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Esta é a saga dos primeiros deslocados pelo clima no Alasca

Mudança climática elevou a temperatura no Alasca mais que o dobro da média global. Avanço do mar gera angústia na comunidade local e obriga mudanças constantes


	Alasca: avanço do mar gera angústia na comunidade local e obriga mudanças constantes
 (Abril Press)

Alasca: avanço do mar gera angústia na comunidade local e obriga mudanças constantes (Abril Press)

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Da Redação

Publicado em 25 de março de 2016 às 10h31.

Fairbanks - Esau Sinnok tem apenas 19 anos e já viveu o suficiente para ver o mar tragar três campos de futebol nos quais jogou quando era pequeno; em breve, ele e os demais 649 habitantes de Shishmaref, no Alasca, terão que abandonar a terra onde moram.

Lar da comunidade esquimó Iñupiaq, Shishmaref, uma ilha situada a sete quilômetros do continente, ao norte do estreio de Bering que separa os Estados Unidos da Rússia, perdeu um quilômetro de costa nos últimos 50 anos, sendo que a metade foi vista por Sinnok em suas menos de duas décadas de vida.

Sua mãe, segundo explicou à Agência Efe, dorme mais tranquila desde que no último verão Sinnok foi estudar em Fairbanks, segunda maior cidade do Alasca, porque, como muitas outras mulheres de Shishmaref, vivm com a angústia de que uma onda possa arrasar a comunidade e levar seus filhos.

A mudança climática elevou a temperatura no Alasca entre dois e três graus no último meio século, mais do que o dobro que a média do resto do planeta, derretendo a camada de gelo que exercia a função de barreira protetora diante da erosão e do impacto de tempestades que agora devoram, com sua ação conjunta, as comunidades litorâneas.

Em 2001, a comunidade de Shishmaref votou por situar-se em terra firme, a vários quilômetros do litoral, "uma decisão inevitável, mas para a qual ninguém está preparado", lamentou Sinnok.

Um relatório do governo dos Estados Unidos estima que 180 povoados do litoral do Alasca, 86% deles habitados por comunidades indígenas, serão seriamente afetados pela erosão; e que a população de 24 localidades devem ser necessariamente realocadas. Três delas - Shishmaref, Kivalina e Newtok - já aprovaram a mudança.

"Não temos escolha", sentenciou Romy Cadiente, coordenador da tribo Yupik de Newtok, um povoado litorâneo do delta do rio Ninglick, 600 quilômetros ao sul do estreito de Bering.

Um relatório da Marinha americana determinou que é impossível proteger o povoado, nem mesmo com uma engenharia capaz de construir uma barreira protetora perante tão arrasadora erosão.

Segundo esse documento, Newtok, que perde 25 metros de costa por ano, pode ficar completamente submersa em 2017.

Em colaboração com organismos estaduais e federais, "a tribo decidiu se movimentar a uma nova localização 16 quilômetros para o interior, mais elevada e segura", declarou Aaron Cooke, arquiteto da Universidade de Fairbanks, que ajuda a comunidade no processo de realocação há sete anos.

Cooke projetou para a comunidade uma casa protótipo de madeira móvel (colocada sobre esquis de ferro gigantes) capaz de purificar a água, reciclar os resíduos e gerar eletricidade por meio de baterias que armazenam a energia de coletores solares.

Seu plano original era construir a casa em Newtok e deslocá-la à nova localização, mas quando, em outubro do ano passado, Cooke chegou a essa cidade com os materiais, o mar acabava de "devorar" o píer e não houve maneira de atracar a embarcação.

"Felizmente já tinham construído um píer perto da nova localização e deixamos os materiais lá", acrescentou.

No final de abril, Cooke se deslocará a Mertavik ("o lugar de água doce"), nome indígena da futura localização de Newtok, para construir a casa modelo com ajuda dos membros da comunidade.

A casa será montada sobre esquis para que, quando o novo povoado dispor de planejamento urbano, saneamento e o resto de infraestruturas básicas, possa se movimentar para se adaptar a elas.

Os US$ 230 mil que custou foram bancados pela própria comunidade. Mas quem paga o resto das casas e o custo em si do deslocamento de todo um povoado, estimado em US$ 130 milhões no caso de Newtok?

Os esquimós de Newtok vivem com recursos de subsistência: comem as focas que pescam e as aves migratórias que caçam.

Cooke considera que das 65 casas atuais (para 350 pessoas), só 12 reúnem as condições para serem movidas nos esquis gigantes, as outras terão que ser construídas e por enquanto só dez famílias conseguiram ajudas para isso da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema, na sigla em inglês).

"Newtok é um filme de terror em câmera rápida, é impossível erguer um povoado do zero nos menos de dois anos que vai demorar para desaparecer o atual", advertiu o arquiteto.

O presidente dos EUA, Barack Obama, pediu autorização ao Congresso para destinar US$ 400 milhões "para cobrir as circunstâncias às quais enfrentam estas comunidades pelo aumento do nível do mar, a erosão e as tempestades".

"Embora não seja suficiente para recolocar as comunidades, é um bom começo" reconheceu à Agência Efe Robin Bronen, uma advogada que dirige o Instituto para a Justiça no Alasca, que trabalha para criar leis em nível estadual, federal e internacional que reconheçam legalmente a figura dos deslocados climáticos e prevejam financiamento para apoiá-los. 

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