Não convém a esses países de forma alguma, e eles devem estar cientes disso — disse Dmitry Peskov aos repórteres (Anadolu Agency/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 11h04.
O porta-voz do Kremlin disse nesta terça-feira que um possível envio de tropas para a Ucrânia "não convém" ao Ocidente, em resposta a uma declaração feita no dia anterior pelo presidente francês Emmanuel Macron, sobre não descartar um potencial envio de tropas ocidentais a Kiev. A fala causou inquietação dentro da própria França e entre aliados, que endossaram a ajuda à Kiev, mas rejeitaram o envio de forças terrestres.
— Não convém a esses países de forma alguma, e eles devem estar cientes disso — disse Dmitry Peskov aos repórteres, afirmando que o simples fato de levantar essa possibilidade supõe "um novo elemento muito importante" no conflito, já que s
Peskov comentou que o Kremlin está "ciente da posição de Macron sobre a necessidade de infligir uma derrota estratégica à Rússia". Dias antes do "aniversário" de dois anos do conflito, Moscou reivindicou avanços importantes nas frentes de combates, inclusive com a conquista de Avdiivka, uma cidade no leste ucraniano que havia se tornado um símbolo de resistência para Kiev.
As tropas ucranianas, por sua vez, têm enfrentado problemas com seu estoque de munições cada vez mais escasso — um dos grandes "calcanhares de Aquiles" do apoio ocidental à Ucrânia. Nesse contexto, a fala de Macron surge no momento em que países aliados de Kiev tentam angariar apoio. O presidente francês afirmou que fará "tudo que for necessário para garantir que a Rússia não vença essa guerra".
O presidente francês anunciou a criação de uma coalizão internacional para fornecer mísseis de médio e longo alcance aos ucranianos, sem citar as nações envolvidas. No encontro, o premier da República Tcheca, Petr Fiala, apresentou uma iniciativa dentro da União Europeia para que as nações se unam para comprar munições fora do continente europeu e destiná-las a Kiev. Seu homólogo holandês, Mark Rutte, disse que seu país contribuiria.
Mas, fornecer apoio é diferente de se envolver diretamente nos combates. Por isso, apesar de não descartar o envio de tropas ocidentais, Macron reiterou que "não há consenso hoje para mandar forças terrestres de forma oficial, declarada e endossada", pelos governos ocidentais, o que foi reiterado de maneira contundente pelas autoridades nesta terça-feira. A fala do líder francês reverberou de maneira contrária ao esperado, causando inquietação até mesmo internamente.
O primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, cujos detratores o veem como próximo a Moscou, disse após a reunião que não havia consenso sobre isso, mas que há países "prontos para enviar seus próprios soldados para a Ucrânia". Já o premier da Suécia Ulf Kristersson, cujo país está prestes a ingressar na OTAN após sinal verde da Hungria, disse que o envio de tropas "não está em pauta no momento".
Logo após a invasão russa na Ucrânia, Estocolmo apresentou sua candidatura oficial, em conjunto com a Finlândia, aceita na Otan em abril de 2023. Kristersson enfatizou que a Suécia está atualmente se concentrando no envio de "equipamentos avançados" para Kiev, depois que seu governo anunciou um novo pacote de ajuda militar no valor de US$ 682 milhões em 20 de fevereiro.
O premier sueco disse que "não há nenhuma solicitação" da Ucrânia para tropas de países ocidentais no local, sem descartar essa possibilidade no futuro, e que os países têm diferentes tradições de "intervenção" internacional e "a tradição francesa não é a tradição sueca".
Ao mesmo tempo, os primeiros-ministros da Polônia e da República Tcheca, Donald Tusk e Petr Fiala, disseram que não considerariam a possibilidade de enviar suas tropas para a Ucrânia, mas defenderam o "máximo apoio" ao esforço militar de Kiev. O mesmo foi dito por Scholz, que rechaçou a fala de Macron:
— O que foi acordado no início entre nós também se aplica ao futuro, ou seja, não haverá soldados em solo ucraniano enviados por países europeus ou países da Otan — disse o premier alemão a repórteres na cidade de Freiburg.
O porta-voz do governo britânico disse nesta terça que não há planos para enviar soldados à Kiev em grande número, alegando que o Reino Unido "já tem um pequeno número de funcionários no país apoiando as forças armadas da Ucrânia, inclusive para treinamento médico". A Espanha também afirmou que não está "de acordo" com a ideia de "enviar tropas europeias para a Ucrânia", embora reconheça o caráter "urgente" de "acelerar" o envio de material militar para Kiev.
A própria aliança descartou qualquer envio de forças terrestres á Kiev. Um oficial da Otan afirmou à AFP nesta terça que a aliança e seus membros "estão prestando assistência sem precedentes à Ucrânia" e que tem feito isso "desde 2014", quando a península da Crimeia foi anexada por Moscou.
Dentro da França, o líder da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, chamou de "loucura" o envio de tropas para a Ucrânia, e a extrema direita disse que o presidente "perdeu a cabeça".
'Inevitabilidade' de confronto
Além do consenso, há um ponto que impede a participação direta ocidental na guerra: como a Otan, a principal aliança militar do Ocidente, e que serve de principal sustentáculo militar para a Ucrânia, iria considerar os combates diretos entre suas forças e a Rússia? Quando questionado se a presença de tropas dos países membros da Otan em Kiev a levaria a um confronto direto entre a aliança e a Rússia, o porta-voz respondeu:
— Nesse caso, teríamos que falar não de uma possibilidade, mas da inevitabilidade [de tal confronto]. — disse ele, alertando: — E esses países têm [...] que se perguntar se [o confronto com a Rússia] é de seu interesse e, acima de tudo, se é do interesse de seus cidadãos.
Pelo Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, que rege a organização, caso um dos membros sofra um ataque, este será considerado como uma agressão a todos os demais integrantes, que têm o compromisso de agir de acordo com a ameaça. Eventuais mortes de soldados poderiam se enquadrar em um ataque direto à aliança, trazendo riscos de uma guerra total e direta entre a Otan e Moscou, o que poderia, em um cenário catastrófico, envolver armas nucleares.
Não oficialmente, há militares de países como os EUA dentro da Ucrânia, prestando consultorias e inspecionando entregas de equipamentos enviados por aliados.