Protestos na Bolívia em 2019: novo estudo sugere que análise feita pela OEA, e que baseou a acusação de fraude, tem falhas significativas (Javier Mamani/Getty Images)
Gabriela Ruic
Publicado em 8 de junho de 2020 às 12h38.
Última atualização em 8 de junho de 2020 às 13h47.
As eleições na Bolívia terminaram em revoltas nas ruas e na renúncia do então presidente, Evo Morales, após acusações de fraude. O estopim para a crise foi o posicionamento sobre a integridade das votações da Organização dos Estados Americanos (OEA), que publicou um parecer no qual foi recomendada a anulação do pleito. Agora, um estudo independente, conduzido por pesquisadores de universidades americanas, sugere que o parecer da entidade se baseou em análises falhas.
Os pesquisadores Nicolás Idrobo e Dorothy Kronick, da Universidade da Pensilvânia, e Francisco Rodríguez, da Universidade de Tulanne, divulgaram as suas constatações em um documento neste final de semana e teve os seus resultados repercutidos pelo jornal The New York Times. Os dados usados por eles nas análises foram compilados pela publicação e obtidos a partir de dados oficiais da Bolívia.
Vale notar que, embora o estudo tenha encontrado falhas na análise da OEA, o mesmo enfatiza que não traz qualquer evidência de que as eleições de 2019 na Bolívia não tenham sido fraudulentas. “Nossa análise não estabelece a ausência de fraude na eleição, isso jamais poderia ser determinado com base apenas em uma análise quantitativa. Os resultados quantitativos que revisitamos é apenas uma parte do argumento da OEA contra a integridade das eleições”, escreveu o trio.
A pesquisa explica ter analisado três dos vários pontos levantados pela OEA no questionamento do resultado das eleições: um salto nos votos pró-Morales com 95% da apuração, a comparação entre cabines de um mesmo local de votação, o crescimento acelerado da liderança do presidente após as 19h40 do dia da eleição, momento no qual o governo parou de publicar os resultados atualizados.
De acordo com os pesquisadores, uma das falhas está na maneira como a análise foi feita para compreender o tal “salto” dos votos a favor de Morales já no final da apuração, por exemplo, e que sugere um erro de código no sistema usado pela entidade. “Encontramos problemas no método”, explicou Rodríguez ao NYT. “Depois de corrigidos, os resultados encontrados pela OEA somem, e não deixam evidências estatísticas de que houve fraude”.
Ainda segundo eles, embora os pontos analisados pelo estudo sejam apenas alguns dos usados pela OEA na detecção da fraude, tais “desempenharam e continuam a desempenhar um papel importante na crise política na Bolívia”. O artigo ainda não foi publicado em uma revista científica, notou o NYT, tampouco passou pela fase de revisão por pares, quando terceiros revisam o estudo e os resultados.
Em nota, a OEA disse ao NYT que “estatísticas não provam fraude. Evidências sólidas, como falsificação de documentos das urnas e estruturas ocultas de tecnologia, sim. E foi isso que encontramos”. Ainda de acordo com o veículo, a entidade reafirmou os pontos levantados no relatório, que foi publicado em dezembro, e lembrou que a detecção da fraude aconteceu com rapidez.
Esse não é o primeiro estudo que desafia os achados da OEA na Bolívia. Em fevereiro, outra análise, essa conduzida por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e publicada pelo jornal americano The Washington Post, reavaliou as evidências estatísticas e notou que “a Bolívia desconsiderou as eleições de outubro por serem fraudulentas. Nossa pesquisa não encontrou um motivo para suspeitar de fraude”.
A crise política instalada na Bolívia depois das eleições de outubro do ano passado teve desdobramentos graves. Após a renúncia de Morales, manifestantes contra e a favor o ex-presidente tomaram as ruas de toda a Bolívia, em protestos que se tornaram violentos. Jeanine Añez, senadora linhada à direita, assumiu a presidência em caráter interino. As novas eleições deveriam ter sido realizadas em 3 de maio, mas foram postergadas para setembro em razão do novo coronavírus.