De mãos armadas: soldados do Exército de Libertação Nacional. (ELN) (Carlos Villalon/Getty Images)
Vanessa Barbosa
Publicado em 18 de janeiro de 2019 às 17h10.
Última atualização em 19 de janeiro de 2019 às 15h22.
São Paulo - “Há uma guerra a menos no mundo, e é a da Colômbia”, comemorou o então presidente colombiano Juan Manuel Santos, após receber o Nobel da Paz em 2016 por ter concluído as negociações de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Três anos depois, na manhã da última quinta-feira (17), um ataque com um carro-bomba na escola de treinamento dos cadetes da polícia de Bogotá deixou 21 mortos e mais de 60 feridos, o maior atentado no país em mais de uma década.
O governo qualifica a ação como "ataque terrorista" e identifica o autor, morto na explosão, como José Aldemar Rojas Rodríguez, conhecido como "El Mocho", uma alusão a sua deficiência: ele perdeu a mão em seus anos de trabalho com explosivos para o Exército de Libertação Nacional (ELN).
O ataque altamente visível e letal possui alto significado político: a guerra continua, agora travada com o último grupo de guerrilheiros ativos do país. Conheça como o ELN surgiu, como atua e por que o governo da Colômbia tem fracassado em suas tentativas de negociar a paz.
Forjado na esteira das turbulências dos anos 1950 e 1960, período conhecido como La Violencia devido aos conflitos e tensões em torno da distribuição de terra e outros recursos no campo, atiçados pelo bipartidarismo entre conservadores e liberais, o grupo resistiu a lutas internas e ofensivas do governo há mais de meio século.
Com a ex-guerrilha FARC compartilha a inspiração marxista-leninista, defendendo a ideia de uma sociedade mais justa e menos desigual.
Como um levante camponês, os insurgentes se guiam pela revolução cubana e pela Teologia da Libertação, uma corrente cristã latino-americana voltada para a defesa dos pobres, e tem influência em setores urbanos, principalmente estudantis e sindicais.
Atualmente, segundo estimativas do governo colombiano, há 2.000 combatentes no grupo, que recorre às armas e a táticas violentas em nome da justiça social e combate à “oligarquia colombiana”.
Na década de 1990, três anos após se fundir ao Movimiento de Izquierda Revolucionaria Patria Libre (MIR-Patria), o ELN expandiu sua atuação, realizando centenas de sequestros e sabotagem de infraestruturas, sobretudo na área de energia e petróleo, que tornou-se o eixo da expansão do grupo.
Porém, sabe-se hoje que ao longo da década de 2000, algumas unidades do ELN aliaram-se mais estreitamente aos
traficantes de drogas, e o narcotráfico passou a ser mais uma fonte de financiamento das atividades do grupo.
A atuação dos insurgentes se dá predominantemente em zonas rurais, mas não se restringe a elas. Segundo dados da Fundação Paz e Reconciliação, o ELN representa um fator real de poder em quase 10% dos 1.122 municípios colombianos.
Apesar de outras guerrilhas e grupos paramilitares terem negociado acordos com o governo, o processo com o ELN avança a um ritmo agonizante.
Após tentativas de negociação fracassadas em governos anteriores, em março de 2016, o então presidente Juan Manuel Santos anunciou um acordo para iniciar negociações públicas com o Exército de Libertação Nacional. As duas partes já vinham se reunindo secretamente desde o início de 2014.
Ao mesmo tempo que aprofundava o diálogo com o ELN, o governo colombiano negociava a paz com a maior guerrilha do país, as FARC.
"Desde o início do meu governo eu disse que temos que acabar com o conflito, que temos que remover esse obstáculo do nosso caminho, para que todos possamos nos dedicar ao que realmente importa, que é construir a paz, nossa tranquilidade em todo o território nacional", declarou Santos na ocasião.
Se o plano com as FARC foi bem sucedido, não saiu como se esperava com o ELN. São diversos os fatores que tornaram as negociações complexas e arriscam minar o importante processo de construção de confiança entre as partes, segundo relatório do Instituo Igarapé, especializado em segurança pública.
Dentre eles, uma certa relutância da guerrilha em negociar a paz (especialmente das unidades do ELN com crescente força e participação no comércio de drogas); a insistência do ELN em assegurar uma participação abrangente da sociedade civil (considerada excessivamente abstrata pela governo colombiano) e a tendência, por parte do governo, de tratar o ELN como um mero “irmão caçula” das FARC.
A situação ficou ainda mais delicada quando o presidente colombiano Iván Duque assumiu o poder em agosto de 2018, estabelecendo condições estritas para continuar as negociações, como a libertação de reféns sequestrados e o fim de atos violentos, exigências que desagradaram ao ELN, o que aumentou o risco de hostilidades.
De acordo com o governo Duque, durante os 17 meses que durou as negociações entre seu antecessor, o ex-presidente Juan Manuel Santos, e o ELN, entre fevereiro de 2017 e agosto 2018, o a país registrou 462 atividades criminosas, registrou a morte de 100 pessoas, 148 ataques contra a infraestrutura petrolífera, além de 16 sequestros, todos associados ao grupo insurgente.
Frente a esses números, o governo atual insiste que não retornará à mesa de diálogo até ver fortes gestos de paz do ELN. Na ausência de um cessar-fogo, os enfrentamentos diretos continuam. Entre o conflito e a paz, ainda há um longo e árduo caminho a ser percorrido. Resta saber se de mãos dadas ou armadas. O ataque letal da última quinta-feira dá um sinal.