Mundo

Estratégia britânica contra coronavírus: calma e higiene

Enquanto a China isolou milhões de pessoas e a Itália está bloqueada, Reino Unido decidiu apostar na conscientização da população

Pessoa usa máscara contra coronavírus em Londres, Reino Unido: enquanto a maioria dos países isola pessoas, britânicos apostam na conscientização sobre higiene (Simon Dawson/Reuters)

Pessoa usa máscara contra coronavírus em Londres, Reino Unido: enquanto a maioria dos países isola pessoas, britânicos apostam na conscientização sobre higiene (Simon Dawson/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 15 de março de 2020 às 06h00.

Última atualização em 15 de março de 2020 às 06h00.

Enquanto a China colocou em quarentena 56 milhões de pessoas e toda a Itália está bloqueada para conter a propagação do coronavírus, o Reino Unido decidiu adotar uma abordagem radicalmente diferente. Em vez de trancar as pessoas em casa, o governo do primeiro-ministro Boris Johnson tenta convencê-las sobre a eficácia da higiene.

Uma equipe pouco conhecida de consultores especializados em psicologia comportamental ajuda a orientar a resposta do primeiro-ministro à crise de saúde, evitando medidas de impacto como restrições de viagens e quarentenas para se concentrar em uma tarefa mais banal: encontrar maneiras de convencer as pessoas a lavar as mãos.

A equipe de Johnson diz que a abordagem, embora menos exigente do que as medidas de outros países, é baseada em modelos sofisticados que podem reduzir a taxa de mortalidade por vírus entre grupos de alto risco no Reino Unido em até 30%. O risco para Johnson é que ele assumirá a culpa se as medidas se mostrarem inadequadas nas próximas semanas e meses.

“Estamos tentando, de uma maneira inédita, usar todas as ferramentas disponíveis: médicas e matemáticas, mas também comportamentais”, disse David Halpern, chefe da Equipe de Percepções Comportamentais do governo e membro do comitê de resposta ao surto.

Em um sinal de como estão determinados a promover uma atmosfera de seguir os conselhos com calma, mesmo depois de a ministra da Saúde, Nadine Dorries, ter sido diagnosticada com coronavírus na segunda-feira, a equipe de Johnson insistiu que não havia necessidade de teste para o primeiro-ministro, porque eles não estiveram em contato próximo e ele lava as mãos regularmente.

Pico de verão

No centro da estratégia do Reino Unido está a constatação de que, se o coronavírus continuar a se espalhar, será impossível impedir que a maioria das pessoas se contamine. Cientistas da equipe dizem que sua missão é atrasar esse processo ao reduzir o número de pessoas infectadas em qualquer época e empurrar o momento de pico da infecção para os meses de verão, garantindo que o Serviço Nacional de Saúde não fique sobrecarregado.

Para conseguir isso, o Grupo Consultivo Científico do Reino Unido para Emergências (SAGE, na sigla em inglês) até agora resistiu aos pedidos de medidas mais drásticas, como proibir a população de assistir a jogos de futebol ou fechar escolas. Como poucas pessoas no Reino Unido têm o vírus, tais medidas teriam pouco efeito, argumentam.

Em vez disso, a equipe usa modelos matemáticos para entender como a doença pode se espalhar, um desafio que depende muito da previsão de comportamento.

É aí que entram os especialistas de Halpern. O grupo foi criado há uma década pelo ex-primeiro-ministro David Cameron para implementar as ideias do economista norte-americano Richard Thaler. Na época, foi batizado de “Nudge Unit”, inspirado no livro de Thaler “Cass Sunstein”, de 2008, sobre como pequenas influências podem ajudar pessoas a tomarem as melhores decisões.

Maior desafio

Os primeiros trabalhos da unidade, que realizou consultoria em mais de 30 países, incluíram mensagens de texto com lembretes para que os cidadãos pagassem os impostos em dia. Mas o coronavírus está em outra escala.

“Os modelos se baseiam muito no que as pessoas farão”, disse Halpern em entrevista. “As pessoas cumprirão as instruções e até que ponto? Se as crianças não vão à escola, o que vai acontecer?”

Um resultado não intencional do fechamento de escolas, disse, pode ser que as crianças passem mais tempo com os avós, potencialmente colocando um grupo de maior risco que o governo deseja especialmente proteger da infecção.

Da mesma forma, proibir a participação em eventos esportivos, onde cientistas consideram improvável que uma pessoa infectada transmita a doença a muitos ao seu redor, pode ser contraproducente se as pessoas assistirem a jogos em bares, onde é mais provável que a doença se espalhe.

Desobediência

Outro risco é impor restrições muito cedo no surto, o que pode cansar as pessoas e levá-las a ignorar as instruções quando for importante.

Uma das ideias da equipe comportamental é que as pessoas têm maior probabilidade de obedecer às regras se fizerem um teste de coronavírus e obterem resultados rapidamente. Por isso, cientistas pressionam por testes muito mais amplos.

O principal desafio, porém, é mais mundano. “Muitas pessoas não lavam as mãos com muita frequência”, disse Halpern. “E, certamente, não por muito tempo.”

Acompanhe tudo sobre:BloombergCoronavírusDoençasEpidemiasOMS (Organização Mundial da Saúde)Reino UnidoSaúde

Mais de Mundo

Social-democratas nomeiam Scholz como candidato a chanceler nas eleições antecipadas

Musk critica caças tripulados como o F-35 — e exalta uso de drones para guerras

Líder supremo do Irã pede sentença de morte contra Netanyahu

Hezbollah coloca Tel Aviv entre seus alvos em meio a negociações de cessar-fogo