Bandeira da União Europeia: saída do Reino Unido do bloco poderá trazer à tona novos referendos em outros países (Christopher Furlong/Getty Images)
Gabriela Ruic
Publicado em 24 de junho de 2016 às 12h42.
São Paulo – Depois de meses de debates fervorosos, a população britânica bateu o martelo ao decidir que sim, é hora de o Reino Unido deixar a União Europeia (UE). Na manhã desta sexta-feira, a contagem final do referendo sobre o tema contava com 48,11% de votos a favor da permanência e 51,89% contra.
Como resultado, David Cameron renunciou ao posto de primeiro-ministro, a Escócia já trabalha em um novo plebiscito sobre a sua independência e a Irlanda do Norte pediu a reavaliação da união com a Irlanda. Mas a saída do país do bloco terá sérias repercussões além do canal da mancha.
Para especialistas, o clima é de tensão. Na visão de Jan Techau, diretor do Carnegie Endowment for International Peace (CEIP), organização internacional de pesquisas em relações internacionais, a reputação do bloco perante o mundo sofrerá daqui em diante. “O simbolismo de um país tão importante estar abandonando o clube – e as consequências dessa decisão – custará caro”, comentou.
A expectativa é que os ânimos dentro da UE sigam exaltados. Especialmente quando se considera o sentimento quase que geral de insatisfação que muitos países vêm expressando em relação ao bloco e o que ele representa, como mostram pesquisas realizadas por diferentes consultorias nos países que formam essa união e que hoje são 28.
Uma pesquisa recente conduzida pelo Instituto Ipsos Mori, consultoria internacional de pesquisas de opinião, em nove países europeus, revelou que a vontade de reavaliar a filiação ao bloco é um fenômeno que vem tomando força em outros lugares.
Segundo a pesquisa, que foi realizada entre os dias 8 de abril e 25 de maio com adultos de até 64 anos, 45% dos europeus desse grupo investigado acreditam que seu país deve convocar um referendo de igual teor ao realizado pelo Reino Unido. E um terço desses entrevistados disse que, na ocasião dessa consulta, votaria pela saída.
Esse desejo varia entre os países pesquisados, mas é evidente na Itália e na França. Entre os italianos, 58% da população quer um referendo e 48% votaria pela saída, caso essa consulta acontecesse. Já entre os franceses, 55% deseja esse referendo e 41% também votaria em deixar o bloco. Veja abaixo como se manifestaram os outros países pesquisados:
As motivações desse descontentamento variam e Ian Bremmer, cientista político e presidente da poderosa Eurasia, uma das maiores consultorias de risco político do mundo, chamou esse sentimento de “eurohostilidade”.
Na sua visão, enquanto na Itália, essa raiva tenha como foco os impactos do euro na economia, na França o assunto é o ultra-nacionalismo alavancado pelo sentimento anti-imigração e anti-Islã. “A fúria e demandas por referendos apenas começaram”, avaliou Bremmer.
Isso mostra que o cenário para a UE não é dos melhores e vai demorar a se estabilizar. Ao longo dos últimos anos, as impressões dos europeus em relação ao bloco variaram ferozmente, consolidando a visão desfavorável nos últimos dois anos, como constata outra pesquisa, essa conduzida pelo Pew Research Center no início desse mês.
Entre os dez países membros avaliados pela pesquisa da entidade, o apoio à UE se mostra dividido. O país que tem a melhor visão em relação ao bloco é a Polônia, onde 72% da população se manifestou dessa forma e apenas 22% se posicionou desfavoravelmente.
A Polônia é seguida pela Hungria, onde 61% dos entrevistados se manifestaram favoravelmente ao bloco e 37% contra, e pela Itália, no qual 58% de pessoas enxergam a UE com bons olhos e 39% olham com desconfiança. Veja no gráfico abaixo como se manifestaram os países consultados pelo Pew Research Center:
As pesquisas mostram que, nessa briga, um país aliado do bloco é a Polônia. De acordo com a pesquisa do Ipsos Mori, 41% dos poloneses concordam com a realização de um referendo, mas apenas 22% votaria pela saída. Além disso, na avaliação do Pew Research Center, fica claro que a maioria esmagadora da população enxerga a UE com bons olhos.
Pudera: o país há tempos vem sendo alçado como uma potência de relevância dentro dos quadros da UE, especialmente por conta do relacionamento tortuoso entre França, Alemanha e o Reino Unido, que agora quer deixar a mesa.
Desde a sua filiação ao clube em 2004, a Polônia conseguiu garantir o seu espaço na esfera de decisão. “Varsóvia aprendeu que pode exercer influência eliminando as diferenças entre Paris, Londres e Berlim. Ainda é um poder buscando o equilíbrio, mas não ao bel prazer desse trio”, considerou o analista Roderick Parkes em artigo publicado no CEIP.
Embora essa relação esteja trilhando um bom caminho, ela não está a salvo de turbulências. No início do mês, a Comissão Europeia (CE) advertiu o país sobre uma série de reformas realizadas pelo governo nos últimos meses e que, na visão da comissão, não correspondem aos valores democráticos do bloco.
As consequências de a Polônia não atender às exigências da UE? Poderá perder o poder que conquistou até aqui. Como o país reagirá, caso esse cenário se concretize? Essa repercussão o mundo e a Europa terão de aguardar.