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Entrevista: boicote a Olimpíada chinesa é embaraçoso, mas tem pouco efeito

A ameaça da covid-19 ou declarações dos atletas são um problema maior para Pequim ao longo dos Jogos de Inverno neste mês, analisa Joe Renouard, do centro Hopkins-Nanquim, na China

Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), e Xi Jinping, presidente da China: abertura com estádio vazio pelos protocolos da covid e ausência de líderes ocidentais (TOBIAS SCHWARZ/AFP/Getty Images)

Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), e Xi Jinping, presidente da China: abertura com estádio vazio pelos protocolos da covid e ausência de líderes ocidentais (TOBIAS SCHWARZ/AFP/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 5 de fevereiro de 2022 às 08h00.

Última atualização em 5 de fevereiro de 2022 às 20h03.

Em um estádio abaixo da capacidade pelos protocolos da covid-19 e com ausência dos principais líderes ocidentais, a China deu início aos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim nesta sexta-feira, 4, quase 14 anos depois de a cidade sediar sua primeira Olimpíada.

Se os Jogos de 2008 foram, sob todo ponto de vista, "um tremendo sucesso", o mesmo não deve se repetir em 2022, com a ômicron jogando água no chope dos organizadores, analisa Joe Renouard, professor do centro conjunto da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, com a Universidade de Nanquim, na China. Para além da pandemia, o evento neste ano mostra uma China que foi de emergente a potência, mas que também convive com menor abertura às dissidências e um governo cada vez mais centralizador do presidente Xi Jinping.

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"O povo da China tem muito do que se orgulhar, e quase todos viram seus padrões de vida sendo elevados desde 2008. Mas o ambiente interno e internacional claramente se afastou do zeitgeist aberto e pró-globalização do período 2000-2010", diz Renouard, que é autor do livro Human Rights in American Foreign Policy: From the 1960s to the Soviet Collapse (Penn Press).

Falando à EXAME por e-mail antes da abertura dos Jogos, o historiador comenta os principais dilemas da China olímpica, do coronavírus aos embates com os EUA. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


Atleta da China nas Olímpiadas de PyeongChang, em 2018: expectativa era que Jogos de 2022 celebrassem alguma volta à normalidade, mas ômicron estragou os planos (Remote Richard Heathcote/Getty Images)

Quão diferente é a China que o mundo encontra em 2022 em comparação com aquela de 2008? 

A China de 2022 é notadamente diferente do que era em 2008. Os Jogos de Verão de 2008 foram o verdadeiro momento de aparição global da China. Foi uma oportunidade de anunciar ao mundo que "estamos modernizando, estamos abertos para negócios, estamos abertos a coisas novas, e estamos fazendo tudo pacificamente". Em suma, os Jogos de 2008 foram um tremendo sucesso em quase todos os níveis.

Em 2022, esta não é mais a "China em ascensão" – uma nação ainda em desenvolvimento que espera um dia se juntar às fileiras das potências mundiais – é, desta vez, uma "China ascendida", um poderoso competidor com grandes ambições. A China hoje é três vezes mais rica do que era há 14 anos, e muito mais confiante. É a maior nação manufatureira do mundo, e possui a maior economia do mundo em termos de PPP [dólar paridade de compra]. Depois de muitos anos "escondendo sua força" e "caminhando no seu tempo", a China na era Xi Jinping tornou-se muito mais assertiva na busca por seus interesses em todas as frentes, do comércio e investimento à tecnologia, segurança regional e governança global.

Sediar Olimpíadas parece ter uma relação forte com o momento político e econômico dos países. Qual é a mensagem agora quando se trata de China?

Com a crescente confiança da China, as mensagens para o mundo também se tornaram mais nacionalistas. Embora seja verdade que a China se destaca como um dos grandes financiadores e investidores - cujo capital é bem-vindo em muitos cantos do mundo em desenvolvimento -, também está cada vez mais pressionando por seus interesses na região da Ásia Oriental. Isso inclui o fortalecimento de suas reivindicações para Hong Kong, Taiwan e todo o Mar do Sul da China. Pequim insiste que a nação está simplesmente exercendo seus direitos sobre seu território soberano, mas outros países da região têm uma visão muito diferente das coisas.

