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Estado da União: Trump discursará, mas democrata pode ofuscar o seu brilho

Tradicional fala do presidente ao Congresso será nesta terça, 5. Do lado democrata, a resposta virá de Stacey Abrams, estrela em ascensão no partido

Stacey Abrams: política democrata foi escolhida pelo partido para responder ao discurso de Trump sobre "Estado da União" (Earl Gibson III/Getty Images)

Stacey Abrams: política democrata foi escolhida pelo partido para responder ao discurso de Trump sobre "Estado da União" (Earl Gibson III/Getty Images)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 3 de fevereiro de 2019 às 06h00.

Última atualização em 4 de fevereiro de 2019 às 11h38.

Resolvido temporariamente o impasse da paralisação parcial do governo dos Estados Unidos, a Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, confirmou o convite à Donald Trump para proferir o segundo discurso da sua presidência sobre o “Estado da União” - originalmente previsto para o dia 29 de janeiro - na próxima terça-feira, dia 5 de fevereiro.

Durante a paralisação, que acabou sendo a mais longa da história do país, aventou-se a possibilidade de o presidente não fazer o discurso, enviando em seu lugar uma carta. Isso não seria inédito. Até 1913, quando Woodrow Wilson deu início à tradição de um discurso ao Congresso, era uma prática comum dos presidentes americanos. Como o advento do rádio, da TV, e da internet, o “State of the Union” tornou-se cada vez mais um espetáculo político, ao invés de mera formalidade prevista na Constituição.

A audiência do discurso deixou de ser apenas o Congresso e tornou-se o público em geral. Em 1997, o juiz da Suprema Corte Antonin Scalia decidiu não mais comparecer a esses eventos, classificando-o como um “espetáculo infantil”. É comum, mas não obrigatória a presença de juízes da Suprema Corte no discurso.

Até sua morte em 2016, Scalia não pisou mais no Congresso Nacional para ouvir a mensagem anual dos presidentes. O mesmo tem feito o juiz Clarence Thomas, que já declarou que o evento “tornou-se muito partidário e é muito desconfortável para um juiz ficar lá”.

Sendo um animal midiático por excelência, Trump não aceitaria de bom grado perder essa oportunidade de falar sobre o seu governo. Os presidentes costumam ter uma leve melhora em seus números de aprovação após o discurso, ainda que muitas vezes isso seja efêmero. Alguns especulam inclusive que essa teria sido uma das razões para Trump ceder aos Democratas nas negociações sobre o muro na fronteira com o México e reabrir o governo temporariamente.

Na terça-feira, portanto, todos os olhos estarão novamente voltados ao presidente dos Estados Unidos. Analistas vão dissecar o conteúdo do discurso, a reação da plateia, os números de audiência e o impacto na aprovação presidencial.

Há, porém, um outro aspecto que devemos prestar atenção. Desde 1966, é tradição que o partido que faz oposição ao presidente dê a sua própria resposta ao discurso. Sempre há alguma curiosidade em saber quem será o escolhido para fazer o contraponto já que isso pode indicar prestígio dentro partido.

Mas a história nos mostra que essa pode ser uma tarefa ingrata. Não se tem notícia de um caso recente de algum político que foi capaz de usar essa plataforma para voos mais altos. Na verdade, o oposto parece ser mais comum. Pequenos deslizes são ampliados pela imprensa e por programas humorísticos.

Alguém se lembra quem fez o último discurso de resposta a Trump? Foi Joe Kennedy III. Desde então, não se ouviu falar mais no neto de Robert Kennedy, que foi criticado pelo uso excessivo de protetor labial durante sua resposta.

Em 2013, com os Democratas na Casa Branca, o senador Marco Rubio, então em ascensão no seu partido, deu a resposta Republicana. Suava muito e a boca parecia seca. No meio do discurso, esticou o braço para pegar uma garrafinha de água que estava mais longe do que ele esperava, o que o obrigou a sair do enquadramento da câmera.

O momento constrangedor marcou a carreira do jovem senador e é até hoje conhecido como “the water bottle incident. ” Anos depois, durante as primárias presidenciais do Partido Republicano em 2016, Trump fez troça com Rubio dizendo, com sua conhecida falta de delicadeza, que ele “suava como um porco”.

Em 2011, após a reação Republicana oficial feita pelo congressista Paul Ryan, políticos ligados ao chamado Tea Party resolveram dar uma resposta adicional, mostrando como os Republicanos já estavam divididos àquela altura. A escolhida para a tarefa foi uma das mais festejadas estrelas do movimento que surgiu em 2009 como reação às iniciativas de Obama: a congressista de Minnesota, Michele Bachman.

Durante o discurso, Bachman olhou o tempo todo para a câmera errada, fazendo a festa dos programas de humor nos Estados Unidos. A partir daí sua carreira política degringolou. Bachman desistiu de disputar a reeleição em 2015. Da mesma forma, Ryan, que foi candidato à vice-presidente na chapa Republicana derrotada em 2012, não concorreu a nenhum cargo em 2018.

Como esses, uma série de outros exemplos poderiam ser citados. Em 2009, o então governador da Louisiana, Bobby Jindal, proferiu a reação Republicana ao primeiro discurso de Obama. Jindal era uma grande aposta do partido. Hoje está sem mandato e é pouco lembrado. No ano anterior, o recém-eleito Senador Jim Webb foi responsável pelo contraponto Democrata ao último discurso de Bush. Abandonou o Senado após o fim de seu mandato e teve destino semelhante à Jindal.

De fato, é difícil citar alguém cuja carreira tenha deslanchado após fazer o discurso de reação ao State of the Union, que cada vez mais parece se assemelhar à metáfora do cordeiro indo para o sacrífico do que um prêmio político.

Para responder à Trump dessa vez os Democratas escolheram Stacey Abrams, que ganhou notoriedade ao quase vencer uma surpreendentemente disputada eleição para o governo da Geórgia no ano passado. Abrams, de apenas 45 anos, é considerada uma estrela em ascensão no Partido Democrata. Será interessante acompanhar sua trajetória após o dia 5.

*Carlos Gustavo Poggio é pesquisador visitante na Universidade de Georgetown, onde realiza pesquisa sobre a ascensão de Donald Trump. É professor dos cursos de graduação em relações internacionais na FAAP e na PUC-SP, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, e coordenador do NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos

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