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Binetti, da LSE: o que a crise na Argentina diz sobre as eleições na América Latina

A inflação que tira o sono do governo em Buenos Aires também tem sido central na política do resto da região, diz o pesquisador argentino Bruno Binetti

Binetti, da London School of Economics: "No Chile, na Colômbia ou no Brasil, o que há é uma impaciência e vontade de tirar seja quem estiver no poder" (Reprodução/Reprodução)

Binetti, da London School of Economics: "No Chile, na Colômbia ou no Brasil, o que há é uma impaciência e vontade de tirar seja quem estiver no poder" (Reprodução/Reprodução)

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Carolina Riveira

Publicado em 10 de julho de 2022 às 08h30.

Após dias de completo caos no alto escalão e renúncia do ministro da Economia, a Argentina começa uma espécie de "nova era" no governo Alberto Fernández, com a independência do presidente de vez enterrada frente ao poderio da vice Cristina Kirchner. Enquanto isso, o governo enfrenta seu último ano de mandato com uma inflação em mais de 50%, população empobrecida e uma dívida externa que, apesar de renegociada, segue sufocando a economia.

Para o internacionalista argentino Bruno Binetti, pesquisador no think-tank Inter-American Dialogue, nos EUA, e na London School of Economics, na Inglaterra, o bloco peronista terá muitos desafios para primeiro, se entender dentro de casa e, depois, para melhorar suas perspectivas até as eleições de 2023. À EXAME, o analista falou nesta semana sobre o que esperar na economia da Argentina, e, no plano externo, a relação entre Cristina Kirchner e Lula (que vê como "aliados incômodos") e o cenário de rejeições e inflação na região — que pode vitimar, ao mesmo tempo, nomes tão distintos quanto Fernández à esquerda e Jair Bolsonaro à direita. "A constante atual é: os que governam estão perdendo as eleições, independentemente da posição", diz.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista (e veja aqui a reportagem completa sobre a crise argentina).


Cristina Kirchner, vice, e o presidente Alberto Fernández: racha no alto escalão do governo argentino (Natacha Pisarenko - Pool/Getty Images)

Um dos principais desafios da Argentina era renegociar a dívida externa. Isso foi obtido pelo ministro da Economia, Martín Guzmán, que mesmo assim renunciou na última semana. O que deu errado no caminho?

De fato, a prioridade quando esse governo assumiu era normalizar a dívida herdada de Macri [ex-presidente até 2019], primeiro com credores privados e depois com o Fundo Monetário. Até aí, Guzmán parecia ter tanto o apoio de Cristina quanto do presidente. Mas esse apoio acabou quando se firmou o acordo com o FMI. Nesse momento, ficou claro que, apesar de ser um acordo relativamente flexível, ainda era o FMI. Seguia tendo metas, redução de déficit, de subsídios, coisas que, para o kirchneerismo, eram demasiado ortodoxas. A partir desse momento, o kirchneerismo negou seu apoio no Congresso, passou a ser constante o ataque a Guzmán e, por consequência, ao presidente.

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A isto se agregou que o contexto econômico argentino é muito difícil, e os problemas vão muito além da dívida. A dívida é mais um sintoma dos desajustes estruturais, e não a causa. O governo havia apresentado a renegociação da dívida como um grande feito, mas uma vez obtido isso, os problemas persistiram. Temos uma inflação inercial, em que o ponto de partida é muito mais alto do que em outros países. Então isso também desgastou o governo.

A nova ministra Silvina Batakis acaba de tomar posse, com as bençãos da vice-presidente Cristina Kirchner. O que esperar da gestão da Argentina à frente da economia agora?

Guzmán, mais do que sua figura em si, era o último sinal de independência que sobrava a Fernández, e agora está claro que isso não existe mais. O fato de que o resto do gabinete parece que irá se manter, pode indicar que não é uma mudança de rumo tão drástica, mas sim uma tentativa de Fernández evitar uma ruptura definitiva com Cristina e aguentar até o final do mandato. Se eu tivesse de adivinhar, diria que a linha da nova ministra vai ser controle de preço, restringir a saída de capitais, o tipo de ferramentas mais de curto prazo que o kirchneerismo várias vezes usou. O discurso de Cristina vinha sendo de que, se Guzmán se mantivesse, o peronismo se encaminharia para uma derrota eleitoral. A saída de Guzmán parece ser o fim de uma etapa — de uma tentativa de manejar a economia, se não de uma maneira ortodoxa, mas mais racional, se quiser chamar assim.