Crianças com os mascotes dos Jogos: lema das Olimpíadas em 2022 é "unidos por um futuro compartilhado" (Du Jianpo / Costfoto/Future Publishing/Getty Images)

A sociedade chinesa também está menos aberta hoje do que em 2008. Os líderes políticos de hoje estão menos dispostos a tolerar dissidências, como evidenciado pelas restrições substanciais sobre a mídia. Em suma, o povo da China tem muito do que se orgulhar, e quase todos viram seus padrões de vida sendo elevados desde 2008. Mas o ambiente interno e internacional claramente se afastou do zeitgeist aberto e pró-globalização do período 2000-2010.

Que impacto tem o boicote diplomático dos EUA, na sua opinião? Isso pode comprometer a imagem que a China espera retratar como país sede dos Jogos? 

Os boicotes diplomáticos são um tanto embaraçosos, mas são uma resposta relativamente modesta de um bloco de nações ocidentais e do Pacífico – EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Japão e alguns outros – que já têm uma reputação histórica de desafiar Pequim. Esses governos poderiam, na realidade, ter sido muito mais duros: lembre-se que dezenas de nações se recusaram a enviar atletas para os Jogos de 1980 e 1984 em Moscou e Los Angeles devido às tensões da Guerra Fria. E como o resto do mundo não aderiu ao boicote desta vez, a declaração diplomática não é muito mais do que uma irritação simbólica para os líderes chineses.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e presidente da China, Xi Jinping, se reúnem em Pequim

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e presidente da China, Xi Jinping: Putin foi a Pequim para a abertura das Olimpíadas e uma reunião com Xi (Sputnik/Aleksey Druzhinin/Kremlin/Reuters)

Pequim está muito mais preocupada com incidentes durante os Jogos, especialmente críticas públicas ao regime. Autoridades chinesas sinalizaram que os atletas visitantes devem seguir as leis de discurso público da China. Mas se alguém fizer isso, criará um dilema. Eles realmente vão punir alguém que critica o registro de direitos humanos da China?

Afinal, punir um atleta olímpico visitante pelo simples ato de falar provavelmente causaria tanto uma linha diplomática bilateral quanto um desastre de relações públicas internacionais. Não saberemos, a menos que aconteça. De qualquer forma, o regime terá, a seu lado nessa cautela, o Comitê Olímpico Internacional (que proibiu todas as formas de expressão política já nos Jogos de Verão de Tóquio do ano passado) e os patrocinadores corporativos (muitos dos quais têm laços comerciais profundos com a China).

Muito tem sido dito sobre a China tentar usar os Jogos como vitrine para seu sucesso nas políticas de covid - só o Brasil, por exemplo, teve mais de 600 mil mortos, enquanto a China tem menos de 5 mil. Isso pode funcionar?

Pequim está em uma situação difícil. Por um lado, os líderes chineses têm todas as razões para divulgar seus métodos bem-sucedidos. Enquanto outros governos não foram capazes de conter o vírus, o bloqueio abrangente da China efetivamente isolou a doença e rapidamente devolveu o país a uma quase normalidade. O governo chinês, de fato, aproveitou a crise para obter maior aprovação pública doméstica, e Pequim está emergindo da pandemia mais confiante em suas transações internacionais.

Trabalhadores das Olimpíadas, que integram a "bolha sanitária" dos Jogos, tiram selfie durante abertura: não foram vendidos ingressos para a cerimônia (Annice Lyn/Getty Images)

Por outro lado, a política de tolerância zero significa que deve-se responder até mesmo a um pequeno surto com uma medida esmagadora. Os líderes da China se esforçaram muito nos últimos meses para evitar que o vírus se espalhasse, até mesmo bloqueando 13 milhões de pessoas em Xi'an. Eles terão [nas Olimpíadas] que isolar atletas do público de forma assídua e realizar um regime de testes massivo na esperança de evitar um surto.

Os Jogos continuarão, mas é provável que a pandemia coloque uma nuvem sobre todo o evento. Enquanto em tempos normais as Olimpíadas oferecem uma tremenda oportunidade para a autopromoção nacional e para os visitantes experimentarem a nação anfitriã em primeira mão, visitantes estrangeiros foram banidos e chineses comuns não podem participar de nenhum evento. Infelizmente, é improvável que esses Jogos sejam lembrados como uma Olimpíada que "humanizou" a imagem da anfitriã.

O Congresso do Partido Comunista ocorrerá também neste ano, e deve oficializar novo mandato de Xi Jinping. O sucesso ou não das Olimpíadas influencia de alguma forma a política interna? 

Desde que os Jogos sejam bem-sucedidos - e com "sucesso" aqui definido como "sem grandes constrangimentos" -, é improvável que tenham muito efeito no cenário político doméstico, incluindo no próximo Congresso do Partido.

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