe.
A reconstrução da Marinha etíope pode, além disso, responder a interesses geopolíticos que vão além dos anéis nacionais de Adis Abeba, como bem sugere Anberbir.
"As ambições navais etíopes - destacou o especialista - parecem estar apoiadas pelos seus aliados ocidentais, principalmente os EUA, na sua tentativa de resistir à crescente influência da China, dos países do Golfo Pérsico - sobretudo da Arábia Saudita -, do Irã e da Turquia".