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Qual é a visão da população sobre o governo Fernández, posto que ainda resta um ano de mandato pela frente?

Se, quando Fernández assumiu, existia a expectativa de que poderia ser uma alternativa mais moderada, me parece que à essa altura essa esperança está totalmente eliminada. A sensação é de um governante totalmente atropelado pelas circunstâncias e incapaz de reagir. A autoridade presidencial se evaporou nesse meio tempo. Primeiro pelo desenho do governo desde o início, em que a figura mais poderosa era a vice; e a isso se adicionou o problema da execução, que o Fernández nunca conseguiu assumir de fato, ficou num círculo de assessores cada vez menor até chegarmos ao ponto dessa semana.

O bloco peronista justamente perdeu as eleições legislativas no ano passado, embora tenha conseguido reverter o pior cenário. Quais perspectivas para as eleições de 2023? Fernández vai tentar se reeleger, Cristina vai disputar, como ficará isso?

Fernández diz que quer ser reeleito, mas me parece, nesse momento, uma fantasia que é só dele. A verdade é que, apesar de tudo, é Cristina quem vai ter o controle sobre essa decisão, e acredito que ela vá especular até o último momento para ver se tem chances de ser candidata, ou se vai escolher alguém. Ela tem um núcleo de apoio bastante importante, de 20%, 30% dos votos, sobretudo votos em Buenos Aires que são muito leais a ela. A questão é que só isso não basta para chegar à presidência, sobretudo depois desses quatro anos. Ela tem tentado se separar do governo e se colocar quase como opositora de um governo que ela mesma criou. Mas, evidentemente, há um custo político do que está acontecendo e que vai afetar a ela também. Provavelmente, se a economia continua nesse nível de descalabro, Cristina chega enfraquecida também.

Peso argentino: inflação inercial no país se torna ainda mais difícil de combater com a crise global, um problema grande para o governo Fernández (Tomas Cuesta/Getty Images)

Teremos eleições no Brasil em outubro, e não é segredo que Lula é próximo a Cristina e Fernández. E recentemente tivemos várias vitórias de políticos de esquerda na América Latina, o que tem sido especulado como uma nova "onda rosa". Esses resultados podem ter alguma influência sobre as eleições na Argentina em 2023 ou, na verdade, a população local não é tão impactada por isso?

Se Lula ganhar, o kirchnerismo vai apresentar como uma vitória própria, um símbolo de que a esquerda está viva. Mas, não acredito que tenha um grande impacto eleitoral. Os problemas da Argentina são muito domésticos. E minha visão é que, já há algum tempo, o kirchneerismo e Lula são o tipo de sócios um pouco incômodos. Principalmente agora que Lula tenta se apresentar como uma figura pragmática — esse Lula de 2003, que faz uma aliança com a centro-direita, com o Alckmin. Para além das declarações de irmandade e “pátria grande”, não acredito que nenhum dos dois lados vá avançar muito em políticas comuns. E assim é em toda a América Latina, as eleições se decidem muito mais por questões domésticas.

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Não é um pouco curioso que a Argentina, que de certa forma “inaugurou” em 2019 a leva de presidentes de esquerda da América do Sul voltando, possa ir na contramão e ver o grupo peronista perdendo em 2023?

Já aconteceu antes, de a Argentina eleger um governo de direita quando havia outros presidentes de esquerda no resto da região. Essas ondas têm uma duração curta, cada país tem sua dinâmica, então existem essas questões pelos calendários eleitorais diferentes. Mas, sobretudo, a constante atual é: os que governam é que estão perdendo eleições. Para além do fato de a situação da Argentina ser muito grave e há muitos anos, em todos os países há inflação e descontentamento com quem está no governo, independentemente da posição. No Chile, na Colômbia, e inclusive no Brasil, o que há é uma impaciência e vontade de tirar seja quem estiver no poder.

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