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Entenda como funciona a urna eletrônica na Venezuela

Especialistas afirmam que sistema é confiável, mas que falta de acesso às atas de votação, como tem denunciado a oposição, joga dúvidas sobre processo eleitoral

Agência o Globo
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Publicado em 30 de julho de 2024 às 07h43.

Última atualização em 30 de julho de 2024 às 07h57.

Um dia depois da eleição presidencial que, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE),
foi vencida por Nicolás Maduro, o procurador-geral do país anunciou a abertura de um inquérito sobre um suposto ataque hacker ao sistema eleitoral, atribuído a elementos da oposição. Desde o início do século, a Venezuela usa a votação eletrônica, propagandeada até pelo próprio governo, mas que não impede outras formas não digitais de manipulação.

Entenda como é a urna usada na Venezuela

A urna eletrônica na Venezuela é similar a um computador pessoal: após entregar a identificação a um mesário, o eleitor tem acesso a uma tela com os nomes dos candidatos ao cargo em disputa. Após escolher e confirmar o voto, a máquina emite um comprovante que será depositado em uma urna para eventual auditoria.

Em entrevista à BBC, Eugenio Martínez, jornalista venezuelano e especialista no sistema eleitoral, disse que essas contagens são feitas em pelo menos 50% das seções eleitorais, para garantir que não houve disparidades entre o registrado pelas máquinas e o que foi impresso.

"Até agora, não foi encontrada uma ata sequer que seja diferente do que foi publicado pelo CNE", afirmou.

No final da votação, cada máquina vai emitir um relatório de voto, similar ao existente no Brasil, que deve — ao menos em teoria — ser impresso na frente de testemunhas, incluindo representantes de partidos que não o do governo.

"Quando o presidente [da seção] fecha as urnas, uma folha de contagem com um código QR é impressa. As pessoas [além das testemunhas] podem entrar e registrar esse código para garantir maior controle sobre os resultados", afirmou, em entrevista ao El País, Griselda Colina, ex-diretora suplente do CNE e atual diretora do Observatório Global de Comunicação e Democracia.

Depois, os dados são enviados para totalização por parte do CNE por telefone ou via satélite. As máquinas, que não estão conectadas à internet, têm baterias que permitem o uso mesmo sem energia elétrica.

"O regime queria fazer um sistema eleitoral forte para que ninguém pudesse burlá-lo. É tão robusto que permitiu que vários partidos ganhassem eleições. Se pudesse alterar votos, por que o chavismo perdeu nas eleições legislativas de 2015?", disse Colina ao El País.

Na denúncia apresentada na segunda-feira pelo procurador-geral da República, Tarek William Saab, a tentativa de ataque cibernético teria ocorrido na fase de transmissão de dados para Caracas, e a ação teria partido da Macedônia do Norte. Em entrevista coletiva, Saab culpou oposicionistas como
María Corina Machado e Leopoldo López, e reiterou que a ação não teve êxito, como havia declarado na véspera o presidente do CNE, Elvis Amoroso.

"As máquinas não transmitem informações pela internet, o fazem por linhas telefônicas criptografadas. Então, para que seja feita uma invasão dessa natureza, seria necessário invadir linha por linha, máquina por máquina", disse Martínez à BBC.

O voto eletrônico foi implementado na Venezuela em 2004, inicialmente com a empresa Smartmatic. Em 2017, a companhia afirmou que o sistema apontou uma manipulação dos dados de comparecimento às urnas nas eleições para a Assembleia Nacional, e que a diferença entre os que votaram de fato e entre os que as autoridades disseram ter votado era de quase um milhão. Na época, a empresa não quis comentar se a diferença influenciou nos resultados da votação — pouco depois, o contrato foi suspenso, e a transnacional ExClé assumiu o trabalho desde então.

A mudança, afirmam especialistas, não significou um sistema menos seguro.

"Embora se diga frequentemente nas redes sociais que as máquinas alteram os votos, ou que podem cometer fraudes de identidade eleitoral, as auditorias demonstraram que isso não acontece e que seria fácil denunciar caso acontecesse", apontou Martínez ao El País.

O ponto frágil não está nas máquinas, mas sim em quem anuncia os números finais, afirmam analistas. Em publicação no X, o jornalista Jose María Del Pino, do canal chileno NTN24, várias seções eleitorais foram fechadas antes que as atas eleitorais fossem divulgadas publicamente, como exige a legislação.

Contagem dos votos

Mesmo tendo representantes em 95% dos locais de votação, a oposição disse ter tido acesso a apenas 40% das atas impressas, e que elas mostravam uma vantagem considerável de Edmundo González. Houve denúncias de que militares levaram urnas com comprovantes de votos, e impediram o acesso a elas. Alguns oposicionistas dizem ainda ter sido impedidos de acompanhar a totalização dos votos no CNE, em Caracas.

"Os resultados que Elvis Amoroso deu são inconsistentes. E provar que não é real é muito simples. À medida que as minutas sejam recuperadas e possam ser totalizadas de forma independente, vocês verão isso. Já com 40% das minutas totalizadas, a diferença entre Edmundo González e Nicolás Maduro
é de quase 30 pontos", explica Eugenio Martínez, sugerindo que a tendência é quase impossível de ser revertida. "Para que isso acontecesse, nesses outros minutas, Edmundo González teria que obter zero votos e Nicolás Maduro teria que ter votos".

Apesar de questionadas, as eleições são consideradas um elemento crucial para garantir a legitimidade do regime, especialmente no exterior. Mas diante de tantas dúvidas,e do não reconhecimento internacional da vitória de Maduro, Caracas pode se ver obrigada a abrir seus registros, mesmo que eles revelem uma realidade distinta da que quer o governo.

"Se o governo não respaldar os resultados com dados, Maduro enfrentará o maior teste de legitimidade que enfrentou em anos", disse Geoff Ramsey, membro sênior do Atlantic Council e principal pesquisador da Venezuela, à BBC.

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