Um combatente anti-regime fica em frente a um retrato danificado do presidente da Síria, Bashar al-Assad, espalhado em um prédio do governo em Hama, um dia depois que os rebeldes capturaram a cidade do centro-oeste da Síria, em 6 de dezembro de 2024 (Mohammed AL-RIFAI/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 13h19.
Última atualização em 6 de dezembro de 2024 às 13h24.
A Guerra da Síria voltou a ter desdobramentos importantes nesta semana, após anos de uma aparente estagnação no front, quando uma coalizão de grupos rebeldes iniciou uma ofensiva a partir do norte e tomou o controle de cidades importantes do país, como Aleppo e Hama, surpreendendo o governo do presidente Bashar al-Assad e seus aliados estrangeiros. A liderança rebelde cravou como objetivo para a ofensiva a derrubada do regime da família Assad, no poder há mais de 50 anos.
Ao longo de 13 anos de guerra civil, o território sírio foi repartido como uma colcha de retalhos, com o poder de fato sobre cada região trocando de mãos por mais de uma vez, a depender de qual grupo — de uma larga miríade de atores nacionais e estrangeiros que passaram pelo país — conseguia se impor no campo de batalha. Estimativas apontam que cerca de 300 mil pessoas morreram no confronto, que também provocou o êxodo de 6 milhões de refugiados.
O conflito começou em 2011, como um desdobramento com o movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe, quando movimentos populares contestaram o poder de diversos regimes no Oriente Médio e no norte da África. Em Damasco, os protestos tinham como alvo o regime de Assad, cuja família ocupa a Presidência desde os anos 1970, governando o país com mão-de-ferro.
Os protestos ao redor do país foram duramente reprimidos pelas forças do governo. Grupos armados se organizaram para oferecer uma resistência armada, incluindo alguns formados por militares que desertaram do Exército sírio. Na primeira fase do conflito, até meados de 2014, grupos de oposição a Assad, incluindo jihadistas e moderados, conseguiram tomar a maior parte do noroeste do país, como a importante cidade de Aleppo, e outros territórios, enquanto o Estado Islâmico, operando na fronteira com o Iraque, conseguiu em seu auge, entre 2015 e 2016, tomar cerca de um terço da superfície do país, estabelecendo a "capital" do seu "califado" em Raqqa.
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Embora tenha passado apuros enquanto tentava conter uma grande quantidade de grupos rebeldes, o regime de Assad conseguiu começar a reverter a situação no terreno com o apoio de aliados externos. A Guarda Revolucionária do Irã e homens do braço armado do movimento libanês Hezbollah entraram no território sírio para combater ao lado das forças do governo, que também receberam o reforço aéreo da Rússia — que continua a apoiar operações de bombardeio durante a ofensiva atual.
O interesse estrangeiro no conflito cresceu com a expansão do Estado Islâmico, taxado de extremista até mesmo por outros grupos jihadistas da região. Além da Rússia, os EUA também passaram a atuar no espaço aéreo sírio para combater o EI, mas não apoiando o regime de Assad, mas sim a coalizão rebelde curda, que atua no norte. A Turquia, que considera os grupos curdos terroristas e também se engajou na luta contra o EI, apoiou outras forças rebeldes sírias, que se levantaram contra o governo em 2011.
O Exército sírio, leal a Assad, ainda controla a maior parte do país, incluindo a totalidade de Damasco, capital que chegou a ficar dividida em determinado momento da guerra. As forças oficiais contam com o apoio aéreo russo — o que não foi suficiente, durante uma semana de ofensiva, para conter os inimigos que avançam para o sul.
À frente da ofensiva-relâmpago que tenta chegar a Damasco, está uma coalizão de grupos rebeldes que opera sobre um formato coordenado que vem sendo chamado pela imprensa internacional de "Comando de Operações Militares". No centro da coalizão está o Hayet Tahrir al-Sham (HTS), uma facção que compartilha uma origem comum com o Estado Islâmico, na al-Qaeda no Iraque. Após romper com os dois grupos, em 2013 e 2016, respectivamente, o grupo que antes se chamava Jabat al-Nusra, adotou a alcunha atual. O líder do HTS, Abu Muhammad al-Jawlani, tem tentado apresentar o movimento jihasita como pragmático, interessado em derrubar o governo e promover um governo com participação popular e liberdade religiosa. O grupo tem, segundo estimativas, entre 12 mil e 15 mil homens — com algumas mais altas falando em até 30 mil.
Também na oposição a Assad, o Exército Nacional Sírio reúne o que restou do Exército Livre Sírio, que iniciou o combate armado contra o governo, em 2011, e outros grupos. Ocupando partes do nordeste e do noroeste da Síria, a organização conta com o apoio direto da Turquia, potência militar da Otan que observa com interesse o conflito armado em suas fronteiras. Com uma força estimada em 25 mil homens, o ENS combateu forças do governo, o EI e forças curdas, alinhando seus interesses aos de Ancara.
Há ainda um outro grupo relevante na disputa, as Forças Democráticas da Síria, formadas por milícias curdas, em sua maioria, que receberam armas e treinamento dos EUA e exerceram um papel crucial na luta contra o Estado Islâmico no leste da Síria — território que hoje ocupa. As forças também são formadas por subgrupos de maioria árabe. A situação dos curdos — o maior povo sem um Estado no mundo — é extremamente delicada, uma vez que além do EI (que ainda tem cerca de 3 mil homens entre a Síria e o Iraque), tem preocupações com as forças apoiadas pela Turquia. Ancara considera uma série de grupos curdos, que reivindicam a criação de um Estado em algum local entre o sul da Turquia e o norte da Síria, terroristas. As relações com o regime sírio são de um alinhamento por interesse, contra os rivais internos.
A tomada de Aleppo pelo HTS e a ofensiva em direção ao sul provocou uma série de instabilidades em um terreno que parecia estabilizado desde um entendimento entre Turquia e Rússia sobre a situação em Idlib, província na fronteira com o país da Otan. Os rebeldes tomaram na quinta-feira a cidade de Hama, quarta maior cidade síria e um importante centro entre Aleppo e Damasco. Combatentes do grupo estão a menos de 200 km da capital, bastião do regime.
Assad, por sua vez, enfrenta dificuldades em reativar a aliança que o garantiu uma retomada de terreno a partir da segunda metade da década passada. A Rússia, que tem auxiliado com operações aéreas, está envolvida na maior guerra no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial, enfrentando pressões extremas nos campos econômico e político. O Irã, outro aliado importante, está sob ameaça de Israel, em razão de bombardeios trocados envolvendo a guerra em Gaza. Por fim, o Hezbollah, que cedeu homens para lutar por Assad no passado, ainda se recupera dos duros golpes sofridos durante sua guerra particular com os israelenses.
Ainda não está claro como o confronto na região entre Aleppo e Damasco vai impactar no restante do conflito. Forças oficiais se retiraram nesta sexta-feira de posições no leste do país para reforçar os combates na região central, acendendo um alerta das forças curdas sobre um possível levante do EI. O Exército Nacional Sírio, por sua vez, parece ter participado de ações coordenadas com o HTS contra o governo. Resta saber se ampliaram as atividades contra os curdos.